Termos
Circunstanciados de crimes de menor potencial ofensivo feitos por policiais
militares provocam troca de acusações entre representantes da Polícia Militar e
da Polícia Civil. Caso será
definido pela Justiça do DF
Está
nas mãos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) autorizar ou negar policiais militares
lavrarem Termo Circunstanciado (TC) de crimes de menor potencial ofensivo. O
Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) decidiu aguardar um
posicionamento do Judiciário para dar continuidade ao recebimento dos TCs
feitos pela PM. A Câmara de Coordenação e Revisão
Criminal do MPDFT havia recomendado aos promotores receberem os
documentos feitos pelos militares.
A situação acirra ainda mais a relação
entre a PM e Polícia Civil. O novo capítulo na polêmica surgiu ontem após
ser divulgado o primeiro Termo Circunstanciado realizado por militares do 4º
Batalhão da PM (Guará), em 15 de setembro. A atribuição começou pelo Guará como
projeto piloto. A ideia, segundo o MPDFT, era fazer uma experiência controlada
antes de estender a permissão para outras cidades. A escolha da unidade ocorreu
em razão de ter mais oficiais formados em direito e uma estrutura consolidada
para a produção do documento.
O TC registrado pela PM envolveu a fuga de um
motociclista, em alta velocidade, no Guará (veja fac-símile). Ele
estava sem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o Certificado de Registro
e Licenciamento de Veículo (CRLV) e acabou capturado em seguida. No dia
seguinte, o delegado-chefe da 4ª Delegacia de Polícia (Guará), Flamarion Vidal
Araújo, enviou um memorando à Corregedoria da Polícia Civil pedindo
investigação do caso. O investigador destacou, no fim do documento, que “a lavratura de
termos circunstanciados por policiais militares contaria com a aquiescência do
Ministério Público e do Poder Judiciário locais”.
Ao Correio, Flamarion avaliou que a atuação da Polícia Militar configura “usurpação de função pública”. “É importante
as pessoas entenderem que ir à delegacia é direito. Esse termo feito pela PM é
comparável ao AI-5, quando militares faziam investigações civis. A comunidade
precisa de policiamento ostensivo”, afirmou. [no tempo
do Governo Militar, notadamente durante a vigência do AI-5 havia uma ação
conjunta entre os organismos de segurança,
incluindo a Policia Civil e a Militar, que foi extremamente benéfica no
combate ao terrorismo.
Atualmente, o quadro é diferente: a
Polícia Civil só lavra Boletim de Ocorrência de crimes graves – homicídios,
latrocínios, estupros – e, por consequência, se recusa a lavras Termo
Circunstanciado – instrumento adequado para registro de crimes de menor
potencial ofensivo e a Polícia Militar para não oficializar a impunidade (já
que tais crimes mesmo quando lavrados no Termo Circunstanciado costumam ‘dar em
nada’, resultando quase sempre em impunidade) decidiu assumir – com o apoio do
Ministério Público e de diversos juízes – a lavratura de tais termos e com isso
reduzir as chances de um aumento da impunidade.]
O
presidente em exercício do Sindicato dos Delegados da Polícia Civil (Sindepo),
Rafael Sampaio, explicou que a entidade procurou a Corregedoria da Polícia
Civil e a direção-geral da corporação. “Tememos
pelos cidadãos, porque sabemos como funcionam as autoridades militares.” O
presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol), Rodrigo Franco,
considerou que o ato é inconstitucional. Em nota, a direção-geral da Polícia
Civil informou que serão adotadas todas as medidas previstas em razão do “flagrante abuso de autoridade e usurpação
de função pública.”
Função essencial
Com base na Lei nº 9.099, a PM garantiu, em nota, que “em momento algum invadiu a missão ou as atribuições da Polícia
Civil, pois, diferentemente do inquérito policial, que demanda investigação, o
Termo Circunstanciado restringe-se a um boletim formal da ocorrência, sem que
haja a necessidade de constar a tipificação penal.” Ressaltou, ainda, que a
“lavratura do TC minimiza a
burocratização e diminui a demanda da Polícia Civil, que pode se dedicar, de
fato, à sua função essencial de polícia judiciária, ou seja, a apuração de
infrações penais de maior gravidade.”
O MPDFT entende
que a possibilidade de PMs lavrarem TCs não configura usurpação de função
pública, como atestam delegados e agentes da civil, uma vez que não
há investigação, mas o registro dos relatos dos fatos. Além disso, oficiais
bacharéis em direito acompanhariam a diligência. Por e-mail o TJDFT informou
que o assunto está em estudo no âmbito da Corregedoria e não houve, até o
momento, deliberação sobre o assunto pelo desembargador corregedor.
Ditadura
O Ato Institucional nº 5, de 13
de dezembro de 1968, marcou o início do período mais duro da ditadura
militar no Brasil. Foi editado pelo então presidente Arthur da Costa e Silva e
deu ao governo uma série de poderes, como fechar o Congresso Nacional, cassar
mandatos eletivos, suspender por 10 anos os direitos políticos de qualquer
cidadão, intervir em estados e municípios, decretar confisco de bens por
enriquecimento ilícito e suspender o direito de habeas corpus para crimes
políticos. [caso o AI-5 não tivesse sido
promulgado, o CAOS teria se institucionalizado e medidas mais enérgicas e
letais teriam que ser adotadas.]
Exemplos nacionais
Nos estados de Santa Catarina, Pernambuco, Rio Grande do
Norte e Rondônia, policiais militares
fazem a lavratura dos Termos Circunstanciados (TCs) para crimes de menor
potencial ofensivo.
Desde 2014, há tratativas no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT) para implementar a prerrogativa na capital federal. De acordo com o
órgão, por ano, são feitas 200 mil ocorrências pela Polícia Militar que
precisam levar todos os casos — desde registros simples até os mais complexos —
às delegacias.
Servidores da Polícia Civil denunciam que a
competência de lavrar TCs é de delegados, com base na Lei nº 9.099, de 26 de
setembro de 1995, que dispõe sobre Juizados Especiais Cíveis e Criminais. No
entanto, o artigo 69 da norma rege que a “autoridade
policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o
encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima,
providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.”
Significa que a interpretação pode ser subjetiva quanto a quem é a autoridade
policial: se delegados, policiais civis, militares ou qualquer agente das
forças de segurança pública.
Fonte:
Correio Braziliense