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quarta-feira, 3 de março de 2021

Os efeitos mortais do desgoverno Bolsonaro - José Nêumanne

O Estado de S. Paulo

Estelionatário do voto, presidente é fiel a passado autoritário, terrorista e estatizante

[PARABÉNS ao ilustre Nêumanne - a quem acompanhamos e respeitamos faz algum tempo, muito tempo.
Apenas lamentamos que um presidente que recebeu quase 60.000.000 de votos seja chamado de 'estelionatário' - quais foram os estelionatos por ele cometidos?  ( recentemente, o ministro Gilmar Mendes usou o termo genocídio de maneira, digamos, precipitada, e encontrou dificuldades para  apontar os cadáveres necessários à comprovação daquele horrível crime. A classificação não foi mantida.).
No mais, é aconselhar ao ilustre jornalista, poeta e escritor, que esteja preparado para  mais quatro anos, contados a partir de 1º janeiro 2023, com as bênçãos de DEUS,  do segundo mandato do presidente JAIR MESSIAS BOLSONARO.]          ]

Jair Bolsonaro ganhou a eleição presidencial, que não foi fraudada, como repete, apoiado em dois pilares: o antipetismo e o slogan que furtou das manifestações populares de 2013, resumindo o que exigiam: “Mais Brasil, menos Brasília”. A repulsa a Lula levou-o a assumir compromisso com o apoio ao que, finda a primeira metade de sua gestão, é chamado de “lavajatismo”, pondo o ex-juiz Sergio Moro no Ministério da Justiça e da Segurança Pública. O desmonte da privilegiatura, especialmente os burocratas fardados, esbulhando o contribuinte, virou lorota “liberal na economia e conservadora nos costumes”, que acomoda na Esplanada dos Ministérios um fã secreto de Augusto Pinochet, Paulo Guedes, e Damares Alves, lunática que conversava com Jesus Cristo numa goiabeira.

O liberalismo de caviar com champanhota, sustentado por uma nobiliarquia burguesa, guiada pelo sorry, periferia” de Ibrahim Sued, pôs à mesa Salim Mattar – que logo entendeu que fora chamado para um picadeiro, e não para uma equipe econômica, e pulou fora –, se distrai e se desfaz no ridículo do viciado em almoço grátis, a renegar Chicago. O combate à corrupção foi despejado no verão de 2018, quando o então deputado estadual fluminense Flávio Bolsonaro foi avisado (segundo seu suplente, Paulo Marinho) de que o esquema de que era beneficiário na Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Sara Giromini, Daniel Silveira e Bia Kicis. O estrategista escolado em crime de colarinho-branco Frederick Wassef foi reabilitado no seio da famiglia pelo perdão ao primogênito. E este terá o inquérito do MP-RJ sepultado sem choro nem vela pelo procurador-geral da Justiça daquele Estado, Luciano Mattos, nomeado pelo governador provisório, Cláudio Castro, para dar um roque no xadrez da investigação mais rica em crimes desde Sérgio Cabral.

Sobrenatural de Almeida, personagem do analista dos costumes dos subúrbios da ex-Cidade Maravilhosa, Nelson Rodrigues, providenciou uma pandemia para ele atuar como charlatão-mor do País, com cloroquina na maleta. Em 25 de fevereiro morreram 1.582 súditos e na live do trono Sua Majestade, o artilheiro que nunca disparou um morteiro, expôs habilidades de homem do óleo da cobra das feiras livres do interior, mirando no seu mais recente inimigo público número um, a máscara anticovid. [que o "cientista" Antonio Fauci, especialista em manchetes horripilantes, quer que seja usada em duplicata.] e Chamou de efeitos colaterais do uso da máscara os sintomas “irritabilidade, dificuldade de concentração, diminuição da percepção de felicidade, recusa de ir para escola, vertigem e desânimo”. Nem pense em rir, já que se trata de um diagnóstico grave, capaz de produzir centenas de milhares de vítimas de morte. A receita foi-lhe passada, segundo os repórteres Samuel Lima e Gabi Coelho, do Estadão, por tuíte, pelo médico (!) Alessandro Loiola, “que já foi alvo de quatro verificações do Projeto Comprova por espalhar informações falsas e é autor de um livro chamado Covid-19: a fraudemia, um compêndio de teses anticientíficas e teorias conspiratórias”.

