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domingo, 17 de junho de 2018

Vale esconde o jogo

Mineradora se esforça para manter sob o manto do sigilo documentos capazes de esclarecer um negócio ainda obscuro envolvendo a compra de minas de carvão, em Moçambique, com o aval de Lula

Em meados de maio, o diretor-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, viajou para a Nova York a fim de cumprir uma série de compromissos profissionais. Em determinado momento, foi surpreendido com mensagens de alerta oriundas de outros diretores da mineradora. Um problema urgente teria de ser resolvido: a iminente divulgação de documentos que detalham um nebuloso negócio celebrado pela empresa envolvendo a compra de minas de carvão em Moçambique. A papelada que tratava da aquisição, em 2003, foi colocada sob o manto do sigilo um ano depois pelo governo federal, à época comandado pelo ex-presidente Lula. Como o carimbo de confidencial vale por 15 anos, a partir da data do fechamento do negócio, os papeis devem se tornar públicos até o fim deste ano. É exatamente o que a Vale mais teme, segundo relatos de integrantes do alto escalão da empresa. “Temos que fazer de tudo para prorrogar o sigilo dos documentos”, teria determinado Schvartsman, em conversa com integrantes do corpo diretor da empresa.

Dívidas perdoadas
A partir dessa orientação, diretores da Vale deflagraram uma verdadeira corrida contra o tempo. Não se sabe exatamente quando os documentos perderão o sigilo, apenas que isso ocorrerá ainda em 2018. Por isso, a ordem interna é preparar a mineradora para a divulgação de eventuais detalhes obscuros da negociata em Moçambique. Tamanho receio não é em vão. Na época em que a Vale adquiriu as minas de carvão em Moçambique, batizadas de Moatize, surgiram informações de um possível lobby do governo brasileiro em prol da mineradora. Basta puxar o fio do novelo que tudo parece se encaixar. Cerca de três meses antes da Vale vencer a licitação, Lula perdoou uma dívida do governo de Moçambique com o Brasil no valor de US$ 315 milhões – no que constituiu o maior perdão de dívida já realizado pelo governo federal até aquele momento. 

Outro fator que teria contribuído para a vitória da Vale foi uma visita a Moçambique do presidente da mineradora. Não estava sozinho. Dirigiu-se ao País africano acompanhado de uma comitiva do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Pouco tempo depois, foi a vez de o Brasil receber a visita do então chefe de Estado moçambicano, Joaquim Chissano. Na ocasião, notícias deram conta de que Lula teria indicado o BNDES para participar do negócio em Moatize. Como se não bastasse, a cordialidade entre as duas nações, e toda a movimentação visando a exploração das minas de carvão pela Vale - Cia. Vale do Rio Doce - , uma empresa privada e maior mineradora do País, também foi acompanhada de perto pelo Itamaraty por meio da embaixada brasileira em Maputo, capital de Moçambique.

Porteira aberta
O triunfo da Vale em Moatize abriu caminho para que outras grandes empresas do Brasil também celebrassem negócios em território moçambicano. Por causa das minas de carvão, a Odebrecht conseguiu um contrato para a construção de um aeroporto em Nacala, cidade portuária por onde a Vale escoa a produção das minas de carvão, com um financiamento de US$ 125 milhões feito junto ao BNDES. A Andrade Gutierrez foi escolhida para construir uma barragem perto de Maputo. Neste caso, o financiamento do BNDES chegou a US$ 460 milhões. Hoje, todos sabem do envolvimento de Odebrecht e Andrade Gutierrez na Lava Jato. As duas empresas, enroladas até o pescoço em esquemas de corrupção, possuem inúmeros delatores entre seus executivos e firmaram acordos de leniência em que se comprometeram a pagar multas milionárias em razão dos crimes cometidos no passado. A Odebrecht, inclusive, delatou pagamentos de propina de pelo menos US$ 900 mil, entre 2011 e 2014, a autoridades de Moçambique pela obra do aeroporto de Nacala, o segundo maior do País africano, mas que atualmente está entregue às moscas. O terminal não opera na intensidade prevista no projeto original. Em 2017, foram apenas 586 pousos e decolagens entre voos domésticos e internacionais.

Diante desse cenário, não é de se estranhar a intensa movimentação no departamento jurídico da Vale em busca de pontos cegos que permitam a prorrogação do sigilo dos documentos, conforme revelaram fontes ouvidas por ISTOÉ. Procurada pela reportagem, a Vale disse “desconhecer por completo o assunto” e garantiu não existir movimentação alguma em relação aos papeis das minas de Moatize. No entanto, já se sabe que um senador ligado à alta cúpula da empresa teria sido acionado. Ao mesmo tempo, ele faria as vezes de “informante” da empresa para o caso de sair o prazo para a quebra do sigilo, o que daria um fôlego para a Vale preparar sua defesa. O pior dos mundos para a empresa é ser surpreendida com a divulgação das informações mantidas em segredo nos últimos 15 anos. Para a mineradora, é um sigilo que vale muito.

