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domingo, 28 de janeiro de 2024

O rancor dos velhos pecadores - Augusto Nunes

Revista Oeste

Criminosos perdoados em 1979 só anistiam companheiros de seita

 Ato pela anistia de presos políticos, na Praça da Sé, em São Paulo, em 1979, e manifestação pela democracia e contra o ataque bolsonarista com a mensagem "sem anistia", na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2023 | Foto: Montagem Revista Oeste/Ennco Beanns/Arquivo Público do Estado de São Paulo/Shutterstock 
 
A anistia de 1979 impede que Franklin Martins se queixe da vida
Hoje com 75 anos de idade, ele foi preso em 12 de outubro de 1968, na abertura do Congresso da União Nacional dos Estudantes em Ibiúna, e libertado 60 dias depois, na véspera da decretação do Ato Institucional nº 5. É pouco tempo de gaiola para tão extensa ficha criminosa. 
Capixaba criado no Rio de Janeiro, Franklin juntou-se à extrema esquerda ainda na adolescência. Presidente da União Metropolitana dos Estudantes, já defendia a troca da ditadura militar pela ditadura do proletariado. 
Filiado ao Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR-8, um dos grupos comunistas convencidos de que poderia derrubar o governo à bala, participou de um punhado de ações criminosas antes de articular, em parceria com a Ação Libertadora Nacional (ALN), o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. 
 
Num documentário sobre o episódio que assombrou o país de 4 a 7 de setembro de 1969, Franklin confirma, com a placidez de quem acabou de comungar, que estava pronto para o papel de carrasco. “Sempre entendi que, se não fôssemos atendidos, Elbrick seria executado”, admite sem vestígios de remorso. Como a junta militar que governava provisoriamente o país aceitou embarcar rumo ao México o grupo de 15 extremistas que incluía líderes estudantis presos um ano antes, o carcereiro foi dispensado de matar o refém. 
Retomou a vida clandestina até concluir que seria menos perigoso expor em outras paragens seus quase 2 metros de altura. Morou no México, fez uma escala no Chile e estava em Cuba quando a anistia encerrou o banimento imposto a envolvidos em sequestros de embaixadores. 
Capixaba criado no Rio de Janeiro, Franklin juntou-se à extrema esquerda ainda na adolescência | Foto: Juca Varella/Instituto Lula
Com pouco mais de 30 anos, Franklin teve tempo para ganhar notoriedade como jornalista da Globo, infiltrar-se no alto comando do PT, tornar-se ministro das Comunicações no segundo governo Lula e fazer o diabo na luta pela adoção do “controle social da mídia”, outro codinome da censura à imprensa. Agora semiaposentado, trocou a discurseira agressiva por lições enunciadas com voz de avô que tudo vê e tudo sabe. Ultimamente, anda ensinando que as depredações ocorridas em Brasília no 8 de janeiro escancararam uma tentativa de golpe de Estado — e que lugar de golpista é na cadeia. Portanto, é preciso apoiar a palavra de ordem deste estranho verão:SEM ANISTIA”. 
Isso é coisa para a turma que recorreu à luta armada para chegar ao paraíso socialista sem perder tempo com escalas na detestável democracia burguesa.
 
Muito mais grave é a tentativa de golpe abastecida por vendedores de algodão-doce, concorda José Dirceu, uma das 15 moedas de troca incluídas na barganha que livrou da morte o embaixador Elbrick. 
Presidente da União Estadual dos Estudantes, pai da ideia de realizar em Ibiúna o Congresso da UNE que destruiu a entidade, Dirceu voltou secretamente do exílio em 1973, com o nariz redesenhado por um bisturi, o codinome Daniel, um fuzil numa das mãos e, na outra, o diploma de guerrilheiro formado em Cuba. 
Viu que a coisa estava feia, deixou para mais tarde a hegemonia proletária, mudou de identidade, apareceu na paranaense Cruzeiro do Oeste fantasiado de pecuarista, casou-se com a dona da mais próspera butique da cidade e não revelou quem era, mesmo depois do nascimento de um filho.
 
O guerrilheiro que só disparou balas de festim teria envelhecido por lá se a anistia de 1979 não o livrasse do medo, do casamento e da rotina tediosa. Com o nariz restaurado, desembarcou em São Paulo a tempo de participar da fundação do PT, eleger-se deputado, presidir o partido, comandar em 2002 a vitoriosa campanha de Lula, tornar-se o mais poderoso dos ministros e usar a faixa de capitão do time do presidente. 
Por pouco tempo: o envolvimento em sucessivos escândalos custou-lhe a perda do gabinete no Planalto, do mandato parlamentar e da pose de comandante em combate. 
Aos 77 anos, liberado pelo Supremo Tribunal Federal de mais sessões de fotos de frente e de perfil, desfruta da vida mansa que garantiu ao exercer o ofício de facilitador de negócios suspeitíssimos
Sobra-lhe tempo para desfraldar, em palavrórios publicados por um site companheiro, a bandeira com a inscrição “SEM ANISTIA”.
José Dirceu do século passado não tinha nenhum respeito por adversários | Foto: Reprodução/Redes Sociais
“O que a sociedade quer saber”, comunicou Dirceu no artigo de estreia, “é se todos os implicados nesse crime de traição à Constituição e à democracia em nosso país, sejam eles civis ou militares, populares ou empresários, responsáveis pelas redes sociais, políticos ou não, vão ter as penas que merecem. Só teremos as respostas com a conclusão dos inquéritos e processos conduzidos legitimamente pelo ministro Alexandre de Moraes”
O José Dirceu do século passado não tinha nenhum respeito por adversários.
Num comício em São Paulo, afirmou que o governador Mário Covas e seus partidários mereciam “apanhar nas urnas e nas ruas”
A versão 2024 é menos belicosa: “O resultado das eleições deve ser respeitado”, anda recitando. 
 