Antes de março chegar, na perspectiva de ser o mais terrível mês na guerra ao novo coronavírus, alucinados aglomeraram-se sem máscara à frente da casa do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, em protesto contra o lockdown que este decretou. “Queremos trabalhar”, tuitou o chefe do Executivo. Quem o impede de fazê-lo? Poderia interromper a folga a que se dedica desde a posse para mandar o Ministério da Saúde cumprir a ordem da ministra do STF Rosa Weber e reabrir UTIs de covid do SUS, em vez de dar resposta desaforada: “Cabe a cada Estado fazer a sua parte”.

Como se trata de mais uma proposta para não ser cumprida pelo estelionatário de hábito, e convém evitar que ele continue desmandando para colher cadáveres, resta-nos ecoar o que disse o senador Tasso Jereissati, ao defender a CPI da covid-19: “Alguém precisa parar esse cara”. É mesmo absurda (e não se diga burra, em respeito aos quadrúpedes muares) a oposição dele aos únicos instrumentos de que a humanidade dispõe para escapar do contágio mortal: higiene, máscaras, isolamento, auxílio emergencial e vacina [temos vacina? ao que se sabe elas são insuficientes, vez ou outra  surgem algumas centenas de doses, até no estado presidido, ops... governado pelo 'governador da vacina' ]  Muitas vidas poderão ser salvas se se lavarem suas mãos sujas de sangue e lhe negarem o poder de decretar efeitos mortais de seu desgoverno homicida.

José Nêumanne,  Jornalista, poeta e escritor - O Estado de S. Paulo


terça-feira, 27 de outubro de 2020

O golpismo disfarçado - Nas Entrelinhas

Nossa Constituição é fruto de um amplo processo de mobilização da sociedade e de um pacto de transição à democracia como os militares, derrotados com a eleição de Tancredo Neves

O Chile decidiu em plebiscito convocar uma Constituinte formada por homens e mulheres, meio a meio, e sem a participação dos atuais mandatários, somente cidadãos. Foi o desfecho de um processo de insatisfação popular com o “Estado mínimo” chileno, uma herança do ditador Augusto Pinochet, consagrada na Constituição de 1980. Muita coisa mudou desde então, com sucessivas reformas constitucionais, mas o  estigma de uma Carta pinochetista, ou seja, de inspiração fascista, havia permanecido, assim como o caráter privatista de uma legislação que não contemplava os direitos sociais. A convocação da Constituinte chilena, portanto, era uma questão de tempo e representará o fim de um ciclo político de 40 anos de transição do autoritarismo para a democracia plena.

[o Chile está caçando, no popular, 'sarna para se coçar'; 
considerar que o Chile vive sob autoritarismo e precisa de democracia plena, é um grande erro - especialmente se decidirem seguir o modelo da 'constituição cidadã' vigente no Brasil.

A grande falha da Constituição Federal do Brasil é o detalhamento excessivo, absurdo, imposto pelos competentes constituintes, e tudo se agrava quando as minúcias complicam e a Carta tem  que ser interpretada (ou adaptada) pelo seu guardião supremo.]

É uma situação completamente diferente da nossa. Temos uma Constituição social-liberal, cujo preâmbulo diz que o nosso Estado democrático é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. [lindo texto; é integralmente cumprido? o texto do preâmbulo e o que é por ele apresentado.]  Nossa Constituição é fruto, simultaneamente, de um amplo processo de mobilização da sociedade e de um pacto de transição à democracia como os militares, que haviam sido derrotados com a eleição de Tancredo Neves, no colégio eleitoral, em 1985, mas se retiraram do poder em ordem.

