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domingo, 28 de janeiro de 2024

O rancor dos velhos pecadores - Augusto Nunes

Revista Oeste

Criminosos perdoados em 1979 só anistiam companheiros de seita

 Ato pela anistia de presos políticos, na Praça da Sé, em São Paulo, em 1979, e manifestação pela democracia e contra o ataque bolsonarista com a mensagem "sem anistia", na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2023 | Foto: Montagem Revista Oeste/Ennco Beanns/Arquivo Público do Estado de São Paulo/Shutterstock 
 
A anistia de 1979 impede que Franklin Martins se queixe da vida
Hoje com 75 anos de idade, ele foi preso em 12 de outubro de 1968, na abertura do Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, e libertado 60 dias depois, na véspera da decretação do Ato Institucional nº 5. É pouco tempo de gaiola para tão extensa ficha criminosa. 
Capixaba criado no Rio de Janeiro, Franklin juntou-se à extrema esquerda ainda na adolescência. Presidente da União Metropolitana dos Estudantes, já defendia a troca da ditadura militar pela ditadura do proletariado. 
Filiado ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8, um dos grupos comunistas convencidos de que poderia derrubar o governo à bala, participou de um punhado de ações criminosas antes de articular, em parceria com a Ação Libertadora Nacional (ALN), o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. 
 
Num documentário sobre o episódio que assombrou o país de 4 a 7 de setembro de 1969, Franklin confirma, com a placidez de quem acabou de comungar, que estava pronto para o papel de carrasco. “Sempre entendi que, se não fôssemos atendidos, Elbrick seria executado”, admite sem vestígios de remorso. Como a junta militar que governava provisoriamente o país aceitou embarcar rumo ao México o grupo de 15 extremistas que incluía líderes estudantis presos um ano antes, o carcereiro foi dispensado de matar o refém. 
Retomou a vida clandestina até concluir que seria menos perigoso expor em outras paragens seus quase 2 metros de altura. Morou no México, fez uma escala no Chile e estava em Cuba quando a anistia encerrou o banimento imposto a envolvidos em sequestros de embaixadores. 
Capixaba criado no Rio de Janeiro, Franklin juntou-se à extrema esquerda ainda na adolescência | Foto: Juca Varella/Instituto Lula
Com pouco mais de 30 anos, Franklin teve tempo para ganhar notoriedade como jornalista da Globo, infiltrar-se no alto comando do PT, tornar-se ministro das Comunicações no segundo governo Lula e fazer o diabo na luta pela adoção do “controle social da mídia”, outro codinome da censura à imprensa. Agora semiaposentado, trocou a discurseira agressiva por lições enunciadas com voz de avô que tudo vê e tudo sabe. Ultimamente, anda ensinando que as depredações ocorridas em Brasília no 8 de janeiro escancararam uma tentativa de golpe de Estado — e que lugar de golpista é na cadeia. Portanto, é preciso apoiar a palavra de ordem deste estranho verão:SEM ANISTIA”. 
Isso é coisa para a turma que recorreu à luta armada para chegar ao paraíso socialista sem perder tempo com escalas na detestável democracia burguesa.
 
Muito mais grave é a tentativa de golpe abastecida por vendedores de algodão-doce, concorda José Dirceu, uma das 15 moedas de troca incluídas na barganha que livrou da morte o embaixador Elbrick. 
Presidente da União Estadual dos Estudantes, pai da ideia de realizar em Ibiúna o Congresso da UNE que destruiu a entidade, Dirceu voltou secretamente do exílio em 1973, com o nariz redesenhado por um bisturi, o codinome Daniel, um fuzil numa das mãos e, na outra, o diploma de guerrilheiro formado em Cuba. 
Viu que a coisa estava feia, deixou para mais tarde a hegemonia proletária, mudou de identidade, apareceu na paranaense Cruzeiro do Oeste fantasiado de pecuarista, casou-se com a dona da mais próspera butique da cidade e não revelou quem era, mesmo depois do nascimento de um filho.
 