As reações do Partido dos Trabalhadores aos resultados das eleições presidenciais sugerem que a recomendação do guerreiro do povo brasileiro seja endereçada à sigla que abrigou toda a turma que a anistia de 1979 resgatou da cadeia, do exílio ou da clandestinidade. A intolerância rancorosa sempre foi a mais notável marca de nascença da seita que tem em Lula o seu único deus. 
Derrotados, os devotos nem esperam a posse do adversário para tentar despejá-lo do cargo.
Em 1989, 1994 e 1998, gritaram Fora, Collor!, Fora, Itamar! e Fora FHC!. Em 2016 e 2018, berraram Fora, Temer! e Fora, Bolsonaro! 
É verdade que poucos partidos sabem perder uma eleição com elegância. Mas o histórico das disputas escancara um segundo e ainda mais espantoso defeito de fabricação: além de não saber perder, o PT também não sabe ganhar.
 
Em vez de comemorar o próprio triunfo, o petista-raiz festeja a derrota do inimigo. 
Em vez de celebrar a vitória dos seus candidatos, arma a carranca e sai por aí à caça de vencidos a espezinhar. 
Transformado num viveiro de ressentidos sem cura, o ajuntamento esquerdista não consegue ser feliz. 
Para gente assim, algum inimigo é o culpado por todos os problemas passados, presentes e futuros. Em 2003, por exemplo, Lula assumiu a Presidência grávido de ressentimento com Fernando Henrique Cardoso, que lhe impusera duas goleadas sucessivas ainda no primeiro turno. Só por isso fingiu não enxergar as transformações modernizadoras embutidas no legado que lhe caíra no colo. 
O Plano Real, por exemplo, havia enjaulado a inflação selvagem. 
O processo de privatização já exibia sua musculatura modernizadora e fixara-se um limite para a gastança. 
Pois foi só FHC descer a rampa do Planalto para que Lula começasse a recitar a lengalenga da “herança maldita”.
A freguesia da “bolsa ditadura”, formada majoritariamente por anistiados de 1979, é engrossada pela ala da “anistia reflexo”, composta de parentes de supostos perseguidos.

E inclui o bloco que conseguiu a Declaração de Anistia, documento que isenta o portador de pagar o Imposto de Renda pelo resto da vida
O culpado da vez é Jair Bolsonaro. Foi ele o responsável no Brasil pelas mortes causadas em outros países por um vírus chinês.  
Foi Bolsonaro quem ressuscitou a pobreza extinta por Lula e a miséria erradicada por Dilma. 
Foi ele quem mandou matar Marielle Franco (e convém verificar se não estava em Santo André quando Celso Daniel foi assassinado)
Foi ele quem tentou exterminar os ianomâmis. 
Evidentemente, foi Bolsonaro quem chefiou a tentativa de golpe de Estado ocorrida em Brasília em 8 de janeiro de 2023. 
Era previsível que o ex-presidiário que prometeu ao menos abrandar o clima de polarização política se engajasse com entusiasmo na campanha contra a decretação de uma anistia que encerraria o drama vivido por mais de mil brasileiros que não votaram no candidato do PT. 
stf bolsonaro
Segundo o PT, Jair Bolsonaro é o culpado da vez | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em 1979, o regime militar liquidara a oposição armada, mas o estado de direito era ainda um brilho nos olhos dos democratas. O AI-5 fora revogado no fim do ano anterior, mas os governadores haviam sido indicados pelo governo federal, e só dez anos mais tarde o presidente da República voltaria a ser eleito pelo voto direto. 
Ainda assim, a anistia foi um avanço e tanto. 
Centenas de exilados foram festivamente recebidos no Aeroporto do Galeão, a libertação dos 53 condenados pela Justiça Militar esvaziou as celas antes atulhadas de sobreviventes da luta armada, as tensões se abrandaram imediatamente. 
Só continuaram zangados os militantes que em 1980 se reagrupariam no PT — e zangados continuariam por quatro motivos. 
 