Entretanto, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), ontem, no embalo das notícias sobre o Chile, propôs um plebiscito para elaborar uma nova Constituição para o nosso país. Não é uma tese nova. A ex-presidente Dilma Rousseff, após as manifestações de junho de 2013, por exemplo, namorou essa ideia, que foi prontamente rechaçada pelos políticos e pelos juristas. Agora, a proposta vem do outro lado do espectro político, com propósitos igualmente suspeitos, porque sabemos que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de uma Constituição que lhe desse mais poderes em relação ao Judiciário e ao próprio Legislativo.

Muitos criticam a Constituição de 1988 porque é social-liberal. O pomo da discórdia é o seu artigo 3º, segundo o qual “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (II) garantir o desenvolvimento nacional; (III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A existência desses dispositivos, principalmente quanto à economia e aos direitos sociais — ou seja, exatamente aquilo que os chilenos, ao aprovar a convocação da sua Constituinte, pleiteiam —, sempre incomodou os setores mais conservadores da nossa sociedade. [com todas as vênias,  não são os dispositivos e sim a concessão indiscriminada de direitos - alguns de dificil convívio com outros, contraditórios e o pior = direitos demais sem a contra partida de deveres.]

Mais poderes
No nosso caso, muitos podem achar que papel aceita tudo e que as coisas não funcionam por causa da Constituição de 1988. Não é verdade. Como diz o ex-deputado Miro Teixeira, um dos constituintes, nosso problema é cumpri-la. O que vem acontecendo ao longo dos anos é que o Supremo Tribunal Federal (STF), cuja missão é zelar pelo respeito à Constituição, vem sistematicamente tomando decisões que obrigam ao cumprimento de diversos dispositivos desse artigo, sobretudo em relação às liberdades e à igualdade de direitos. Uma parte das críticas à “judicialização da política” e às decisões do Supremo resulta do exercício desse papel, como “poder moderador”, [felizmente, a citação está entre aspas - são elas que impedem que o texto contrarie a própria Constituição.

Saiba mais: Cabe às Forças Armadas moderar os conflitos entre os Poderes - Ives Gandra da Silva Martins.

Por favor, leiam e encontrem uma contestação plausível - vejam também a LC 97/99. , editada em cumprimento ao determinado no art. 142 da CF.] 

Pode ser que Ricardo Barros tenha anunciado a proposta para agradar ao chefe, mas é ilusão imaginar que o líder do governo é um bobo da corte. Parlamentar experiente, que há muitos anos lidera setores conservadores do Congresso, viu no plebiscito chileno uma oportunidade. Muitos gostariam de mudar a Constituição por maioria simples, como acontece nas constituintes. Hoje, essas mudanças só podem ser feitas por três quintos dos membros da Câmara e do Senado, em duas votações, sendo que são cláusulas pétreas, ou seja, que não podem ser alteradas: (I) A forma federativa de estado; (II) O voto secreto, direto e universal; (III) A separação dos poderes; (IV) os direitos e garantias individuais.

Agora mesmo, a propósito da polêmica sobre a obrigatoriedade da vacina contra o novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro investiu contra o Judiciário, com o argumento de que a Justiça não pode decidir sobre esse assunto, embora esteja diretamente relacionado à teoria do dano direto e imediato, consagrada no nosso Código de Processo Civil. Bolsonaro, por diversas vezes, investiu contra o Supremo por acreditar que o fato de ter sido eleito presidente da República lhe dá poderes maiores do que aquele que a Constituição lhe atribuiu. Mudar a Constituição, inclusive para alterar a composição da Suprema Corte e amordaçar a imprensa, reprimir a oposição e se reeleger sucessivas vezes foi o estratagema de muitos mandatários eleitos que governam seus países autoritariamente.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


domingo, 8 de março de 2020

O templário do bolsonarismo - O Globo


Bernardo Mello Franco

A cavalaria do bolsonarismo

Um cavaleiro se aproxima a galope, empunhando um escudo e a bandeira do Brasil. Vestido de templário da Casa Turuna, ele freia o tordilho e solta o brado retumbante: “Patriotas, venho de longe em sagrada missão!”. “Contra os comunistas e traidores da pátria!”, prossegue, antes de partir ao som de uma marcha militar.