O guerrilheiro que só disparou balas de festim teria envelhecido por lá se a anistia de 1979 não o livrasse do medo, do casamento e da rotina tediosa. Com o nariz restaurado, desembarcou em São Paulo a tempo de participar da fundação do PT, eleger-se deputado, presidir o partido, comandar em 2002 a vitoriosa campanha de Lula, tornar-se o mais poderoso dos ministros e usar a faixa de capitão do time do presidente. 
Por pouco tempo: o envolvimento em sucessivos escândalos custou-lhe a perda do gabinete no Planalto, do mandato parlamentar e da pose de comandante em combate. 
Aos 77 anos, liberado pelo Supremo Tribunal Federal de mais sessões de fotos de frente e de perfil, desfruta da vida mansa que garantiu ao exercer o ofício de facilitador de negócios suspeitíssimos
Sobra-lhe tempo para desfraldar, em palavrórios publicados por um site companheiro, a bandeira com a inscrição “SEM ANISTIA”.
José Dirceu do século passado não tinha nenhum respeito por adversários | Foto: Reprodução/Redes Sociais
“O que a sociedade quer saber”, comunicou Dirceu no artigo de estreia, “é se todos os implicados nesse crime de traição à Constituição e à democracia em nosso país, sejam eles civis ou militares, populares ou empresários, responsáveis pelas redes sociais, políticos ou não, vão ter as penas que merecem. Só teremos as respostas com a conclusão dos inquéritos e processos conduzidos legitimamente pelo ministro Alexandre de Moraes”
O José Dirceu do século passado não tinha nenhum respeito por adversários.
Num comício em São Paulo, afirmou que o governador Mário Covas e seus partidários mereciam “apanhar nas urnas e nas ruas”
A versão 2024 é menos belicosa: “O resultado das eleições deve ser respeitado”, anda recitando. 
 
As reações do Partido dos Trabalhadores aos resultados das eleições presidenciais sugerem que a recomendação do guerreiro do povo brasileiro seja endereçada à sigla que abrigou toda a turma que a anistia de 1979 resgatou da cadeia, do exílio ou da clandestinidade. A intolerância rancorosa sempre foi a mais notável marca de nascença da seita que tem em Lula o seu único deus. 
Derrotados, os devotos nem esperam a posse do adversário para tentar despejá-lo do cargo.
Em 1989, 1994 e 1998, gritaram Fora, Collor!, Fora, Itamar! e Fora FHC!. Em 2016 e 2018, berraram Fora, Temer! e Fora, Bolsonaro! 
É verdade que poucos partidos sabem perder uma eleição com elegância. Mas o histórico das disputas escancara um segundo e ainda mais espantoso defeito de fabricação: além de não saber perder, o PT também não sabe ganhar.
 
Em vez de comemorar o próprio triunfo, o petista-raiz festeja a derrota do inimigo. 
Em vez de celebrar a vitória dos seus candidatos, arma a carranca e sai por aí à caça de vencidos a espezinhar. 
Transformado num viveiro de ressentidos sem cura, o ajuntamento esquerdista não consegue ser feliz. 
Para gente assim, algum inimigo é o culpado por todos os problemas passados, presentes e futuros. Em 2003, por exemplo, Lula assumiu a Presidência grávido de ressentimento com Fernando Henrique Cardoso, que lhe impusera duas goleadas sucessivas ainda no primeiro turno. Só por isso fingiu não enxergar as transformações modernizadoras embutidas no legado que lhe caíra no colo. 
O Plano Real, por exemplo, havia enjaulado a inflação selvagem. 
O processo de privatização já exibia sua musculatura modernizadora e fixara-se um limite para a gastança. 
Pois foi só FHC descer a rampa do Planalto para que Lula começasse a recitar a lengalenga da “herança maldita”.
A freguesia da “bolsa ditadura”, formada majoritariamente por anistiados de 1979, é engrossada pela ala da “anistia reflexo”, composta de parentes de supostos perseguidos.

