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terça-feira, 1 de março de 2022

4 tragos de vodca

Gazeta do Povo - Revista Oeste

As coincidências de um mundo que dá voltas

Sete reflexões, ou “tragos de vodca”, sobre a guerra na Ucrânia

Na semana passada, logo depois de iniciada a invasão da Ucrânia pela Rússia, comecei a anotar algumas reflexões sobre o conflito. Chamei a série de “Tragos de Vodca“.

Os quatro primeiros “tragos” publiquei na Revista Oeste e estão na sequência dos outros três, que trago hoje para minha coluna da Gazeta do Povo. Espero que essas sete anotações ajudem o leitor a entender melhor o ataque à Ucrânia.

Jogo de palavras
O Ministério da Defesa – do Ataque? – russo teceu duras críticas à Ucrânia pela iniciativa de armar sua população civil. O major-general, porta-voz da pasta, afirmou que “o regime nacionalista de Kiev distribui massiva e incontrolavelmente armas leves automáticas, lançadores de granadas e munição para moradores de assentamentos ucranianos”, acrescentando que “o envolvimento da população civil da Ucrânia pelos nacionalistas nas hostilidades levará inevitavelmente a acidentes e baixas” – talvez como aquela ogiva russa armada e parcialmente enterrada num parque infantil...

A escolha de palavras do Kremlin requer tradução: “regime nacionalista de Kiev” é putinês para o governo democraticamente eleito da Ucrânia, capitaneado por um Presidente, Volodymyr Zelensky, que obteve mais de 70% dos votos em 2019. Já as hostilidades supostamente incentivadas pelos nacionalistas nada mais são do que a resistência heroica e patriota de cidadãos livres, de um país independente, lutando por sua autonomia – não se trata de moradores de assentamentos, mas de residentes nacionais de um povo em pleno gozo da sua autodeterminação.

O PT e sua indisfarçável simpatia pelo autoritarismo
Como a Ucrânia se desfez do seu arsenal nuclear, num acordo que só ela respeitou

O porta-voz russo insiste: “Pedimos ao povo da Ucrânia que seja consciente, não sucumba a essas provocações do regime de Kiev e não se exponha e seus entes queridos a sofrimento desnecessário”. Pegar em armas contra uma força estrangeira invasora não requer muita provocação, nem parece sintoma de ausência de consciência; mas será que o sofrimento de civis e militares da resistência é fútil ou desnecessário?

“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança” disse Benjamin Franklin, na época em que os EUA eram o farol da humanidade, onde abundavam lideranças de verdadeira envergadura moral – como são os anônimos da resistência ucraniana.

País desarmado, povo refém
O pronunciamento oficial da Rússia sobre a distribuição de armas em Kiev veio um dia após o Ministério da Defesa e do Interior da Ucrânia solicitar a colaboração dos moradores da capital: “nos informem sobre movimentos de tropas, façam coquetéis molotov e neutralizem o inimigo”. Nas redes sociais, o governo publicou um passo-a-passo para a fabricação caseira de bombas de gasolina e, segundo fontes oficiais, 18 mil armas foram distribuídas.

O descontentamento da força invasora com o armamento voluntário da população violada sinaliza a potencial efetividade da estratégia de formação de milícias civis e do combate de guerrilha. Muitas batalhas já foram vencidas dessa maneira, inclusive durante a sanguinária incursão nazista na Rússia. Obrigar o inimigo a lutar por cada esquina, rua e prédio – apreensivo a cada palmo que avança em território hostil – abala a moral do exército intruso; além disso, nada como o combate homem a homem para materializar a violência (e a estupidez) do conflito, tanto para quem participa, quanto para quem assiste.

Daí a insatisfação do porta-voz e major-general russo, cujas palavras desbordam para o campo da ameaça ao citar uma inevitável escalada de baixas e de sofrimento entre os civis ucranianos. Por outro lado, o exército russo pareceu não se incomodar com a (nobre) tentativa de civis desarmados de barrar o avanço de tanques blindados na cidade ucraniana de Chernigov – o metal prevaleceu sobre a carne-e-osso, assim como a força prepondera sobre a razão em situações de guerra.