Primeiro: embora nenhum dos grupos extremistas tenha atraído mais de cem militantes, todos se julgavam representantes de todos os brasileiros. Segundo: um soldado do povo não comete crimes, pratica ações revolucionárias; não mata seres humanos, executa inimigos dos explorados; não assalta bancos, expropria ícones do capitalismo selvagem. Terceiro: anistia só deve valer para quem contempla o mundo apenas com o olho esquerdo. 
Quarto: faltava a indenização. Os perdoados que não perdoam deram-se por satisfeitos com a criação da Comissão de Anistia, o mais generoso e complicado monstrengo administrativo inventado desde 1500. 
Criada em 2002 para consolar com indenizações e mesadas vítimas de perseguições políticas ocorridas entre 1946 e 1988, ninguém sabe direito onde fica a comissão, quem a dirige, quantos são os clientes, qual é o tamanho da gastança e quais são os critérios que regulam as enxurradas de reais.
 
 A freguesia da “bolsa ditadura”, formada majoritariamente por anistiados de 1979, é engrossada pela ala da “anistia reflexo”, composta de parentes de supostos perseguidos. 
E inclui o bloco que conseguiu a Declaração de Anistia, documento que isenta o portador de pagar o Imposto de Renda pelo resto da vida. 
Os requerimentos (mais de mil por mês) são julgados pelos integrantes do Conselho da Comissão de Anistia, subordinado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. 
O Orçamento de 2024 destinou cerca de R$ 180 milhões à comissão. 
Nos últimos 20 anos, saíram por esse ralo quase R$ 7 bilhões.  
O ranking dos milionários é liderado pelo jornalista Paulo Cannabrava Filho, que ingressou no clube dos indenizados em 3 de agosto de 2008. Segundo a Gazeta do Povo, até 2019 o campeão havia recebido R$ 4,7 milhões a título de indenização, fora os pagamentos mensais de valor ignorado pelos brasileiros que bancam a farra.  
No blog em que segue combatendo os inimigos da democracia e defendendo os amigos dos pobres do Brasil, Cannabrava afirma que os presos do 8 de janeiro não são apenas golpistas. 
São também terroristas. Devem, portanto, ser duramente punidos. 
Que sobrevivam na cadeia ou atrelados a tornozeleiras. 
Com ou sem julgamento. Sem provas de culpa. Sem anistia. E, claro, sem indenizações.
 
Ao saber que o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro o incluíra numa lista de candidatos a indenizações, Millôr Fernandes exigiu a retirada do seu nome e desmoralizou a malandragem: “Pensei que era ideologia. Era investimento”. A mobilização dos perdoados incapazes de perdoar cabe em outra lição de Millôr: “Ditadura é quando você manda em mim. Democracia é quando eu mando em você”
Como ensinou o grande pensador, “democracia é torcer pelo Vasco na torcida do Flamengo”
Os que berram “sem anistia” sonham com um Brasil de torcida única e um time só. Qual seria? 
O apontado pelo consórcio que junta o Supremo Tribunal Federal, o atual governo e a imprensa velha.
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste
 
 Com reportagens de Anderson ScardoelliCristyan Costa.

Leia também “Nem Churchill escapou”

 

 

 


sexta-feira, 21 de outubro de 2022

A exumação da censura - Augusto Nunes

Revista Oeste

O aleijão inconstitucional deve ser imediatamente devolvido à cova rasa 

No meio da entrevista a um jornalista amigo, o ministro Edson Fachin confessou que o sistema eleitoral brasileiro, embora seja o mais perfeito do planeta (ou talvez por isso mesmo), corria perigo por estar na mira de hackers homiziados na Macedônia do Norte.  
A revelação bastava para transformar a conversa em leitura obrigatória. Mas o gaúcho com sotaque paranaense, instalado no Supremo Tribunal Federal por indicação de Dilma Rousseff, achou pouco. E garantiu que, tão logo assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, compreendeu que só se mostraria à altura do cargo se levasse em conta a “transterritorialização comunicacional”
Fachin caprichou no sorriso de carrasco do idioma. O entrevistador fingiu que sabia o significado da sopa de letras. 
Leitores com mais de cinco neurônios constataram que coisas estranhas acontecem na cabeça das sumidades que acumulam as atividades no Pretório Excelso com as atribuições do cargo de Senhor das Urnas e dos Votos.