IstoÉ
 


 

sábado, 9 de janeiro de 2016

Dilma garantiu empréstimo camarada do BNDES para ditador de Moçambique

Dilma garantiu empréstimo camarada do BNDES para Andrade Gutierrez em Moçambique

Documentos revelam que o governo atuou em favor da Andrade Gutierrez na contratação de um financiamento de US$ 320 milhões do banco estatal, com condições especiais, na véspera da eleição de 2014 

Em março de 2013, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com o presidente de Moçambique, Armando Guebuza, em Durban, na África do Sul, durante um encontro de países subdesenvolvidos. O assunto era urgente: um empréstimo de US$ 320 milhões do BNDES. Guebuza, segundo relato que fez a seus ministros, disse que as exigências impostas para a liberação do crédito estavam travando as obras de infraestrutura em seu país. Depois de ouvir atentamente, Dilma se colocou à disposição para “resolver o assunto”. 

O teor da conversa foi transmitido por uma das diretoras da Andrade Gutierrez na África Adriana Ribeiro à então embaixadora do Brasil em Maputo, Lígia Maria Scherer. As negociações, porém, não avançaram. Para receber o dinheiro do banco estatal brasileiro destinado à construção da barragem de Moamba Major, em Moçambique, o país africano deveria topar abrir uma conta bancária numa economia com baixo risco de calote. Esse é um procedimento comum nos financiamentos à exportação do BNDES.

>> Saiba mais: Acordo da Andrade Gutierrez com MPF também prevê delação de executivos

Guebuza, porém, recusava-se a aceitar essa condição. Contrariado, em agosto de 2013, o ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang, encaminhou uma carta oficial ao governo brasileiro. A correspondência tratava das dificuldades políticas em abrir uma conta em moeda estrangeira no exterior para pagar dívidas com o Brasil enquanto recebia doações de outros governos para projetos sociais.Pegaria mal. A ideia era abrir uma conta no país africano. Essa mensagem foi acompanhada de um recado claro da Embaixada do Brasil em Maputo, capital de Moçambique: caso os recursos do BNDES não fossem liberados, dificilmente a construtora Andrade Gutierrez seria escolhida para construir a barragem. Haveria indícios de que o Brasil perderia o projeto para empresas de outros países se a questão do financiamento pelo BNDES não pudesse ser solucionada”, afirma a mensagem.

O alerta surtiu efeito em Brasília. Um mês depois, no dia 9 de setembro de 2013, foi realizada a 97ª reunião do Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão ligado ao Conselho de Governo da Presidência da República, formado por sete ministérios e presidido naquele momento pelo petista Fernando Pimentel, então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), fiel escudeiro de Dilma e, atualmente, governador de Minas Gerais. A ata sigilosa, obtida por ÉPOCA, relata uma discussão sobre o pedido de Moçambique de dispensa da exigência da garantia da conta no exterior para a liberação do empréstimo do BNDES. O representante do Ministério da Fazenda, Dyogo Oliveira, reforçou que a abertura de uma conta era muito importante e ainda ressaltou que caso essa premissa fosse descartada surgiriam outros dois problemas. 

Primeiro, seria difícil controlar a conta dentro de Moçambique. Segundo, o país africano não possuía limite de crédito no Fundo de Garantia à Exportação (FGE), responsável por cobrir um eventual calote. Pimentel discordou e votou pela flexibilização das garantias, abrindo uma clara exceção para Moçambique. Essa opinião foi endossada por representantes da Casa Civil, comandada por Gleisi Hoffmann, e do Ministério das Relações Exteriores, sob a gestão de Luiz Alberto Figueiredo, além do ministro interino do Desenvolvimento Agrário, Laudemir André Müller. Com a aprovação da maioria, a posição defendida por Pimentel prevaleceu.
 Fernando Pimentel, Governador Estado de Minas Gerais, durante visita ao jornal Valor Economico (Foto: Silvia Costanti/Valor)


Depois de destravado o empréstimo para a obra em Moçambique, a operação passou por ajustes jurídicos no BNDES. Em 16 de julho de 2014, dez meses depois da reunião da Camex e já durante a campanha para a eleição presidencial, foi assinado um contrato entre o banco, o país africano e a Andrade Gutierrez, ao qual ÉPOCA teve acesso. O acordo, selado pelo ministro das Finanças moçambicano, prevê uma linha de crédito de até US$ 320 milhões. Esse dinheiro foi endereçado a um consórcio formado pelas empreiteiras Zagope Construções e Engenharia, controlada pela Andrade Gutierrez, e Fidens Engenharia, responsáveis pelo projeto de construção da barragem no país africano. A Zagope é uma empresa conhecida pelos procuradores que investigam corrupção no Brasil.