O empresário Emílio Dalçoquio Neto e o presidente Jair Bolsonaro



O vídeo viralizou na sexta-feira, para orgulho do catarinense Emílio Dalçoquio Neto. Herdeiro de uma transportadora de cargas, ele se inspirou nas cruzadas para divulgar os atos governistas do dia 15. “A ideia é mostrar que estamos numa guerra santa contra o comunismo”,  explica o catarinense de 54 anos. Para ele, quem fez piada com a produção amadora não tem amor pelo país. “O vídeo incomodou, né? Comunista fica nervoso mesmo”, provoca.


O empresário está ansioso pelas manifestações do próximo domingo. O objetivo, ele diz, é acusar Legislativo e Judiciário de conspirarem contra o presidente. “O governo é ótimo, mas não deixam o Bolsonaro trabalhar. O Congresso e o STF estão contra os interesses do povo brasileiro”, esbraveja.

Dalçoquio afirma que o tribunal “vai ter problema” se barrar os projetos do presidente. Perguntei se o problema incluiria o uso das Forças Armadas, mas ele preferiu fazer mistério. “Não vou responder isso daí”, desconversou.  O bolsonarista cultiva uma visão particular da História. A exemplo do presidente, sustenta que o regime instaurado pelo golpe de 1964 não foi um ditadura militar. “Isso é mentira, pô! Que ditadura é essa que tem novela, Chacrinha, Sílvio Santos?”, questiona. Ele reprova a Constituição de 1988 e admira o ditador Augusto Pinochet, que comandou um regime sanguinário no Chile. “O Pinochet resolveu o problema. Ah, matou três mil? É verdade. A versão da barata sobre o Baygon é terrível”, ironiza.
Dalçoquio despontou do anonimato na greve dos caminhoneiros de 2018. Ele foi flagrado incentivando motoristas a queimarem veículos, e sua empresa foi investigada sob suspeita de promover um locaute.
“Quem estava coordenando a greve era o pessoal do MST. Era para ter uma intervenção militar e provocar o cancelamento da eleição”, despista.  Na época, ele já trocava mensagens com o atual presidente. “Fui o primeiro a receber o Bolsonaro em Santa Catarina, em outubro de 2015. Quase ninguém acreditava nele”, orgulha-se.

Na visão do empresário, a vitória do capitão salvou o país da ameaça vermelha. “Nós estávamos a um passo de entrar para a Ursal. O único que podia mudar isso era o Bolsonaro”, discursa.  Argumentei que a União das Repúblicas Socialistas da América Latina só existe no mundo da ficção, mas ele se mostrou convencido do contrário. “A Manuela Dávila, do PCdoB, disse que o Brasil estava indo para a Ursal. Até o papa está fomentando isso. O papa também é comunista”, sentenciou.

Dalçoquio diz ter tirado dinheiro do próprio bolso para incentivar a campanha do capitão. Quanto gastou? “Nem eu sei”, enrola. O empresário não aparece na prestação de contas entregue à Justiça Eleitoral. Depois da vitória, ele fundou o grupo de ultradireita Lux Brasil. Em janeiro, o presidente o recebeu para uma sessão de fotos no Planalto. [A manifestação pró Bolsonaro, de 15 de março, oferece a oportunidade de consolidar o movimento de recuperação da economia nacional e dos valores morais, religiosos, familiares. 
Já a da corja lulopetista, tem como objetivo uma impossível tomada do poder, restabelecer o assalto aos cofres públicos, concluir o desmonte da Petrobras, dos fundos de pensão, a motivação da vergonha nacional e tudo o que não presta.
A manifestação pró Presidente Bolsonaro é temida exatamente por ser uma manifestação pacífica, respeitando as leis e os valores da Pátria Amada.]