Velhos hábitos
Vladimir Putin tem um andar característico, flagrado em múltiplas filmagens, que já foi até objeto de artigos científicos. Em vez de movimentar os braços livremente, utilizando-os como contrapeso aos seus passos, o presidente russo caminha de forma assimétrica, com a movimentação reduzida em seu lado direito, dos ombros à mão.

Essa forma peculiar de marcha apelidada (e glamourizada) pela imprensa internacional como “gunslinger’s gait” (o passo do pistoleiro, em tradução livre) é atribuída ao treinamento de agentes da KGB, o serviço secreto soviético, onde Vladimir Putin chegou à patente de tenente-coronel.

Segundo os pesquisadores, a proximidade do braço ao corpo favoreceria o acesso mais rápido ao coldre e a agilidade no saque da arma numa eventual situação de emergência. Assim caminham o líder russo e seus velhos hábitos.

Tempos difíceis e seus homens
Spiridon Putin, avô paterno do presidente da Rússia, era cozinheiro pessoal de Lenin e outros líderes da Revolução Russa — uma informação que, por algum motivo, foi mantida em sigilo até 2018. Quando Stalin tomou o poder e perpetrou a carnificina dos expurgos, chef Putin e sua esposa foram poupados: “Eles eram, provavelmente, valorizados por serem pessoas de confiança”, comentou Putin, o neto, nascido em 1952 em Leningrado, onde viveu com a família em um apartamento comunitário.

Putin, o pai, nasceu em 1911, com o país sob domínio czarista. Ainda na infância, testemunhou uma revolução, uma guerra mundial e a fome russa, que matou cerca de 5 milhões dos seus conterrâneos. Lutou na Segunda Grande Guerra e foi gravemente ferido por um tiro de metralhadora; sobreviveu, assim como sua mulher, que resistiu ao cerco a Leningrado, um morticínio que vitimou ao menos 2 milhões de russos, entre militares e civis. Vladimir Putin é o filho mais velho desse casal — mas só porque seus irmãos, nascidos antes, faleceram na infância.

Reza o provérbio oriental:Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes”… Onde estaremos?

Tempos fáceis e seus homens
Emmanuel Macron nasceu em 1977, formou-se em filosofia e graduou-se em administração com mestrado em políticas públicas. Tornou-se sócio do Rothschild & Cie Banque, que o fez milionário antes dos 35 anos. Já como presidente da França, lançou mão de uma estratégia velada e intelectualmente desonesta de protecionismo agropecuário contra o Brasil, amealhando quase 150 mil coraçõezinhos em sua postagem lacradora sobre a Amazônia em 2019, ilustrada pela foto de um incêndio de décadas atrás: “Nossa casa está queimando. Literalmente. A Floresta Amazônica — os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta — está pegando fogo. É uma crise internacional”. Claro que pulmões não produzem oxigênio, absorvem — exatamente o que faz a floresta, que consome a maior parte do gás liberado pela fotossíntese, embora contribua de outras formas para a ecologia e o clima do mundo. Mas o que salta aos olhos é a definição do presidente francês de crise internacional.

Parece que os líderes do mundo livre finalmente depararam com uma crise internacional de verdade

Outro que já usou a Amazônia para bravatear e capitalizar politicamente foi o commander in chief Joe Biden, que, num debate eleitoral, sugeriu o pagamento — estamos aguardando! — de algo como US$ 20 bilhões para que o Brasil parasse de destruir a Amazônia. O então candidato até ameaçou: Se não parar, vai enfrentar consequências econômicas significativas”.

Parece que os líderes do mundo livre finalmente depararam com uma crise internacional de verdade, que requer sanções concretas contra agentes políticos realmente antagônicos aos valores do Ocidente. E agora?

O mundo dá voltas
Há dez anos, Mitt Romney, candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, foi entrevistado pela CNN e afirmou: “A Rússia é, sem dúvida, nosso maior inimigo geopolítico”. Romney acrescentou: “Quem sempre se alinha aos piores atores globais? A Rússia, geralmente com a China ao seu lado”.