E inclui o bloco que conseguiu a Declaração de Anistia, documento que isenta o portador de pagar o Imposto de Renda pelo resto da vida
O culpado da vez é Jair Bolsonaro. Foi ele o responsável no Brasil pelas mortes causadas em outros países por um vírus chinês.  
Foi Bolsonaro quem ressuscitou a pobreza extinta por Lula e a miséria erradicada por Dilma. 
Foi ele quem mandou matar Marielle Franco (e convém verificar se não estava em Santo André quando Celso Daniel foi assassinado)
Foi ele quem tentou exterminar os ianomâmis. 
Evidentemente, foi Bolsonaro quem chefiou a tentativa de golpe de Estado ocorrida em Brasília em 8 de janeiro de 2023. 
Era previsível que o ex-presidiário que prometeu ao menos abrandar o clima de polarização política se engajasse com entusiasmo na campanha contra a decretação de uma anistia que encerraria o drama vivido por mais de mil brasileiros que não votaram no candidato do PT. 
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Segundo o PT, Jair Bolsonaro é o culpado da vez | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em 1979, o regime militar liquidara a oposição armada, mas o estado de direito era ainda um brilho nos olhos dos democratas. O AI-5 fora revogado no fim do ano anterior, mas os governadores haviam sido indicados pelo governo federal, e só dez anos mais tarde o presidente da República voltaria a ser eleito pelo voto direto. 
Ainda assim, a anistia foi um avanço e tanto. 
Centenas de exilados foram festivamente recebidos no Aeroporto do Galeão, a libertação dos 53 condenados pela Justiça Militar esvaziou as celas antes atulhadas de sobreviventes da luta armada, as tensões se abrandaram imediatamente. 
Só continuaram zangados os militantes que em 1980 se reagrupariam no PT — e zangados continuariam por quatro motivos. 
 
Primeiro: embora nenhum dos grupos extremistas tenha atraído mais de cem militantes, todos se julgavam representantes de todos os brasileiros. Segundo: um soldado do povo não comete crimes, pratica ações revolucionárias; não mata seres humanos, executa inimigos dos explorados; não assalta bancos, expropria ícones do capitalismo selvagem. Terceiro: anistia só deve valer para quem contempla o mundo apenas com o olho esquerdo. 
Quarto: faltava a indenização. Os perdoados que não perdoam deram-se por satisfeitos com a criação da Comissão de Anistia, o mais generoso e complicado monstrengo administrativo inventado desde 1500. 
Criada em 2002 para consolar com indenizações e mesadas vítimas de perseguições políticas ocorridas entre 1946 e 1988, ninguém sabe direito onde fica a comissão, quem a dirige, quantos são os clientes, qual é o tamanho da gastança e quais são os critérios que regulam as enxurradas de reais.
 
 A freguesia da “bolsa ditadura”, formada majoritariamente por anistiados de 1979, é engrossada pela ala da “anistia reflexo”, composta de parentes de supostos perseguidos. 
E inclui o bloco que conseguiu a Declaração de Anistia, documento que isenta o portador de pagar o Imposto de Renda pelo resto da vida. 
Os requerimentos (mais de mil por mês) são julgados pelos integrantes do Conselho da Comissão de Anistia, subordinado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. 
O Orçamento de 2024 destinou cerca de R$ 180 milhões à comissão. 
Nos últimos 20 anos, saíram por esse ralo quase R$ 7 bilhões.  
O ranking dos milionários é liderado pelo jornalista Paulo Cannabrava Filho, que ingressou no clube dos indenizados em 3 de agosto de 2008. Segundo a Gazeta do Povo, até 2019 o campeão havia recebido R$ 4,7 milhões a título de indenização, fora os pagamentos mensais de valor ignorado pelos brasileiros que bancam a farra.  
No blog em que segue combatendo os inimigos da democracia e defendendo os amigos dos pobres do Brasil, Cannabrava afirma que os presos do 8 de janeiro não são apenas golpistas. 
São também terroristas. Devem, portanto, ser duramente punidos. 
Que sobrevivam na cadeia ou atrelados a tornozeleiras. 
Com ou sem julgamento. Sem provas de culpa. Sem anistia. E, claro, sem indenizações.
 
Ao saber que o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro o incluíra numa lista de candidatos a indenizações, Millôr Fernandes exigiu a retirada do seu nome e desmoralizou a malandragem: “Pensei que era ideologia. Era investimento”. A mobilização dos perdoados incapazes de perdoar cabe em outra lição de Millôr: “Ditadura é quando você manda em mim. Democracia é quando eu mando em você”
Como ensinou o grande pensador, “democracia é torcer pelo Vasco na torcida do Flamengo”
Os que berram “sem anistia” sonham com um Brasil de torcida única e um time só. Qual seria? 
O apontado pelo consórcio que junta o Supremo Tribunal Federal, o atual governo e a imprensa velha.
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste
 
 Com reportagens de Anderson ScardoelliCristyan Costa.