Bernardo M. Franco, jornalista - Coluna O Globo




sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Soberania em Nova York - Fernando Gabeira

Os discursos de presidentes brasileiros são ouvidos com frieza na ONU. É a abertura da sessão, quase uma formalidade. O de Bolsonaro tende a ser uma exceção. Não por suas qualidades oratórias, mas pelas circunstâncias que o cercam.
Leio que o tom do discurso será conciliatório, com ênfase na defesa da soberania. Um tom conciliador é sempre bem recebido. O próprio conceito de soberania nacional, embora definido há séculos por Jean Bodin, foi ratificado no pós-guerra pela ONU ao reconhecer o direito de autodeterminação dos povos. [desde o século passado, aos que preferirem milênio, que o Brasil deveria ter dispensado essa formalidade boba de discursar na Assembleia Geral da ONU - o evento em si não tem importância, o decidido na ocasião, anualmente comemorada, não se destaca pela Justiça nem por caráter Humanitário.
A ONU jamais vai mover uma palha para ajudar o Brasil em qualquer pleito.
Aliás, aquela organização é o exemplo mais acabado, mais perfeito, da ditadura das minorias: quem comanda a ONU, no que realmente importa, é o Conselho de Segurança e está comandado pelo Conselho Permanente - formado por cinco países, que mudam a mais de 70 anos - Estados Unidos, Rússia, China, Inglaterra e França;
qualquer matéria apreciada pelo CS, ainda que aprovada por todos os membros não permanentes e mais 4 votos de quatro membros do CS, permanente, o único voto de um membro do Conselho Permanente, é suficiente para contrariar tudo e nada do decidido pelos demais valer alguma coisa.]

Em termos diplomáticos, Bolsonaro tem dito barbaridades, se consideramos que fala pelo País. Zombou da mulher de Macron, ironizou a Alemanha, criticou a Noruega e defendeu a ditadura de Augusto Pinochet. [quanto a chanceler alemã, falou demais e foi respondida à altura;
a Noruega promoveu um desastre ambiental no Brasil  - Hydro Alunorte em Barcarena - PA e na maior cara de pau quer dar lição de moral ao Brasil e Pinochet evitou que o Chile se tornasse uma nação comunista.]Pesa contra ele, também, sua desconfiança da ONU e de instrumentos internacionais, incluídos os que trabalham com as mudanças climáticas.  Embora outros biomas, como o Cerrado e o Pantanal, estejam igualmente em chamas, a questão da Amazônia é a mais importante. O exercício da soberania nacional sobre um governo que administra uma extensa área indispensável ao planeta coloca inúmeras questões.

Como se vê a soberania no Brasil? É um debate que existe também nos EUA. Nele, ambas as partes defendem a soberania. Mas uma delas a vê fortalecida com a cooperação internacional e a outra, com o isolacionismo. Como Bolsonaro navegará entre esses polos não sei exatamente. O conceito puro de soberania vem sendo questionado. Lembro-me da primeira menção a esse questionamento numa conferência na Holanda. Já naquele momento Mitterrand experimentava a expressão soberania limitada, aplicável em pelo menos dois setores: a destruição do meio ambiente e o desrespeito maciço dos direitos humanos.

Agora, no cenário norte-americano, vejo uma nova forma de questionar a soberania. Enquanto alguns senadores falavam em boicote comercial, alguns articulistas e acadêmicos afirmaram que a destruição da Amazônia é um ataque à segurança nacional dos EUA. Um deles afirmou que as queimadas podem ser vistas como arma de destruição em massa. Tudo isso se dá no campo democrático. Mas é o que vai disputar as eleições com Trump e, segundo as pesquisas, com chances de vitória, embora seja muito cedo para falar disso.

Aos poucos, a questão não é mais o conceito de soberania a ser questionado, mas posto contra outro de grande alcance nos EUA: a segurança nacional.  A expressão arma de destruição em massa certamente é um cálculo sobre os prejuízos humanos e ambientais. Pode-se discordar da análise. Mas o fato é que se trata de uma expressão perigosa, o Iraque que o diga. Com ou sem armas de destruição em massa, Saddam Hussein foi para o espaço. Bolsonaro já é uma espécie de vilão na imprensa internacional. Trabalhou para isso e parece não se importar muito com as consequências para a imagem do Brasil. Afinal, os estrangeiros não votam.