Ato contínuo, em sua campanha pela reeleição, o presidente Barack Obama fez questão de zombar seu adversário por essa resposta: “Quando você foi perguntado qual era a maior ameaça geopolítica contra a América, você respondeu Rússia, não Al-Qaeda [grupo terrorista de extremistas islâmicos responsável pelos ataques de 11 de Setembro]. E os anos 1980 estão na linha solicitando sua política externa de volta, porque a Guerra Fria acabou há 20 anos”.

Barack Obama, o sarrista, foi o único presidente americano na história a completar oito anos de gestão com as tropas do seu país em combate ativo no exterioruma contradição flagrante à sua plataforma eleitoral, que contemplava o encerramento de conflitos e o retorno das Forças Armadas ao lar. Durante seu governo, em 2014, os russos invadiram e anexaram o estratégico território da Crimeia, antes pertencente à Ucrânia.

Embora a anexação não seja reconhecida pela ONU, a unificação ao território russo é dada como fato consumado. Especialistas avaliam que a incursão pela Crimeia foi o balão de ensaio para um movimento mais ousado de Putin na Ucrânia, que ocorreu tão logo um democrata voltou a ocupar o Salão Oval. São as coincidências de um mundo que dá voltas…

A guerra, a fome e o sofrimento desnecessário
No terceiro dia de guerra, o número de fatalidades permanece desconhecido e sigiloso. Um relatório das Nações Unidas dá conta de, ao menos, 64 mortes entre os civis ucranianos – suspeita-se que o número de baixas entre os militares já esteja na casa de centenas, em ambos os lados. Esses óbitos vão pra conta de um governo russo de pretensões imperialistas, que violou tratados internacionais e tem pouca tolerância a regimes democráticos, exceto quando alinhados ao Kremlin. Putin já declarou que “o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século [XX]” – sim, por incrível que pareça, ele se referia ao mesmo centenário que assistiu a duas guerras mundiais e aprisionou centenas de milhões de pessoas na escuridão da cortina de ferro socialista.

Há menos de 100 anos, no alvorecer da URSS, outro governo russo impôs aos ucranianos sua visão de mundo enviesada e ideológica. Entre 1932 e 1934, a Ucrânia foi devastado pela Grande Fome, ou Fome Terror, ou ainda Holodomor (“matar pela fome”) que massacrou 3.9 milhões de ucranianos étnicos por inanição – para muitos, um genocídio levado a cabo pelo governo soviético, que impôs políticas isolacionistas, coletivistas e de confisco agrícola aos camponeses, muitos dos quais recorreram até ao canibalismo na tentativa desesperada de sobrevivência.

Os horrores do Holodomor levaram décadas para chegar ao conhecimento do Ocidente. [informação:o Holodomor aconteceu  quando Stalin presidia a Rússia - o tirano soviético conseguiu ser pior que uma hipotética soma de Mao Tsé-Tung, Kim Jong-Un, Pol Pot - porém, o pior de todos foi o chinês Mao  - que superou a soma de todos em número de mortos.]. Só após a queda da União Soviética – a tal catástrofe geopolítica – o mundo livre conheceu a verdade sobre a fome, a miséria e a violência do comunismo e suas doutrinas derivadas. Putin até que se esforça para imitar seus antecessores, dificultando a livre circulação da informação e restringindo o acesso às redes sociais; mas o mundo de hoje é muito mais conectado e talvez mais sensível ao “sofrimento desnecessário”, como diria o major-general russo. Bastam as mortes – e não milhões de mortes – para alertar e mover a opinião pública. Na zdoróvie.

Leia também “‘Bolsonazismo’ e a banalização do mal”

Caio Coppolla, colunista - Gazeta do Povo - Vozes - Revista Oeste


quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

O centenário da Rússia de 1917

Em 2017 o episódio a respeito do qual construíram-se tantas lendas heroicas merece um olhar mais equilibrado

Em outubro de 1917, os bolcheviques (maioria, em russo) lideraram uma revolução, invadiram o palácio do czar, subiram pelas escadarias  e derrubaram séculos de absolutismo, instalando um governo de operários e camponeses.
Tudo mentira. Os bolcheviques não eram maioria, o czar não morava no palácio de inverno (ele abdicara em março e estava preso a quilômetros de distância). Em outubro de 1917 não havia mais monarquia, e a Rússia era uma república mambembe. Os poucos revoltosos entraram no palácio por janelas laterais, e o prédio não estava guarnecido por tropa capaz de defendê-lo. A cena da tomada do palácio, com uma heroica multidão subindo sua escadaria foi um invenção do cineasta Sergei Eisenstein. Ele teve a ajuda de cinco mil figurantes, e a filmagem, em 1928, causou mais danos ao palácio que a sua tomada em 1917. (A grandiosidade de Eisenstein fez com que suas cenografias engolissem a realidade. O massacre da escadaria de Odessa, do “Encouraçado Potemkin”, também não aconteceu.) 

Multidão no palácio só houve no dia seguinte, quando saquearam, e beberam, a adega real.  O ano do centenário da Revolução de 1917 será boa oportunidade para que os acontecimentos daquele ano sejam revisitados, com menos influência da propaganda. As revoluções foram duas; a primeira deu-se em fevereiro, em Petrogrado (depois Leningrado, hoje São Petersburgo). Nela misturaram-se as ansiedades de uma guerra na qual 1,5 milhão de soldados já haviam desertado, um inverno brabo que afetou o abastecimento, mais uma onda de greves e protestos. Contra essa revolta, estava Nicolau II, um autocrata medíocre metido numa corte de intrigantes. (O monge Rasputin, guru e marqueteiro da família real, havia sido assassinado em dezembro.)

No dia de hoje, há cem anos, Petrogrado parecia em paz. Estava na Rússia o príncipe herdeiro Carol da Rumânia, e a czarina Alexandra aproveitara um jantar em sua homenagem para apresentar à nobreza sua filha de 17 anos, a grã-duquesa Maria. Lênin estava em Zurique e admitia que a revolução poderia ficar para a próxima geração. (Outro hóspede da cidade era o escritor James Joyce.) Trotski estava encantando socialistas em Nova York. Stalin estava exilado no Círculo Ártico. Ele só pensava na revolução, mas nos próximos meses teria um problema: nasceria o filho de sua namorada adolescente. (Alexandre morreu em 1987. Seu filho, a quem revelara a identidade do avô, comprovou-a com um teste de DNA.)

Quando Petrogrado estava com as ruas tomadas, a czarina Alexandra acreditava que, com alguns dias de frio, as pessoas voltariam para casa, e um dos líderes bolcheviques na cidade duvidava do futuro da revolta. Ele achava que a coisa se acalmaria se os trabalhadores recebessem algum pão.  Pode-se discutir até onde a revolução de Petrogrado foi um movimento operário ou derivou de um motim da soldadesca. Como a efeméride será lembrada até o fim do ano, seria injusto que tudo parecesse ter começado com o golpe de outubro de Lênin e dos comunistas. Em março nasceu a República Russa. Podia ter dado certo mas, tendo tudo para dar errado, durou oito meses. Em outubro nasceu o que parecia ser uma aventura, sem a menor possibilidade de dar certo. Durou 74 anos.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Arquipélago Gulag

Uma História do Gulag

Diálogo em um Gulag quando da chegada de um novo preso:

-  Quantos anos você pegou?
                                     - Dez anos...
                                     - Por que?
                                     - Por nada...
             - Não é possível! Por nada as pessoas pegam 12 anos!

O GULAG (“Glavenoe Uporavlenie Lagerei”, Administração Central dos Campos) consistia em uma vasta rede de campos de trabalhos forçados que se espalhavam por todo o comprimento e toda a largura da ex-União Soviética, das ilhas do Mar Branco às costas do Mar Negro, do Círculo Ártico às planícies da Ásia Central, de Murmansk a Vorkuta e ao Cazaquistão, do centro de Moscou à periferia de Leningrado.

GULAG, com o tempo, passou a indicar também o próprio sistema soviético de trabalho escravo, em todas as suas formas e variedades: campos de trabalhos forçados, campos punitivos, campos criminais e políticos, campos femininos, campos infantis, campos de trânsito. Ou seja, todo o sistema repressivo soviético, o conjunto de procedimentos que os presos outrora denominaram como “o moedor de carne”: as prisões, os interrogatórios, o traslado em vagões de gado sem aquecimento, o trabalho forçado, a destruição de famílias, os anos de degredo e as mortes prematuras e desnecessárias.

O GULAG já existia na Rússia czarista, nas turmas de trabalho forçado que operaram na Sibéria desde o século XVII até o início do século XX. Entretanto, quase imediatamente após a Revolução de Outubro, ele assumiu sua forma moderna e mais familiar tornando-se parte integral do sistema soviético. O terror em massa contra oponentes reais ou pretensos fez parte da Revolução desde o começo. No verão de 1918, Lênin já exigira que “elementos indignos de confiança” fossem encarcerados em campos de concentração fora das cidades principais. Em 1921 já existiam 84 campos de concentração em 43 províncias, a maioria destinada a “reabilitar” esses primeiros inimigos do povo.

A partir de 1929, os campos adquiriram nova importância. Naquele ano, Stalin resolveu utilizar o trabalho forçado tanto para acelerar a industrialização da URSS quanto para explorar os recursos naturais do extremo norte, quase inabitável, do país. Também naquele ano, a polícia secreta soviética (a CHECKA), passou a assumir o controle do sistema penal, lentamente arrebatando ao Judiciário todos os campos e prisões. Com o impulso das prisões em massa de 1937 e 1938, os campos entraram num período de rápida expansão. No final da década de 1930, podiam ser encontrados em cada um dos doze fusos horários da URSS.

Ao contrário do que se imagina, o GULAG não parou de crescer no final dos anos 30. Ao invés disso, continuou a expandir-se durante toda a II Guerra Mundial e a década de 1940, atingindo seu apogeu no início dos anos 50. Nessa época os GULAG desempenhavam um papel crucial na economia soviética. Produziam um terço do ouro do país, boa parte do seu carvão e madeira e muito de quase tudo o mais. No decorrer da existência da URSS, surgiram pelo menos 476 complexos distintos de campos, consistindo em milhares de campos individuais, cada um deles tendo de algumas centenas a milhares de pessoas. Os presos trabalhavam em todas as atividades imagináveis – derrubada e cortes de árvores, transporte dessa madeira, mineração, construção civil, manufatura, agropecuária, projetos de aviões e peças de artilharia – e, na realidade, viviam em um Estado dentro do Estado, quase numa civilização em separado. 

O GULAG tinha suas próprias leis, seus próprios costumes, sua própria moralidade, e até sua própria gíria. Gerou sua própria literatura, seus próprios vilões, seus heróis, e deixou sua marca em todos os que passaram por ele, fossem como presos, fossem como guardas. Anos depois de libertados, os habitantes do GULAG muitas vezes eram capazes de reconhecer ex-condenados na rua, simplesmente “pelo olhar”. 

O número total de prisioneiros nos campos costumava girar em torno de 2 milhões, mas o número total de cidadãos soviéticos que tiveram alguma vivência dos campos, na condição de presos políticos, é muito maior. De 1919, quando o GULAG iniciou sua maior expansão, a 1953, quando morreu Stalin, as melhores estimativas indicam que cerca de 18 milhões de pessoas passaram por esse infame sistema.  Como sistema de trabalho em massa que envolveu milhões de pessoas, os campos desapareceram com a morte de Stalin. Dias após a sua morte seus sucessores começaram a desmantelá-los. 

No entanto, não desapareceram por completo. Em vez disso, eles evoluíram. Durante toda a década de 1970 e começo da década de 1980, alguns foram reformulados e usados como cárcere para uma nova geração de ativistas democráticos, de nacionalistas anti-soviéticos e de criminosos. Mesmo nos anos 80, o presidente norte-americano Ronald Reagan, e seu equivalente soviético, Mikhail Gorbachev, ainda discutiam a existência dos campos da URSS. Gorbachev – ele próprio neto de prisioneiros do GULAG só começaria a dissolver definitivamente os campos em 1987. 

Embora tenham durado tanto quanto a URSS e milhões de pessoas tenham passado por eles, a verdadeira história dos campos de concentração da União Soviética não era de modo algum bem conhecida até recentemente. Mesmo os fatos concisos até aqui relacionados, embora familiares à maioria dos estudiosos ocidentais da história soviética, não penetraram na consciência popular ocidental. “O conhecimento humano”, escreveu Pierre Rigoulot, historiador francês do comunismo, “não se acumula como tijolos de uma parede, que se eleva gradualmente, acompanhando o trabalho do pedreiro. Seu desenvolvimento, mas também sua estagnação ou recuo, depende da estrutura social, cultural e política” (Rigoulot, “Les Paupieres Lourdes”). 

Poder-se-ia dizer que, até agora, não existia a estrutura social, cultural e política para o conhecimento do GULAG. Suas localizações eram um segredo, mas o medo que despertava era bem conhecido por russos, lituanos, poloneses, armênios e tantos outros que viveram sob a influência da ex-União Soviética.  

Os campos de concentração do GULAG surgiram antes mesmo de seus infames contrapartes nazistas, como Auschwitz, Sobibor, Buchenwald e Treblinka, mas só agora, após o colapso do comunismo, a história desse sistema de repressão e punição que aterrorizou milhões, veio à luz com toda a sua força. Embora a existência desses campos já fosse conhecida no Ocidente, graças a clássicos como “Um Dia na Vida de Ivan Denisovitch” e “Arquipélago Gulag”, do dissidente Alexander Soljenitsin, aqueles que desejarem conhecer um retrato completo e acurado de um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade, deverão ler as 749 páginas do livro de Anne Applebaum “Gulag – Uma História dos Campos de Prisioneiros Soviéticos”, editora Ediouro, 2004, de onde foram extraídos os dados acima.

Segundo diversos autores, o regime soviético sob a direção de todos os grandes timoneiros não tem precedentes em toda a História, pois não se assemelha a nada que jamais tenha existido. Nunca um Estado teve como objetivo matar, deportar ou reduzir à servidão os seus cidadãos e nunca um partido substituiu tão completamente um Estado. Nunca uma ditadura teve um poder tão grande em nome de uma mentira tão completa e, contudo, tão poderosa e tão perfeita sobre as mentes, que fazia com que os que a temiam, ao mesmo tempo saudassem seus fundamentos. [a idéia central, básica e total dos comunistas brasileiros, tanto os de 35, quanto os de 64 e os de agora sempre foi, é e sempre será a de suplantar o regime soviético - especialmente em autoritarismo, crueldade e desumanidade.

O poder que o PT busca supera em crueldade, autoritarismo e capacidade de corrupção todo o obtido pela NOMENKLATURA soviética.
Mas, sempre serão derrotados.]

O socialismo real cometeu uma agressão sem precedentes à civilização. Todavia, o Nuremberg dos bolcheviques não ocorreu e provavelmente jamais ocorrerá, pois as instituições jurídicas criadas pelo socialismo real que, em parte, ainda permanecem vigentes, foram de tal forma corrompidas a ponto de não permitirem iniciativas nesse sentido. E, como não existe um vencedor oficial do socialismo real, não houve e nem deverá haver um julgamento formal de seus crimes contra a Humanidade. Cabe, também, duvidar que o julgamento da História, consolo das vítimas, faça, algum dia, justiça aos milhões de sacrificados no Arquipélago Gulag.



Por: Carlos I. S. Azambuja é Historiador - Publicado originalmente no Blog Alerta Total - Jorge Serrão