Leia também “Nem Churchill escapou”

 

 

 


segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Dúvida do PSDB: como sobreviver à derrota e a Bolsonaro?

Depois de se debater entre três líderes, o partido pode não ter nenhum


Entre os mortos e feridos das eleições de 2018, não se salvam todos. Uma das vítimas mais atingida é o PSDB, que não só perdeu a Presidência e agora a vaga no segundo turno das eleições como sai da eleição profundamente derrotado e com uma dúvida atroz: tem ou não condições de sobreviver?  Depois de se debater entre três líderes, o partido pode não ter nenhum. José Serra saiu do Itamaraty, refugiou-se no Senado e, aos 76 anos, não tem mais horizonte eleitoral. Aécio Neves implodiu sua imagem e seu futuro com o áudio em que pedia R$ 2 milhões para o empresário Joesley Batista. Geraldo Alckmin leva o troféu de pior desempenho tucano numa eleição presidencial.

Fernando Henrique Cardoso, o grande nome e a maior referência do PSDB, tem 86 anos e funciona hoje mais como um consultor, quase um terapeuta para tucanos com os nervos à flor da pele. Muito acima do partido, tem disposição próxima de zero para reabilitar o PSDB que o levou à Presidência da República duas vezes, em 1994 e 1998.  Quem será, ou quem seria, um líder emergente capaz de providenciar uma tábua de salvação para o PSDB? Se o ex-prefeito de São Paulo João Doria pensou algum dia em ocupar esse espaço, pode tirar o cavalinho da chuva, depois de tentar solapar a candidatura do padrinho Alckmin, sair prematuramente da principal prefeitura do País e pular no barco Bolsonaro antes da hora.

Bolsonaro, aliás, pode ser considerado duplamente algoz do PSDB. Foi para ele que os votos tucanos voaram, primeiro do Sul e do Centro-Oeste, depois do País todo. E é em torno dele que o partido vive as dores, não do crescimento, mas do envelhecimento. Ainda no primeiro turno, tucanos já discutiam, ardorosamente, quem apoiar no segundo: Bolsonaro ou o petista Fernando Haddad, o novo ou o velho adversários de sempre? Ou seria melhor a “neutralidade”?

Não havia, como não há, uma resposta para essa dúvida existencial dos tucanos, que se arrastam em círculos e conscientes de que o partido não caminhará unido nem para um lado nem para o outro. Será cada um por si, cada um seguindo sua ideologia, seu interesse, suas prioridades. Isso, convenhamos, não é coisa de partido, mas de aglomeração, em que cada um faz o que quer.  Criado em 1988, sob os ventos da redemocratização e da “Constituição Cidadã”, promulgada naquele ano, o PSDB reuniu os quadros considerados mais respeitáveis, preparados e reverenciados do País: o próprio Fernando Henrique, que seria o primeiro e único presidente do partido; Mário Covas, que disputou, e perdeu, a primeira eleição direta após a ditadura militar; Franco Montoro, símbolo de ética e patrono dos principais tucanos; José Serra, economista e ex-presidente da UNE; José Richa e Euclides Scalco, do Paraná; Pimenta da Veiga, de Minas; Sérgio Motta, o “trator”, o que transformava as formulações intelectuais em práticas, seja do partido, seja do governo FHC.

Alguns morreram, outros morreram politicamente, e o PSDB nem soube enaltecer e tirar proveito eleitoral da herança bendita de Fernando Henrique, nem soube investir em novas lideranças que arejassem o partido e lhe garantissem um futuro. Aécio e Alckmin, mais novo do que os demais, não deram conta do recado.  É assim que o PSDB chega ao momento mais dramático da política sem saber para onde correr. Ou se vale a pena correr. De tanto se engalfinharem, ele e seu antagonista PT se enfraqueceram, se esvaziaram e são dois dos grandes responsáveis pelo “fenômeno Bolsonaro”. E pelo que virá.

Eliane Cantanhêde -  O Estado de S. Paulo


 

sábado, 6 de dezembro de 2014

Corrupção institucionalizada

O que todos supúnhamos está ganhando contornos de verdade: o esquema de corrupção nas licitações de obras públicas está espalhado por vários setores no país, e não se restringe apenas à Petrobras. 

Com conhecimento de causa, essa certeza já havia sido dada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que iniciou o processo de delação premiada nas investigações do escândalo que ficou conhecido como o petrolão. Em recente sessão da CPI mista do Congresso, Costa afirmou que o mesmo esquema de corrupção que existe na estatal se repete em todos os outros contratos públicos do país, incluindo ferrovias, portos, aeroportos, e demais obras.


O próprio juiz Sérgio Moro, do Paraná, responsável pelas investigações da Operação Lava Jato, disse ontem que as evidências já recolhidas indicam que o esquema de fraude em licitação "vai muito além" da Petrobras. Ele classificou de "perturbadora" uma tabela apreendida em março com o doleiro Alberto Youssef, que continha uma lista de cerca de 750 obras públicas de infra-estrutura. Ali, constavam "a entidade pública contratante, a proposta, o valor e o cliente do referido operador, sendo este sempre uma empreiteira", mostrando pelo menos o interesse do doleiro em prospectar novos negócios ilegais no mesmo setor em que já operava.


O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa confirmou no mesmo depoimento na CPI outro ponto importante que já se sabia pelas evidências: para ser indicado para diretoria de uma estatal, “em todos os governos, desde o governo Sarney, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma”, é preciso ter o apoio político. O interesse de políticos por indicações como “a diretoria que fura poço” ou pelo chefe da Receita Federal no aeroporto de Cumbica ou no Porto de Santos, ou pelo diretor da Transpetro sempre existiu, e a ilação mais generalizada na opinião pública é que ninguém se interessa por um cargo desses à toa, para fazer que o Porto de Santos ou a alfândega funcionem melhor.

 
E dá também para imaginar que os governantes aceitavam que políticos importantes exercessem influência em áreas estratégicas, como diretorias de estatais, fazendo vista grossa para suas reais intenções. Eram esquemas políticos de corrupção pontuais, mesmo tradicionais e que prejudicavam o andamento dos serviços públicos, subvertendo os valores que deveriam orientá-los. O desvio de licitações de obras públicas, e a formação de cartéis, sempre foram denunciados e vemos agora em São Paulo, graças à investigações de autoridades suíças, o desmembramento de um cartel que funcionava até recentemente nos governos do PSDB, desde Mario Covas.


Vários executivos de empresas estatais responsáveis pelos transportes públicos, sejam trens ou metrô, foram indiciados, inclusive os atuais presidente e o diretor de operações da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), Mário Bandeira e José Luiz Lavorente. Apesar de o esquema estar em vigor há muitos anos, não há até o momento nenhuma acusação de que o PSDB montou-o para financiar suas atividades políticas. [pode até haver participação de políticos do PSDB, mas, o PSDB, o partido político PSDB, ao contrário do corrupto PT, não se beneficiou do assalto aos cofres públicos.]

 
O assunto está sendo tratado como um esquema de corrupção tradicional, digamos assim, e o que se deve estranhar é que tenha funcionado durante tanto tempo sem que três governos tucanos nada notassem. Ao contrário, no petrolão (e já houve a comprovação disso no mensalão) há indicações de que esses esquemas passaram a ser institucionalizados, e o que era área de influência deste ou daquele político ou grupo político passou a obedecer a um esquema mais organizado de financiamento dos partidos políticos.


O Ministério Público Federal já baseava sua investigação na possibilidade de que parte do dinheiro cobrado por diretores da Petrobras para firmar contratos com empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato pudesse ter sido repassado a partidos políticos para financiar campanhas eleitorais. No documento que baseou as primeiras prisões de empreiteiros o MPF afirmava que as investigações da Polícia Federal apontam que as doações para campanhas são "mera estratégia de lavagem de capitais" e que o pagamento de propina teria sido utilizado pelas empreiteiras para "obtenção de vantagem indevida".

 
Esse esquema foi parcialmente confirmado pela delação premiada do executivo Mendonça Neto, da Toyo Setal, que revelou que dinheiro desviado de uma obra da Petrobras fora transformado em doação legal para o PT, por orientação do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, indicado pelo ex-ministro José Dirceu para o cargo.  A corrupção institucionalizada é um degrau acima na escala da degradação do Estado brasileiro.


Fonte: Coluna do Merval Pereira - O Globo