A julgar pelas intervenções do ministro Ernesto Araújo, o tom será de negação das mudanças climáticas, inexistentes ou exageradas. Segundo ele, a Nasa não consegue distinguir uma queimada de uma fogueira. Seus sensores devem pirar no Nordeste com as festas juninas.  Li que Araújo será o principal formulador do discurso. Li, também, que Araújo consultou Steve Bannon para se inspirar. Bannon certamente vai querer fortalecer uma coalizão de extrema direita da Hungria ao Brasil, passando por partidos como o de Marine Le Pen, na França, e pela extrema direita latino-americana. Se isso transparecer no discurso de Bolsonaro, será um contrabando, uma vez que o partido de Bolsonaro pode ser de extrema direita, mas a política nacional, não. É a mesma cantilena do passado, a dificuldade no governo do PT de levar uma política internacional diferente da visão partidária.

Esta passagem por Nova York, embora breve, é um teste para Bolsonaro, com repercussões em nossa vida política. Ele já pensou em visitar a cidade em outras circunstâncias. Numa delas, iria ao Museu de História Natural, onde seria homenageado. Foi rejeitado. Imagino que as pessoas em Nova York não se importem muito com o que acontece na ONU nem se interessam pelos discursos que se fazem ali. Mas desta vez, creio, a presença de Bolsonaro falando como presidente do Brasil interessa aos jornais e à televisão. Impossível prever um desfecho, mas dentro dos limites é possível elaborar sobre o contexto em que esta fala de Bolsonaro se coloca. Lembro-me das críticas a Sarney por citar um obscuro poeta maranhense no seu discurso na ONU. Pecado venial, mesmo porque não estavam prestando tanta atenção assim a um discurso protocolar. Os tempos de terraplanismo, negação do aquecimento global, da diversidade da culturas – enfim, tantas armadilhas – podem nos fazer sentir saudades dos tempos em que o único reparo era o nome de um poeta maranhense.

Um caminho que me parece correto seria reconhecer a legitimidade da preocupação internacional com a Amazônia, e não descartá-la apenas denunciando interesses escusos. Outro passo seria contar com a cooperação de outros países para preservá-la de forma sustentável e inclusiva. Não há contradição entre cooperação multilateral e soberania, desde que os objetivos sejam idênticos: manter a floresta em pé, recompor parte dela, explorar seus recursos de forma sustentável, melhorar as condições de 28 milhões de pessoas em nove Estados do PaísEsta me parece ser a posição de todos os governadores da Amazônia Legal. Falando em nome do Brasil, Bolsonaro não pode ignorá-la. E teria de defendê-la de forma bastante convincente, pois todos os olhos e ouvidos são conhecedores de sua biografia política. Estarão esperando um lance para reconhecerem o Bolsonaro que têm na cabeça. Seria preciso que desaparecesse por trás de um discurso sensato. Mas tenho minhas dúvidas.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista 


  

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Os erros de Lula

“A estratégia eleitoral do PT está centrada na “infalibilidade” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no culto à sua personalidade”

Uma das características do culto à personalidade é a crença na infalibilidade do líder. 
Faz parte da estratégia de manutenção do poder e foi utilizada por políticos de todas as tendências, de Adolf Hitler, na Alemanha, e Benito Mussolini, na Itália, a Josef Stálin, na União Soviética, e Mao Tse Tung, na China. Na América Latina, Getúlio Vargas, no Brasil; Juan Domingos Peron, na Argentina; Fidel Castro, em Cuba; e até Augusto Pinochet, no Chile, recorreram ao expediente, que funciona com eficácia nos regimes autoritários, onde não existe liberdade de imprensa e a oposição é duramente reprimida. O problema do culto à personalidade é que os líderes viram uma espécie de “burro operante” quando erram, pois suas principais qualidades aumentam o tamanho do desastre. Bem ao nosso lado, aqui na Venezuela, temos o exemplo do desastre provocado pelo culto a Hugo Chávez, que escolheu a dedo o seu sucessor, o presidente Nicolás Maduro.

