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sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Soberania em Nova York - Fernando Gabeira

Os discursos de presidentes brasileiros são ouvidos com frieza na ONU. É a abertura da sessão, quase uma formalidade. O de Bolsonaro tende a ser uma exceção. Não por suas qualidades oratórias, mas pelas circunstâncias que o cercam.
Leio que o tom do discurso será conciliatório, com ênfase na defesa da soberania. Um tom conciliador é sempre bem recebido. O próprio conceito de soberania nacional, embora definido há séculos por Jean Bodin, foi ratificado no pós-guerra pela ONU ao reconhecer o direito de autodeterminação dos povos. [desde o século passado, aos que preferirem milênio, que o Brasil deveria ter dispensado essa formalidade boba de discursar na Assembleia Geral da ONU - o evento em si não tem importância, o decidido na ocasião, anualmente comemorada, não se destaca pela Justiça nem por caráter Humanitário.
A ONU jamais vai mover uma palha para ajudar o Brasil em qualquer pleito.
Aliás, aquela organização é o exemplo mais acabado, mais perfeito, da ditadura das minorias: quem comanda a ONU, no que realmente importa, é o Conselho de Segurança e está comandado pelo Conselho Permanente - formado por cinco países, que mudam a mais de 70 anos - Estados Unidos, Rússia, China, Inglaterra e França;
qualquer matéria apreciada pelo CS, ainda que aprovada por todos os membros não permanentes e mais 4 votos de quatro membros do CS, permanente, o único voto de um membro do Conselho Permanente, é suficiente para contrariar tudo e nada do decidido pelos demais valer alguma coisa.]

Em termos diplomáticos, Bolsonaro tem dito barbaridades, se consideramos que fala pelo País. Zombou da mulher de Macron, ironizou a Alemanha, criticou a Noruega e defendeu a ditadura de Augusto Pinochet. [quanto a chanceler alemã, falou demais e foi respondida à altura;
a Noruega promoveu um desastre ambiental no Brasil  - Hydro Alunorte em Barcarena - PA e na maior cara de pau quer dar lição de moral ao Brasil e Pinochet evitou que o Chile se tornasse uma nação comunista.]Pesa contra ele, também, sua desconfiança da ONU e de instrumentos internacionais, incluídos os que trabalham com as mudanças climáticas.  Embora outros biomas, como o Cerrado e o Pantanal, estejam igualmente em chamas, a questão da Amazônia é a mais importante. O exercício da soberania nacional sobre um governo que administra uma extensa área indispensável ao planeta coloca inúmeras questões.

Como se vê a soberania no Brasil? É um debate que existe também nos EUA. Nele, ambas as partes defendem a soberania. Mas uma delas a vê fortalecida com a cooperação internacional e a outra, com o isolacionismo. Como Bolsonaro navegará entre esses polos não sei exatamente. O conceito puro de soberania vem sendo questionado. Lembro-me da primeira menção a esse questionamento numa conferência na Holanda. Já naquele momento Mitterrand experimentava a expressão soberania limitada, aplicável em pelo menos dois setores: a destruição do meio ambiente e o desrespeito maciço dos direitos humanos.

Agora, no cenário norte-americano, vejo uma nova forma de questionar a soberania. Enquanto alguns senadores falavam em boicote comercial, alguns articulistas e acadêmicos afirmaram que a destruição da Amazônia é um ataque à segurança nacional dos EUA. Um deles afirmou que as queimadas podem ser vistas como arma de destruição em massa. Tudo isso se dá no campo democrático. Mas é o que vai disputar as eleições com Trump e, segundo as pesquisas, com chances de vitória, embora seja muito cedo para falar disso.

Aos poucos, a questão não é mais o conceito de soberania a ser questionado, mas posto contra outro de grande alcance nos EUA: a segurança nacional.  A expressão arma de destruição em massa certamente é um cálculo sobre os prejuízos humanos e ambientais. Pode-se discordar da análise. Mas o fato é que se trata de uma expressão perigosa, o Iraque que o diga. Com ou sem armas de destruição em massa, Saddam Hussein foi para o espaço. Bolsonaro já é uma espécie de vilão na imprensa internacional. Trabalhou para isso e parece não se importar muito com as consequências para a imagem do Brasil. Afinal, os estrangeiros não votam.

A julgar pelas intervenções do ministro Ernesto Araújo, o tom será de negação das mudanças climáticas, inexistentes ou exageradas. Segundo ele, a Nasa não consegue distinguir uma queimada de uma fogueira. Seus sensores devem pirar no Nordeste com as festas juninas.  Li que Araújo será o principal formulador do discurso. Li, também, que Araújo consultou Steve Bannon para se inspirar. Bannon certamente vai querer fortalecer uma coalizão de extrema direita da Hungria ao Brasil, passando por partidos como o de Marine Le Pen, na França, e pela extrema direita latino-americana. Se isso transparecer no discurso de Bolsonaro, será um contrabando, uma vez que o partido de Bolsonaro pode ser de extrema direita, mas a política nacional, não. É a mesma cantilena do passado, a dificuldade no governo do PT de levar uma política internacional diferente da visão partidária.

Esta passagem por Nova York, embora breve, é um teste para Bolsonaro, com repercussões em nossa vida política. Ele já pensou em visitar a cidade em outras circunstâncias. Numa delas, iria ao Museu de História Natural, onde seria homenageado. Foi rejeitado. Imagino que as pessoas em Nova York não se importem muito com o que acontece na ONU nem se interessam pelos discursos que se fazem ali. Mas desta vez, creio, a presença de Bolsonaro falando como presidente do Brasil interessa aos jornais e à televisão. Impossível prever um desfecho, mas dentro dos limites é possível elaborar sobre o contexto em que esta fala de Bolsonaro se coloca. Lembro-me das críticas a Sarney por citar um obscuro poeta maranhense no seu discurso na ONU. Pecado venial, mesmo porque não estavam prestando tanta atenção assim a um discurso protocolar. Os tempos de terraplanismo, negação do aquecimento global, da diversidade da culturas – enfim, tantas armadilhas – podem nos fazer sentir saudades dos tempos em que o único reparo era o nome de um poeta maranhense.

Um caminho que me parece correto seria reconhecer a legitimidade da preocupação internacional com a Amazônia, e não descartá-la apenas denunciando interesses escusos. Outro passo seria contar com a cooperação de outros países para preservá-la de forma sustentável e inclusiva. Não há contradição entre cooperação multilateral e soberania, desde que os objetivos sejam idênticos: manter a floresta em pé, recompor parte dela, explorar seus recursos de forma sustentável, melhorar as condições de 28 milhões de pessoas em nove Estados do PaísEsta me parece ser a posição de todos os governadores da Amazônia Legal. Falando em nome do Brasil, Bolsonaro não pode ignorá-la. E teria de defendê-la de forma bastante convincente, pois todos os olhos e ouvidos são conhecedores de sua biografia política. Estarão esperando um lance para reconhecerem o Bolsonaro que têm na cabeça. Seria preciso que desaparecesse por trás de um discurso sensato. Mas tenho minhas dúvidas.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista 


  

quinta-feira, 5 de março de 2015

Homicídio não tem sexo



Matar é matar. Homem, mulher, gay, bi, transexual. É hediondo por natureza. Não se pode fazer diferença entre matar um ou outro por gênero
Ainda pendente da sanção de Dilma Rousseff, que, possivelmente a fará com pompa e circunstância para comemorar o Dia Internacional da Mulher, a lei que torna hediondo o feminicídio foi aprovada. Isso quer dizer: penas mais duras para quem matar mulher pelo fato de ela ser mulher.

Mais do que uma bobagem populista para agradar ao público feminino perto do dia 8 de março, a proposta é discriminatória, ilegal e, claro, inconstitucional.  Matar é matar. Homem, mulher, gay, bi, transexual. É hediondo por natureza.  Não se pode fazer diferença entre matar um ou outro por gênero. É uma violação grosseira ao Artigo 5º da Constituição, aquele que assegura que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e todos os seus incisos. Uma afronta tão absurda que deveria – essa sim - ser considerada hedionda.   Além de ferir a Constituição, a lei para fazer bonito para as mulheres atenta contra a lógica.  

Até leigos sabem que punições maiores não inibem o crime, muito menos os homicídios. Há vários estudos que comprovam isso, incluindo os sobre a pena capital, que corroboraram para a redução desse tipo de punição nos Estados Unidos e para que vários países do mundo, a exemplo da Inglaterra e França, extirpassem a pena de morte de suas leis. Pior: em um país em que os homicídios crescem assustadoramente, a lei do feminicídio é, para dizer o mínimo, tergiversar sobre a violência.

Os números são de arrepiar. O Brasil responde por 13 em cada 100 assassinatos no mundo. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o país é campeão em números absolutos de homicídios. Nada menos de 64 mil em 2012, superando a populosíssima Índia, segunda colocada, com 52 mil.

Ainda que as mulheres sejam vítimas – e a lei Maria da Penha é importante para estimular a denúncia sobre a violência contra a mulher –, são os jovens do sexo masculino que engrossam as estatísticas dos homicídios: 74 por 100 mil quando se fala de garotos de 21 anos. Um escândalo. Ninguém pensou em qualificar esses assassinatos como hediondos ou tipificá-los na categoria de jovencídio.

O problema é que aqui se esbarra em temas mais profundos que tanto o Senado quanto a Câmara insistem em adiar: a maioridade penal e o poder de polícia. Nunca se matou tanto jovem, mas também nunca tanto jovem matou tanta gente.  Nunca se prendeu tanto e nunca tão pouco bandido continuou preso.

Ao contrário da quase unanimidade do feminicídio, que em nada mudará o aterrador quadro de violência do país, são temas complexos, populares por um lado, impopulares por outro. Ficam, então, para as calendas. Sem coragem para pelo menos tentar soluções para reduzir o número indecente de assassinatos, o Brasil cria seus monstrengos. A partir da sanção da lei, mulheres que matam homens terão penas menores do que os homens que matam mulheres.  Enquanto isso, homicídios de todos os gêneros se multiplicam em ritmo endêmico.

Por: Mary Zaidan É jornalista. E-mail: zaidanmary@gmail.com Twitter: @maryzaidan