Sessão virtual plenária do TSE (11/10/2022) | Fotos: LR Moreira/Secom/TSE 

Sessão virtual plenária do TSE (11/10/2022) | Fotos: LR Moreira/Secom/TSE  

Todos acreditam, por exemplo, que chegaram ao mundo com três marcas de nascença: onisciência, onipresença e onipotência, tudo em dose dupla.  
Gente assim faz coisas de que até Deus duvida, confirma Alexandre de Moraes de meia em meia hora. 
Comandante do inquérito do fim do mundo no STF, imperador do Brasil eleitoral desde agosto, o afilhado de Michel Temer se acha a maior autoridade mundial em fake news
Ninguém risca com tanta segurança fronteiras que separam informações de alta qualidade e notícias fraudulentas, fatos e boatos, o que é e o que não é, o que aconteceu e o que foi inventado.  
No começo desta semana, o presidente do TSE anunciou a descoberta de outra brasileirice: uma segunda geração de fake news. Na primeira, os inimigos do Estado de Direito se limitavam a espalhar mentiras. A recém-nascida é mais sofisticada. Nessa variante da pandemia de falsidades, “a pessoa se baseia em coisas verdadeiras para chegar a conclusões mentirosas e divulgá-las”, ensina o doutor em tapeações eleitoreiras. [no oportuno comentário da articulista Ana Paula Henkel,com tão estapafúrdia decisão, foi criado o crime de fala conclusão; leio coisas verdade, porém, por incompetência ou para realizar atos antidemocráticos concluo coisas erradas, sem saber que estou tirando conclusões erradas, ao que sou enquadrado pelas agências de checagem em mais um delito tipificado por decisão monocrática de um supremo ministro.] 
 
Moraes acha que a segunda geração tem como alvo preferencial o candidato do PT. É verdade que Lula é ex-presidiário, admitem o mestre e seus discípulos. Admitem também que Lula enriqueceu trocando favores milionários com a bandidagem do Petrolão. Mas espalhar por aí que o retorno do ex-presidente ao Planalto seria uma volta à cena do crime é coisa de fascista sem remédio, de praticante de atos antidemocráticos, de nostálgicos de golpes militares [ - crimes que podem ser punidos com a escolha do criminoso para ser vice do luLadrão que quer voltar à cena do crime ou com prisão preventiva com caráter de prisão perpétua.]  
Não é isso o que repete Geraldo Alckmin nos vídeos da campanha de 2018 que seguem fazendo sucesso na internet?, insistirão os eternos insatisfeitos. 
Não foi a permanência nas redes de uma gravação desbocada feita por Daniel Silveira o pretexto para instituir o flagrante perpétuo e decretar a prisão de um deputado federal protegido por imunidades parlamentares?  
O que espera Moraes para engaiolar o setentão que desertou do ninho tucano para fazer feio em cantorias esquerdistas?
 
Melhor parar por aqui, ouço murmurando os cautelosos demais. 
É perigoso melindrar magistrados que enxergam no espelho a instituição que os empregou. 
Pois chegou a hora de deter o autoritarismo togado, que desde 2019 consolida parcerias com militantes esquerdistas acampados em redações agonizantes e casos de polícia refugiados em partidos arrendados. “Não se ganha uma guerra com retiradas”, avisou Winston Churchill, o maior dos estadistas. 
Como sentimentos têm odores, predadores da liberdade farejam facilmente o cheiro do medo, mais pestilento quando se recua. 
Os atropeladores da Constituição fizeram de conta que nem notaram as advertências formuladas por dezenas de milhões de brasileiros nas urnas do primeiro turno. 
A mais animadora foi a profunda mudança na composição do Senado, que terá na presidência um parlamentar indicado pela majoritária bancada bolsonarista. 
Outras: o confinamento do PT nas regiões atormentadas pelo atraso e as derrotas impostas a Lula pelo Brasil moderno. Claro que mesmo prepotentes vocacionais enxergaram tais mudanças na paisagem.

Se é assim, por que os democratas de manifesto e libertários de galinheiro agiram com tanto desembaraço e atrevimento ao longo deste outubro? Os parceiros têm pressa, palavra que no glossário da política tem por sinônimos também os termos inquietação, afoiteza e ansiedade. Descobriram que terão de enfrentar em 30 de outubro legiões de militantes decididos a inverter o resultado do primeiro turno. Confrontados com as dimensões do eleitorado que não engole o PT, os sacerdotes da seita descobriram que nunca tiveram um genuíno oponente. Os advogados de Lula, com a ajuda do estafeta Randolfe Rodrigues, atravessaram o mês pressionando os aliados no TSE com a média diária de cinco ações judiciais — ora exigindo direito de resposta, ora reivindicando a supressão de verdades, ora pedindo a imposição da censura a empresas de comunicação ou veículos jornalísticos

As ações emplacadas por assessores jurídicos de Jair Bolsonaro não chegaram a dez. 
O TSE disse sim a quase todas as remetidas por lulistas. Até às que imploraram pela exumação da censura, essa abjeção sepultada em cova rasa na década de 1970.
 
No dia 18, o ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, bloqueou até 31 de outubro a monetização de quatro empresas jornalísticas. Incluída no grupo, a Brasil Paralelo sofreu um castigo adicional. 
Benedito trancou no baú da censura prévia o documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?
A multa fixada para o descumprimento da decisão arbitrária é de R$ 500 mil por dia. 
Nem mesmo o Brasil do AI-5 adotou a censura prévia. 
Da mesma forma, os censores que vetavam a publicação de páginas marcadas por um corpulento X desenhado com lápis vermelho nunca ameaçaram os censurados com o fechamento do seu local de emprego. Esse fantasma ronda desde segunda-feira o prédio da Jovem Pan na Avenida Paulista.

Moraes e sua bancada dormiriam em sossego caso essas violências exigissem a aprovação de jornalistas que exigem respeito à liberdade de expressão desde que os beneficiários pensem como eles. 
Kennedy Alencar, do portal UOL, não se satisfez com o garrote financeiro imposto a uma produtora que não obedece a cartilhas esquerdistas. “A Brasil Paralelo é uma difusora de fake news conhecida na praça”, irritou-se o jornalista que, ao ser batizado, prestou com o pronome uma homenagem que seria recusada pelo pior dos espécimes da família Kennedy. “Temos de aplicar o princípio follow the money. Tem de ver quais são os empresários que financiam a produção de conteúdo falso. É uma organização de extrema direita, que dissemina mentira no debate público brasileiro e precisa ser combatida.”

Figuras desse calibre decerto torcem também pelo desaparecimento da octogenária Jovem Pan. E jamais subscreveriam o editorial que noticiou a punhalada desferida na Constituição pela mão de Moraes. O presidente do TSE participou indevidamente do julgamento para desempatar a votação a favor dos liberticidas. Como lembra o editorial, a decisão foi proferida “ao arrepio do princípio democrático de liberdade de imprensa”, que proíbe qualquer forma de censura e obstáculo para a atividade jornalística. O documento adverte para os riscos da escalada autoritária do TSE e reafirma “o compromisso inalienável com o Brasil. Defendemos os princípios democráticos da liberdade de expressão e de imprensa e repudiamos com veemência qualquer forma de censura.”

Se a Jovem Pan está proibida de referir-se a Lula como “ex-presidiário”, a Gazeta do Povo foi submetida à censura depois de publicar no Twitter notícias sobre a expulsão da CNN da Nicarágua. Amigo fraterno do ditador Daniel Ortega, Lula ficou inquieto: alusões a esses laços incômodos poderiam prejudicá-lo na campanha eleitoral. Em mais um pedido repulsivo, o PT solicitou ao TSE a censura prévia de reportagens da Gazeta do Povo que associassem Lula a Ortega. Desta vez a reivindicação absurda foi rejeitada.

O TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado pelo Supremo

Na semana passada, o batalhão de advogados a serviço do chefão solicitou o bloqueio de 34 perfis no Twitter, aí incluído o da Revista Oeste. “A bomba foi anunciada por um veículo de comunicação que fez questão de aplaudir a tentativa de amordaçar parte da imprensa, jornalistas e formadores de opinião”, registrou Paula Leal em reportagem publicada na Edição 134. “Sem ter acesso ao conteúdo da representação, Oeste buscou amparo jurídico para exercer seu direito de defesa. A prática de não dar acesso integral ao processo, aliás, tem se tornado recorrente no Judiciário. O maior exemplo é o inquérito das fake news, em que as partes não sabem nem por qual crime estão sendo acusadas.”

Sinais de desconforto enfim começaram a aparecer em jornais que sempre denunciaram ruidosamente quaisquer ruídos antidemocráticos. A Folha de S.Paulo, por exemplo, criticou em editorial a fábrica de decisões institucionais gerenciada por Moraes. “Ao expandir seu raio de atuação, a Corte pode descair para a censura pura e simples”, avisa um trecho. O Globo foi mais incisivo: “TSE foi longe demais no combate à desinformação”. Segundo o portal carioca, “não é papel da Corte julgar a qualidade dos veículos de imprensa, muito menos censurá-los preventivamente apenas por causa de um título malfeito, nem mesmo pela eventual publicação de informações erradas, que podem perfeitamente ser corrigidas”. A Gazeta do Povo reagiu com elogiável altivez. “A adoção da censura prévia nesta reta final de campanha é a comprovação de que o TSE considera não haver freio nenhum à sua atuação.”

Surpreendentemente, os primeiros sinais amarelos foram acesos no TSE. Também nesta semana, inúmeros casos foram decididos pelo voto de minerva. Integrante da trinca de representantes do STF no puxadinho governado por Moraes, a ministra Cármen Lúcia não conseguiu camuflar o constrangimento ao votar favoravelmente à censura prévia. 
Queria ter certeza de que o relator cumpriria a promessa de retirar em 31 de outubro as algemas que imobilizam determinações da Constituição. O desconforto de Cármen Lúcia deve ter crescido notadamente nesta quinta-feira: o TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado pelo Supremo.

Há poucos meses, Marco Aurélio era o decano do tribunal. Se Alexandre de Moraes não for contido, todos os seus pares estarão arriscados a sofrer a mesma brutalidade que o atingiu. Cármen Lúcia não vai demorar a aposentar-se.

 

A censura do AI-5, à qual estiveram submetidos diretamente a revista Veja, O Estado de S. Paulo e outros veículos de imprensa, era mais honesta em seus propósitos, mais clara para os censurados e mais inteligente do que a censura praticada hoje pelo ministro Alexandre Moraes e os seus colegas do STF.  
No caso específico de Veja havia um censor que se apresentava como censor — era um delegado da Polícia Federal, e mostrava a sua carteira de serviço se alguém lhe pedisse identificação. 
Comparecia pessoalmente à redação da revista em São Paulo, na Freguesia do Ó, na manhã dos sábados, o momento em que todas as matérias da edição semanal estavam escritas. 
Ia a uma sala do 7º andar do edifício e lia os artigos de política, ou de algum outro assunto que quisesse ler. Quando queria censurar alguma coisa, dizia: “Corta este trecho que vai daqui até ali. Corta este também. Não pode deixar em branco os pedaços cortados; tem de escrever alguma coisa para pôr no lugar”. Quando o censor acabava de ler tudo, descia até o estacionamento, entrava em seu carro e ia embora — até voltar no sábado seguinte, na mesma hora.

Nunca, em momento nenhum, o censor disse que estava ali “em defesa da democracia” ou para combater “atos antidemocráticos”; dizia, claramente, que estava ali com o único propósito de impedir que a revista publicasse coisas que o governo não queria que fossem publicadas.        “Isso aqui está vetado”, informava ele. Não perdia um minuto explicando que era “fake news” ou “ameaçava as instituições” — na verdade, não dava a mínima se era verdade, mentira ou o raio que fosse. 

Só dizia que era proibido publicar porque o governo estava mandando, e pronto. Os cortes feitos na sala do 7º andar sempre eram obedecidos — se por acaso fosse impressa alguma coisa censurada, qualquer coisa, a edição toda seria apreendida na boca da máquina, na distribuidora ou nas bancas. Era, acima de tudo, um processo altamente eficaz: não saía nada que o censor tivesse mandado cortar
Com o tempo, a redação ia se cansando de escrever, ser censurada e ter de escrever de novo. 
Passou, então, a não fazer mais as matérias que, segundo se imaginava, poderiam ser censuradas. Era a vitória final da censura; quase não se precisava do censor a essa altura.

A censura em Veja acabou no dia em que o governo resolveu que deveria acabar; a “sociedade civil” não teve nada a ver com isso. 

O secretário de imprensa da Presidência da República chamou a Brasília o diretor de redação e informou que a partir do próximo sábado o homem da Polícia Federal não viria mais

Disse também que a revista deveria tomar cuidado com o que fosse publicar — entendeu? Foi isso. Não houve inquérito ilegal nenhum. Não houve ameaças histéricas de ministros obcecados com notícias “falsas”. Não houve marechais de campo da democracia dizendo que a liberdade de expressão tem limites e não pode “ser usada” se o STF achar que ela prejudica o “estado democrático de direito”. Não houve manifestos de “personalidades”, nem jornalistas, se declarando a favor da censura. Não houve a hipocrisia rasteira que sustenta hoje a violação da liberdade de imprensa. Censura, então, se chamava “censura”. Era muito mais claro.

Leia também “O gol contra de Moraes”

Augusto Nunes -  Edilson Salgueiro,  colunistas - Revista Oeste


sábado, 17 de setembro de 2022

Violações patrocinadas pelo Pretório Excelso - Revista Oeste

Cristyan Costa

Da ação de busca e apreensão na casa de empresários à desmonetização de canais conservadores, confira as leis e os artigos da Constituição que foram ignorados por ministros do STF 


Dispositivos violados:

  1. Artigo 102 da Constituição: Compete ao STF julgar infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República”;
  2. Artigo 129 da Constituição: “Compete ao MPF promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”;
  3. Artigo 5° da Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”;
  4. Parágrafo II do artigo 282 do Código de Processo Penal: “As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”.

O jurista Dircêo Torrecillas Ramos, membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, lembra que compete ao Ministério Público Federal “apresentar denúncias, dar diligências e exercer o controle externo da atividade policial”, segundo determina o artigo 129 da Constituição. Isso não ocorreu.

“Avalio que houve excessos”, constatou o jurista Ives Gandra da Silva Martins, professor universitário e doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Segundo ele, o conteúdo das mensagens avaliado por Moraes representa mera opinião política. “Empresários não dão golpe de Estado. Quem teria de fazer isso são as Forças Armadas. E as chances de os militares executarem um plano dessa magnitude é igual a três vezes zero.”

O jurista Adilson Dallari afirma que Moraes violou o artigo 5° da Carta Magna. “Ameaça tem de ser real, concreta, viável e suscetível de ser realizada”, observou. “Não se confunde com bravata, que não é crime. Além disso, não compete ao STF abrir inquérito dessa natureza.”

Ivan Sartori, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirma que o TSE tem de ser transparente. “Um ‘serviço secreto’ não se coaduna com o sistema democrático, sobretudo diante da postura de Moraes”, observou. “Há a violação do artigo 37 da Constituição, que trata da publicidade, da moralidade, da transparência e da legalidade. Existe um viés autoritário. A Justiça Eleitoral é ser transparente.”

Dispositivos violados:

  1. Inciso IV do artigo 5° da Constituição: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”;
  2. Inciso VIII do artigo 5° da Constituição: “Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”;
  3. Inciso IX do artigo 5° da Constituição: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Na terça-feira 13, o TSE proibiu, por unanimidade, o presidente Jair Bolsonaro de usar imagens do 7 de Setembro em peças de propaganda eleitoral. O TSE determinou:

  • Que a Empresa Brasil de Comunicação retire vídeos do canal da TV Brasil no YouTube com trechos dos atos do presidente, sob pena de multa de R$ 10 mil, mas preservasse o material em arquivo até o fim do processo;
  • Que o presidente e o candidato a vice, Braga Netto, fossem intimados a, em 24 horas, parar de veicular qualquer material de propaganda eleitoral que tenha como base as imagens de Bolsonaro nos atos de 7 de Setembro em Brasília e no Rio, sob pena de multa de R$ 10 mil;
  • Que a campanha não produzisse novos conteúdos para a propaganda eleitoral com as ações realizadas no Bicentenário da Independência.

“A medida do TSE violou a liberdade de manifestação do presidente”, constatou Torrecillas. “Todos podem reunir-se pacificamente em locais abertos ao público. Bolsonaro soube dividir os atos em dois: o desfile do Dia da Independência e, depois, sem a faixa presidencial, discursou para apoiadores. Não precisaria proibir o presidente.”

Dallari lembrou que, como justificativa, se alegou que as festividades foram custeadas com recursos públicos. “Na verdade, recursos públicos custearam as despesas da cerimônia oficial de Brasília, onde o presidente compareceu usando a faixa presidencial”. observou. “Nas outras manifestações, custeadas por particulares e por fundos de campanha, o candidato compareceu nessa qualidade. No fundo, o ministro Benedito Gonçalves atendeu a um pedido de Lula, a quem deve sua designação para o STJ.”

Há Há duas semanas, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, determinou que o eleitor deve entregar o celular ou qualquer outro aparelho eletrônico antes de entrar na cabine de votação no dia da eleição para “garantir o sigilo do voto”. Além disso, detectores de metais poderão ser utilizados em situações excepcionais, avaliadas caso a caso pelo juiz eleitoral. Se o eleitor se recusar a entregar o aparelho, cometerá “crime eleitoral”. O juiz eleitoral será avisado e deverá chamar a Polícia Militar.

O inquérito infame já consumiu milhares de páginas, cujo conteúdo permanece em sigilo. Assim, os alvos do carrasco não sabem sequer do que são acusados

“Proibir portar o celular é uma decisão correta e que está prevista em lei, pois preserva o sigilo do voto”, disse Adilson Dallari. “Contudo, ameaçar alguém de prisão por isso é algo ridículo.” Torrecillas completa: “Não vejo motivos para se prender alguém por isso. No máximo, uma advertência.”

Por unanimidade, o TSE determinou a retirada da propaganda eleitoral em que a primeira-dama Michelle Bolsonaro aparece. O material é um vídeo que integra a campanha do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o TSE, a Lei Eleitoral prevê a participação de apoiadores nas peças publicitárias somente em 25% do tempo, o que estaria além no vídeo.

“Normas do TSE limitam o tempo de manifestação de apoiadores”, disse Dallari. “No caso, a alegação é a de que o tempo máximo teria sido ultrapassado. Obviamente, o correto seria cortar o excesso, e não proibir a propaganda inteira. O facciosismo é escandaloso.”

Dispositivos violados:

  1. Inciso VII do artigo 84 da Constituição: “O presidente da República tem de manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos”.

Em 30 de agosto, o TSE mandou a TV Brasil, o Google, o Facebook e o Instagram tirarem do ar vídeos da reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores, realizada em 18 de julho. Na ocasião, Bolsonaro criticou as urnas eletrônicas.

“Não há inconstitucionalidade por parte do presidente”, disse Dallari. “Nos termos do artigo 84, inciso VII, compete ao presidente da República manter relações com Estados estrangeiros e seus representantes. Inconstitucional foi a reunião do Fachin com os embaixadores.”

Dispositivos violados:

  1. Artigo 53 da Constituição: “Deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato;
  2. Inciso XII do artigo 84 da Constituição: “Cabe privativamente ao presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”;
  3. Súmula IX do TSE: “A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos”.

Com base em julgamento do STF, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro cassou a candidatura do deputado federal Daniel Silveira ao Senado. O STF condenou o deputado a quase dez anos de cadeia por críticas contra os ministros da Corte. Silveira, contudo, recebeu um indulto presidencial, que extingue supostos crimes cometidos por ele.

Torrecillas afirma que o parlamentar pode ser candidato nas eleições deste ano por causa do indulto. “Se há um perdão, há a extinção da pena. Se há a extinção da pena, o deputado recupera os direitos políticos”, constatou o jurista. Mais: o artigo 55 da Constituição, parágrafo 2, estabelece que, mesmo que haja uma condenação com uma sentença que transitou em julgado (não cabendo recursos), quem decide sobre a perda do mandato é o Congresso Nacional.”

A deputada estadual Janaína Paschoal, jurista e uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, argumenta que a graça (indulto individual) tem impacto na condenação criminal, e não diretamente nas questões eleitorais. “No entanto, na medida em que a inelegibilidade decorreu da condenação, a meu ver, caindo a condenação, cai a restrição.”

Ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori afirma que, quando há clemência do presidente da República, todos os efeitos da condenação, e a própria condenação, são perdoados. “Silveira se torna elegível”, observou. O desembargador Marcelo Buhatem, presidente da Associação Nacional dos Desembargadores, vai na mesma linha. O magistrado lembrou ainda que o ministro Moraes, relator do processo que condenou Silveira, reafirmou em outra ocasião que o indulto é um ato privativo do presidente da República e tem de ser respeitado, “goste-se ou não”.

Buhatem também lembrou o que estabelece a súmula número 9 do Tribunal Superior Eleitoral: “A suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal transitada em julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, independendo de reabilitação ou de prova de reparação dos danos.”

Dispositivos violados:

  1. Súmula vinculante 14 do STF: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”;
  2. Inciso LV do artigo 5° da Constituição: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Desde a abertura dos inquéritos inconstitucionais do STF, além de operações da Polícia Federal contra alvos dessas investigações, os advogados das partes não têm acesso aos autos do processo.

“A súmula 14 garante aos advogados dos investigados o acesso aos autos”, constatou Dallari. “Ninguém pode se defender sem saber do que está sendo acusado. A proibição de acesso aos autos viola o inciso LV do artigo 5 da Carta Magna, que garante o direito ao devido processo legal.”

Dispositivos violados:

  1. Artigo 5° da Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”;
  2. Artigo 53 da Constituição (no caso do deputado Daniel Silveira): “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.

O deputado Daniel Silveira, o jornalista Oswaldo Eustáquio e o ex-presidente do PTB Roberto Jefferson foram presos por críticas ao STF.

“Silveira não cometeu crime”, disse Dircêo. “Ele manifestou uma opinião. O deputado tem imunidade em razão do cargo que ocupa. Por isso, compete à Câmara dos Deputados decidir o que fazer.” Ainda segundo o jurista, caso o deputado tivesse sido enquadrado no artigo 286 do Código Penal, que prevê punição de três a seis meses por incitação à violência, Silveira poderia cumprir a pena em liberdade.

“Por que vai ser preso agora se, caso fosse condenado por causa disso, cumpriria a pena em liberdade?”, indagou o jurista. “O ministro Alexandre de Moraes tinha de ter comunicado à Casa para que ela decidisse sobre a prisão, se fosse o caso de prisão, porque não é”, acrescentou Torrecillas. “No artigo 53 da Constituição está escrito: deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.”

Sobre Oswaldo Eustáquio, o jurista explicou que, “por ser jornalista e sem foro privilegiado, o processo precisava ser encaminhado à primeira instância”, afirmou. “Só no fim é que o STF seria provocado. Trata-se de um jornalista, um civil, que tem o direito à liberdade de expressão.” Torrecillas lembra que fake news, um dos argumentos usados contra Eustáquio, é um termo subjetivo e difícil de caracterizar. Portanto, frágil no proferimento de uma sentença.

No que diz respeito à prisão de Roberto Jefferson, Ives Gandra Martins classificou de “censura prévia”, que viola o artigo 5° da Constituição.

Dispositivos violados:

  1. Inciso IV do artigo 5° da Constituição: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”;
  2. Inciso XVI do artigo 5° da Constituição: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”;
  3. Artigo 220 da Constituição: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Sugerir a modernização da urna eletrônica e discorrer sobre possíveis efeitos colaterais das vacinas contra a covid-19, entre outros assuntos, se tornaram tabus. Agências de checagem e o consórcio de imprensa tacham reportagens de fake news. Em paralelo, o STF intimida pessoas e até manda prender quem se atreve a abordar esses temas.

“A atuação visando impedir ou dificultar a manifestação do pensamento viola o artigo 5°, inciso IV, e também o inciso XVI, que garante a liberdade de reunião, que pode ser física ou virtual”, disse Dallari. “Além disso, viola o Art. 220, que assegura a liberdade de informação e comunicação social.”

Dispositivos violados:

  1. Inciso IV do artigo 5° da Constituição: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Em setembro do ano passado, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, determinou que a rede social GETTR suspendesse repasses de recursos via monetização e de outros serviços a páginas alinhadas ao presidente Jair Bolsonaro.

Entre os alvos estavam os jornalistas Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio. De acordo com o TSE, eles publicaram ameaças à democracia brasileira e são investigados em inquérito que tramita no tribunal. Os valores já repassados aos perfis devem ser direcionados para uma conta judicial.

Alguns dias depois, foi a vez de Bárbara Destefani, do canal Te Atualizei, ser desmonetizada no YouTube. Até hoje, os alvos não tiveram acesso aos autos.

“A decisão do TSE restringiu o alcance da liberdade de expressão”, avaliou Torrecillas. “Há profissionais de imprensa que dependem da monetização para exercer o seu ofício. Os recursos recebidos por meio de vídeos sustentam a atividade dessas pessoas. O que houve, claramente, foi censura.”

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Cristyan Costa, colunista - Revista Oeste