A estratégia eleitoral do PT está centrada na “infalibilidade” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no culto à sua personalidade. A campanha do PT se assenta na ideia de que seu governo foram “anos dourados”, sem levar em conta que seu primeiro mandato se beneficiou de condições excepcionais: 
- estabilidade do Real, que herdou do governo Fernando Henrique Cardoso;  
- expansão da economia chinesa, que alavancou nossas exportações;  
- e o “bônus demográfico”, que reduziu o número de dependentes (crianças e idosos) em relação às pessoas economicamente ativas (com renda) no âmbito familiar. Quando a situação mudou, principalmente depois da crise econômica mundial de 2008, Lula acreditou num canto de cigarra de sua então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff e do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, optando pela “nova matriz econômica” e não pelo ajuste que a situação exigia quanto ao deficit público. Fez o sucessor, mas deu errado: a bolha estourou e veio a recessão do governo Dilma e seu impeachment.

Na retórica petista, o fato de Dilma ter sido apeada do poder e substituída pelo vice-presidente Michel Temer permitiu à legenda varrer para debaixo do tapete todos os seus erros, inclusive os flagrados pela Operação Lava-Jato. O fato de a “ex-presidenta” não ser a candidata em lugar de Lula é a maior demonstração de que é considerada inapetente pela cúpula petista, embora apareça com mais intenções de voto do que outros petistas citados. Tanto que é uma candidata competitiva ao Senado, por Minas, apesar das patacoadas na campanha. Pois bem, se perguntarem para qualquer líder petista qual foi o maior erro de Lula, todos dirão que foi não ser candidato em 2014 e deixar que Dilma disputasse a reeleição. O próprio Lula, para os íntimos, reconhece isso. 

Publicamente, porém, ninguém fala sobre o assunto. Seria negar a infalibilidade de Lula.  A mesma infalibilidade e o culto à personalidade levaram a cúpula do PT a registrar a candidatura de Lula, que todos sabiam inelegível, por causa da Lei da Ficha Limpa. Esticaram a corda com a Justiça Eleitoral até ontem, quando o partido se viu obrigado a registrar a chapa com o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad na cabeça e Manoela D’Ávila (PCdoB), de vice. Petistas históricos preferiam uma aliança mais ampla, com Ciro Gomes (PDT) na cabeça de chapa, e Haddad na vice. Lula não quis saber de conversa, rechaçou a proposta e manteve sua candidatura até o limite. Alguns acreditam que Lula agiu como um gênio, conseguiu ocupar espaço político como grande injustiçado e, graças a isso, com a indicação de Haddad, poderá levar a legenda de volta ao poder.

Pesquisas
E se não for bem assim? A formalização da candidatura de Haddad em Curitiba, pela Executiva da legenda, foi um ato mixuruca, diante de importância que deveria ter. A pesquisa do Ibope divulgada ontem mostrou que o processo de transferência de votos está sendo mais lento do que se imaginava. Realizada entre 8 e 10 de setembro, ou seja, com os programas do PT fazendo a fusão das imagens de Lula e Haddad, o que agora não é mais possível, Jair Bolsonaro (PSL) subiu de 22% para 26%; Ciro Gomes (PDT) oscilou de 12% para 11%; Marina Silva (Rede) caiu de 12% para 9%; Geraldo Alckmin (PSDB) se manteve com 9%; e Fernando Haddad passou de 6% para 8%. Brancos e nulos passaram de 21% para 19%. Não sabem ou não responderam continua com 7%.

Nas simulações de segundo turno, o quadro é o seguinte: Ciro 40% x 37% Bolsonaro (branco/nulo: 18%; não sabe/não respondeu: 4%); Alckmin 38% x 37% Bolsonaro (branco/nulo: 21%; não sabe/não respondeu: 4%); Bolsonaro 38% x 38% Marina (branco/nulo: 20%; não sabe/não respondeu: 4%); Haddad 36% x 40% Bolsonaro (branco/nulo: 19%; não sabe/não respondeu: 5%). A rejeição de Haddad (23%) é maior do que a de Geraldo Alckmin (19%) e Ciro Gomes (17%), contra 24% de Marina e 31% de Bolsonaro. São 26 dias até a eleição, sem que nada esteja decidido, exceto o fato de que Lula está fora da eleição. Ou seja, está pagando por seus erros. Ou não?

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB