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quarta-feira, 27 de julho de 2022

O que a Rússia ganha no acordo de cereais com a Ucrânia? - VOZES

Filipe Figueiredo

Uma foto tirada durante uma visita organizada pelos militares russos mostra trabalhadores locais secando trigo em uma fazenda agrícola no distrito de Starobilsk, região de Luhansk, Ucrânia, 12 de julho de 2022| Foto: EFE/EPA/SERGEI ILNITSKY


Na última sexta-feira, dia 22, Rússia e Ucrânia assinaram um acordo que potencialmente desbloqueará as exportações de cereais pelo Mar Negro. O acordo foi assinado em Istambul, maior cidade da Turquia, país que mais tem desempenhado um papel de mediador no conflito, e a Organização das Nações Unidas também participou das conversas que resultaram no acordo. O que o texto determina e, principalmente, quais os interesses por trás dele?

Na mais recente coluna aqui em nosso espaço, mencionamos que era hora de revisitar a coluna sobre petróleo e gás natural escrita no início da guerra. Agora é hora de fazer o mesmo sobre a produção e trânsito de cereais no Mar Negro. A assinatura do acordo foi feita pelo ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, por seu homólogo turco, Hulusi Akar, e pelo ministro de Infraestrutura da Ucrânia, Oleksandr Kubrakov. Estavam presentes o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente da Turquia, Recep Erdogan.

Os ministros da Rússia e da Ucrânia não se cumprimentaram, nem sentaram próximos. Como de se esperar, convenhamos. Também deixaram claros que era um acordo pontual, que não significa uma trégua maior ou parte de uma negociação para o fim do conflito. Inclusive, juridicamente falando, tratam-se de dois acordos triangulares e idênticos. Ambos incluem a Turquia e a ONU, mas um envolve a Rússia e o outro envolve a Ucrânia. Os dois países em guerra não assinaram um mesmo documento.

Veja Também: Ucrânia e Rússia criam corredor marítimo para exportação de grãos

Acordo
Os termos do acordo valerão por 120 dias, podendo ser renovados. Ele estabelece a abertura de três portos, incluindo o de Odessa, o maior porto sob controle ucraniano. Dos portos, os navios civis de transporte de cereais viajarão por corredores de navegação determinados. Esses corredores permitirão que os navios transitem em águas seguras, sem o risco de minas, amplamente utilizadas no conflito. Os navios seguirão viagem até a Turquia, onde vão desembarcar suas cargas.

Na Turquia, os navios serão inspecionados por equipes neutras, uma exigência russa para evitar que os navios sejam usados para o transporte de materiais bélicos na viagem de volta, já que a Turquia é um país da OTAN e que também forneceu materiais bélicos para a Ucrânia, como veículos aéreos não tripulados, o popular drone. A meta do acordo é que até cinco milhões de toneladas de cereais, como trigo, sejam exportados por mês. Segundo o governo ucraniano, até dez bilhões de dólares podem ser arrecadados no curto prazo, com a exportação de grãos em estoque.

A meta citada, importante frisar, envolve todos os cereais comercializados pela Ucrânia, não apenas trigo. Antes da guerra, transitavam pelo Mar Negro mais de setenta milhões de toneladas de trigo, mais de 10% de toda a produção mundial do cereal. Ou seja, o acordo pode diminuir os impactos da guerra no mercado mundial de alimentos, mas não vai retornar ao mundo pré-guerra. Isso seria uma ilusão, considerando também que alguns portos ainda estão bloqueados ou ocupados e que parte da produção foi destruída ou prejudicada pelos combates.

O acordo possui um significado amplo e multilateral, além dos significados para cada um de seus atores.  
Para o mundo, o acordo significa a normalização do atual conflito, o fim das posturas que acreditavam em um possível fim rápido ou que as negociações de paz eram promissoras. 
O fato agora é que o mundo terá que conviver com essa guerra por mais algum tempo, sejam meses ou, quiçá, anos. 
Essa convivência implica no gerenciamento da guerra e de seus impactos, como justamente o suprimento de cereais no mundo.

Ganhos
Pensando nos atores do acordo, o que a Ucrânia ganha é óbvio. Uma urgente válvula de escape para exportar sua produção agrícola, parte importante de sua economia e de sua balança comercial, garantindo a entrada de capitais necessários tanto para a guerra quanto para a reconstrução do país. Também existe o ganho de imagem, de país importante para o comércio mundial, e de resiliência, de que a defesa ucraniana conquistou não apenas tempo, mas também o direito do país de retomar suas exportações agrícolas.

A Turquia ganha como potência regional e principal mediadora do conflito,
um país que equilibra suas relações com a Rússia, um grande parceiro econômico, fornecedor de armamentos e de tecnologia e, ao mesmo tempo, um rival, tanto histórico quanto atual. Turquia e Rússia estão em lados opostos em  conflitos no Cáucaso e na Síria. Também possui boas relações com a Ucrânia, fornecendo armamentos e apoio econômico. Além disso, a movimentação nos portos turcos é bem-vinda.

A ONU ganha com o acordo aparecendo não só como mediadora, mas como representante das necessidades dos países mais vulneráveis ao conflito, afetados com o fantasma da escassez alimentar, pela África e pela Ásia Central. Dentro da lógica citada, de gerenciamento do conflito, a ONU torna-se gerente das crises indiretamente causadas pela guerra. Finalmente, e a Rússia? O que o país ganha em fazer o que é, em concretude, uma concessão aos ucranianos?

Rússia
O bloqueio das exportações ucranianas, para a Rússia, antes de ser um problema global, era uma arma, uma ferramenta na guerra, uma maneira de sufocar a economia de seu inimigo e pressionar a comunidade internacional a diminuir as sanções contra a economia da própria Rússia. A Rússia não ganha, mas mantém influência e aliados em algumas de suas relações que começavam a sofrer um processo de erosão, especialmente nas regiões afetadas pela escassez de alimentos.

Na Ásia Central, no Oriente Médio e na África, governos já começavam a expressar seu descontentamento com a Rússia em relação ao assunto, e Moscou, também grande produtora e exportadora de cereais, se desdobrava para poder atender aos seus aliados. Não é à toa que Sergei Lavrov, ministro de Relações Exteriores da Rússia, iniciou uma viagem pela África depois da assinatura do acordo. Egito, República Democrática do Congo, Uganda e Etiópia estão no itinerário.

Desses países, Egito e Etiópia são importadores de trigo, especialmente da Ucrânia e da Rússia. Além disso, na Etiópia, cuja capital é o local da sede da União Africana, Lavrov vai se encontrar com diversos outros embaixadores africanos. Como maneira de equilibrar o jogo, Washington enviou seu diplomata especial para o Chifre da África, Mike Hammer, para o Egito e a Etiópia. É nessas arenas, na África e na Ásia, que a Rússia buscará colher os eventuais ganhos do acordo realizado.

Filipe Figueiredo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


terça-feira, 10 de maio de 2022

Zelensky pede fim de bloqueio portuário para evitar crise alimentar global

Importante fonte de trigo e milho, Ucrânia é conhecida como 'celeiro da Europa' e exporta para países do Oriente Médio e Norte da África

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, fez um apelo à comunidade internacional por medidas imediatas para acabar com o bloqueio da Rússia aos portos da Ucrânia, um dos maiores produtores de trigo no mundo. O líder ucraniano alertou que os ataques russos à região portuária de Odessa, atingida por mísseis na segunda-feira, 9, afetam as exportações de grãos e podem gerar uma crise alimentar global. “Pela primeira vez em décadas não há movimento normal da frota mercante, nenhum porto está funcionando normalmente em Odessa”, disse Zelensky nesta terça-feira, afirmando que a crise na região portuária da Ucrânia é a pior desde a Segunda Guerra Mundial.

As declarações do presidente ocorrem um dia após mísseis russos atingirem um shopping center e um depósito nos arredores do porto do Mar Negro, uma das principais portas de entrada da Ucrânia para o mundo. De acordo com as Forças Armadas ucranianas, uma pessoa morreu e cinco ficaram feridas durante o ataque.

O incidente interrompeu uma reunião entre Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, e o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, forçando-os a entrar em um abrigo antiaéreo. Michel disse ao The Guardian que viu armazéns cheios de grãos, trigo e milho impossibilitados de exportar. “Este alimento tão necessário está retido por causa da guerra russa e do bloqueio dos portos do Mar Negro, causando consequências dramáticas para os países vulneráveis”, disse ele. A autoridade da União Europeia acrescentou que é necessária uma “resposta global” aos ataques. [comentando: a leitura da presente matéria deixa a impressão que o ex-comediante que o povo ucraniano escolheu para presidir seu país, considera uma guerra uma comédia, uma brincadeira de faz de conta.
É necessário que aquele senhor entenda que GUERRA é GUERRA. 
Óbvio que por razões humanitárias algumas práticas são terminantemente proibidasensejando sérias punições aos que a praticam; destacamos, sem intenção de limitar:  - ataques a mulheres, crianças, idosos, asilos e orfanatos, escolas, hospitais, atos cruéis sejam contra a população civil ou militares prisioneiros, uso de determinadas armas.
Fora tais restrições o direito de ataque às instalações militares, aeroportos e portos, pontes, bloqueio naval, aéreo, terrestre, ataques a indústrias, restrições à livre circulação de mercadoria, tudo é válido. 
Esta longa introdução é para mostrar que o senhor Zelenski continua promovendo uma guerra na qual seu objetivo é que outros combatam pela Ucrânia.  
Uma das suas mais recentes artimanhas é apelar à comunidade internacional por medidas imediatas para acabar com o bloqueio da Rússia aos portos da Ucrânia.  Que o senhor Zelenski entende por uma guerra??? O bravo povo da Ucrânia morrendo e o seu presidente fazendo discursos virtuais em parlamentos? ]

Ucrânia é conhecida como o “celeiro da Europa” e é uma importante fonte de trigo e milho especialmente para países do Oriente Médio e Norte da África, que dependem de importações. A provável quebra da colheita neste ano pode ter grandes repercussões, diminuindo a oferta e elevando os preços de produtos agrícolas importantes. Segundo o Banco Mundial, a guerra causará o maior choque das commodities em 50 anos. “Sem nossas exportações agrícolas, dezenas de países em diferentes partes do mundo já estão à beira da escassez de alimentos. E com o tempo, a situação pode se tornar absolutamente terrível”, alertou Zelensky.

O chefe de Estado ucraniano apontou que o risco de uma crise alimentar global é uma consequência direta da agressão russa e, portanto, a situação só poderia ser superada com uma ação conjunta de todos os países europeus. Diversas partes da cidade portuária de Odessa, ponto crucial da economia ucraniana, vem sofrendo a ofensiva da Rússia. No final de abril, mais de quarenta pessoas morreram em um incêndio de uma sede sindical da cidade. Informações do Ministério do Interior da região indicaram que o incidente foi provocado por um confronto entre separatistas pró-Rússia entrincheirados dentro do prédio e grupos pró-Kiev.

O aeroporto de Odessa também foi alvo de mísseis no dia 30 de abril. O ataque gerou estragos na pista de pouso e decolagem.  A cidade de Odessa, localizada no sul do país, é a quarta maior da Ucrânia e era uma das poucas afetadas pela guerra. Contudo, nas últimas semanas, a área no sul do país virou alvo dos russos por ser considerada estratégica para o avanço das tropas para a Transnístria, região separatista pró-Rússia na Moldávia.

Em março, o presidente da Ucrânia apontou planos de Putin para atacar a cidade, que abriga cerca de um milhão de pessoas. “Estão se preparando para bombardear Odessa. Será um crime militar. Será um crime histórico”, especulou Zelensky na ocasião. A tomada de Odessa por Vladimir Putin seria um passo decisivo ao controle total do sul ucraniano por Moscou, inviabilizando o acesso do governo de Kiev ao Mar Negro.

 Mundo - Revista VEJA


quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

O centenário da Rússia de 1917

Em 2017 o episódio a respeito do qual construíram-se tantas lendas heroicas merece um olhar mais equilibrado

Em outubro de 1917, os bolcheviques (maioria, em russo) lideraram uma revolução, invadiram o palácio do czar, subiram pelas escadarias  e derrubaram séculos de absolutismo, instalando um governo de operários e camponeses.
Tudo mentira. Os bolcheviques não eram maioria, o czar não morava no palácio de inverno (ele abdicara em março e estava preso a quilômetros de distância). Em outubro de 1917 não havia mais monarquia, e a Rússia era uma república mambembe. Os poucos revoltosos entraram no palácio por janelas laterais, e o prédio não estava guarnecido por tropa capaz de defendê-lo. A cena da tomada do palácio, com uma heroica multidão subindo sua escadaria foi um invenção do cineasta Sergei Eisenstein. Ele teve a ajuda de cinco mil figurantes, e a filmagem, em 1928, causou mais danos ao palácio que a sua tomada em 1917. (A grandiosidade de Eisenstein fez com que suas cenografias engolissem a realidade. O massacre da escadaria de Odessa, do “Encouraçado Potemkin”, também não aconteceu.) 

Multidão no palácio só houve no dia seguinte, quando saquearam, e beberam, a adega real.  O ano do centenário da Revolução de 1917 será boa oportunidade para que os acontecimentos daquele ano sejam revisitados, com menos influência da propaganda. As revoluções foram duas; a primeira deu-se em fevereiro, em Petrogrado (depois Leningrado, hoje São Petersburgo). Nela misturaram-se as ansiedades de uma guerra na qual 1,5 milhão de soldados já haviam desertado, um inverno brabo que afetou o abastecimento, mais uma onda de greves e protestos. Contra essa revolta, estava Nicolau II, um autocrata medíocre metido numa corte de intrigantes. (O monge Rasputin, guru e marqueteiro da família real, havia sido assassinado em dezembro.)

No dia de hoje, há cem anos, Petrogrado parecia em paz. Estava na Rússia o príncipe herdeiro Carol da Rumânia, e a czarina Alexandra aproveitara um jantar em sua homenagem para apresentar à nobreza sua filha de 17 anos, a grã-duquesa Maria. Lênin estava em Zurique e admitia que a revolução poderia ficar para a próxima geração. (Outro hóspede da cidade era o escritor James Joyce.) Trotski estava encantando socialistas em Nova York. Stalin estava exilado no Círculo Ártico. Ele só pensava na revolução, mas nos próximos meses teria um problema: nasceria o filho de sua namorada adolescente. (Alexandre morreu em 1987. Seu filho, a quem revelara a identidade do avô, comprovou-a com um teste de DNA.)

Quando Petrogrado estava com as ruas tomadas, a czarina Alexandra acreditava que, com alguns dias de frio, as pessoas voltariam para casa, e um dos líderes bolcheviques na cidade duvidava do futuro da revolta. Ele achava que a coisa se acalmaria se os trabalhadores recebessem algum pão.  Pode-se discutir até onde a revolução de Petrogrado foi um movimento operário ou derivou de um motim da soldadesca. Como a efeméride será lembrada até o fim do ano, seria injusto que tudo parecesse ter começado com o golpe de outubro de Lênin e dos comunistas. Em março nasceu a República Russa. Podia ter dado certo mas, tendo tudo para dar errado, durou oito meses. Em outubro nasceu o que parecia ser uma aventura, sem a menor possibilidade de dar certo. Durou 74 anos.

Fonte: O Globo - Elio Gaspari, jornalista