>> Saiba mais: Documentos secretos revelam: Lula fez lobby para Odebrecht em licitação na Guiné

De acordo com uma denúncia apresentada pela força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) contra executivos da Andrade Gutierrez, que foi aceita pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, a Zagope usou uma de suas subsidiárias como veículo de pagamento de propina. O dinheiro saía da conta da Zagope Angola para uma empresa sediada no Panamá, administrada pelo operador Mario Goés – que, segundo o MPF, repassava pixulecos para Pedro Barusco e Renato Duque, respectivamente ex-gerente e ex-diretor da Petrobras. As operações da Andrade Gutierrez na África e em Portugal continuam na mira de investigadores da Lava Jato, que fizeram um acordo de cooperação internacional para buscar mais informações sobre as transações financeiras da empreiteira no exterior.

No mês seguinte à assinatura do contrato com o BNDES, no dia 20 de agosto, às 8h54, Edinho Silva, então tesoureiro da campanha presidencial à reeleição de Dilma, visitou Otávio Marques de Azevedo no escritório da Andrade Gutierrez, em São Paulo. A conversa durou quase uma hora. Nove dias depois desse encontro, a empreiteira realizou uma transferência no valor de R$ 10 milhões para a campanha de Dilma. Em seguida, do dia 23 setembro a 22 de outubro de 2014, a construtora doou ao todo mais R$ 10 milhões, em três parcelas. Entre as empreiteiras brasileiras, a Andrade foi a principal contribuidora da reeleição de Dilma, desembolsando quase o triplo do total repassado pela UTC.

>> Exclusivo: Agência ligada ao PT e mulher de Fernando Pimentel faziam lobby no BNDES, diz PF

O responsável por receber essa bolada era Edinho, atual ministro da Secretaria de Comunicação Social e também investigado na Lava Jato em inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre doações de campanha em 2014. A Procuradoria-Geral da República apura se Edinho achacou empreiteiros como Azevedo, que tinham contratos com o governo. No fim do ano passado, executivos da Andrade, entre eles Azevedo, presos em Curitiba, fecharam um acordo de delação premiada, em que deverão revelar, entre outras coisas, o esquema de corrupção por trás dos financiamentos de campanhas eleitorais. Policiais e procuradores acreditam que, ao percorrer o caminho do dinheiro movimentado pelas construtoras como a Andrade Gutierrez, poderão, mais cedo ou mais tarde, deparar com os empréstimos liberados pelo BNDES.

Questionada por ÉPOCA a respeito da negociação, a Presidência da República informa, por meio de sua área de comunicação, que o governo Dilma Rousseff sempre teve como estratégia expandir as exportações de produtos manufaturados e bens e serviços para os mercados da África e América Latina. “Seguindo essa diretriz, com total autonomia e sem nenhuma ingerência de qualquer instituição do governo, o Cofig (Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações, colegiado responsável por avaliar as condições de financiamentos do governo federal a operações de exportação) e a Camex tomam suas decisões”, afirma a Presidência, por escrito. “Cabe ainda ressaltar que as doações feitas à campanha de 2014 não tem nenhuma relação com as ações de governo.”

Em nota, o BNDES afirma que o controle na concessão dos créditos à exportação se baseia em critérios técnicos e tem permitido apoio às empresas brasileiras com uma inadimplência extremamente baixa. E também que “não é incomum que uma operação seja aprovada na Camex e depois transcorra, até a contratação, um prazo similar ao observado na operação”. O banco não divulga o fluxo de desembolsos dos financiamentos à exportação.

Para a Andrade Gutierrez, o procedimento todo foi regular. “A Andrade Gutierrez reitera que todos os financiamentos contratados junto ao BNDES obedecem à legislação brasileira e seguem avaliação técnica rigorosa do banco”, afirma a empresa, numa nota. A empreiteira informa, na mesma nota, em relação ao empréstimo do BNDES para a construção da barragem, que o valor de US$ 320 milhões foi contratado em julho de 2014 e não foi liberado naquela data. A empresa não respondeu às questões envolvendo as doações da campanha de 2014. Caberá aos investigadores da Lava Jato esclarecer se há relação entre o empréstimo do BNDES e a doação à campanha de Dilma.

Fonte: Época