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sábado, 30 de maio de 2020

O dragão chinês mostra as garras – Editorial - O Estado de S. Paulo

Agressão do PC chinês a Hong Kong pede uma resposta enérgica da comunidade internacional 


Enquanto o resto do mundo combate a pandemia, a China realizou sua manobra mais truculenta contra a autonomia de Hong Kong e Taiwan. No dia 20, o Congresso do Povo anunciou planos navais de assalto a uma ilha controlada por Taiwan e aprovou uma moção para uma nova lei de segurança em Hong Kong que, na prática, desmantelará o modelo “um país, dois sistemas”.

Em 1997, quando o Reino Unido passou o controle de Hong Kong à China, um tratado forjado nas Nações Unidas garantiu as liberdades políticas e o estilo de vida da população até 2047. O artigo 23 da “lei básica” de Hong Kong efetivamente previu que o seu Parlamento elaboraria uma legislação proibindo atos de “traição, secessão, sedição ou subversão” contra o governo chinês. Em 2003, as tentativas das autoridades pró-comunistas de impor uma legislação draconiana levaram 500 mil cidadãos de Hong Kong às ruas, no maior protesto em décadas. A ideia foi abandonada, mas desde que Xi Jinping assumiu o comando da China em 2013, ele tem reafirmado a hegemonia do Partido Comunista (PC), reprimindo qualquer tentativa de dissidência na sociedade chinesa, e, agora, o Partido está flexionando seus músculos além das fronteiras.

No ano passado, milhões em Hong Kong protestaram contra um decreto de extradição que iria borrar a linha que separa os dois sistemas. Nas eleições distritais de novembro, a maioria votou a favor dos que apoiaram os protestos. Agora, prevendo a eleição de uma nova maioria democrática para o Conselho Legislativo em setembro, o Congresso chinês, usurpando as prerrogativas do Parlamento de Hong Kong, anunciou uma nova legislação que garantirá ao Ministério de Segurança chinês reprimir direitos de reunião e expressão com a mesma brutalidade com que opera no território chinês. Como disse o Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, isso equivale a uma “sentença de morte” à autonomia de Hong Kong. Mal saídos da quarentena, milhares de cidadãos de Hong Kong foram às ruas, e as apreensões dos investidores sobre o futuro financeiro de Hong Kong levaram à pior queda em seu mercado de capitais em cinco anos.

Não se trata de uma manobra isolada. Desde abril, a China já abalroou um navio vietnamita em águas sob disputa no Mar do Sul chinês e estabeleceu duas unidades administrativas em ilhas reclamadas pelo Vietnã. Além disso, realizou manobras navais ostensivas próximas a uma sonda petrolífera no litoral da Malásia e reagiu com ameaças à possibilidade de Taiwan ser incluída na Assembleia-Geral da OMS, declarando que a reunificação é “inevitável”. Além da Ásia, o Partido está investindo pesadamente em campanhas de propaganda e desinformação para desmoralizar a resposta dos países ocidentais à pandemia e consolidar uma narrativa triunfalista da atuação chinesa, enquanto seus diplomatas ameaçam retaliar qualquer proposta de investigar a origem do vírus. A Austrália já sofreu sanções comerciais.

Essas agressões pedem uma resposta enérgica da comunidade global, em especial do Reino Unido – que costurou o tratado de autonomia de Hong Kong –, dos EUA e dos investidores internacionais. No ano passado, uma comissão bipartidária do Congresso norte-americano propôs uma legislação para implementar sanções oficiais a qualquer tentativa de impor uma lei de segurança sobre Hong Kong. Os avanços de Pequim devem esquentar a guerra fria que vem sendo buscada com empenho tanto por Xi Jinping como por Donald Trump para agradar às hostes nacionalistas de seus respectivos países.



 O fato é que o mundo precisa se adaptar a esta ameaça crescente. Como disse o cientista político Nick Timothy em artigo no Telegraph, as manobras de Pequim “mostram que a China não é apenas mais um parceiro comercial, um país que se abrirá e se tornará mais liberal quanto mais se expuser aos costumes ocidentais”. Conforme advertiu Chris Patten, o último governante britânico de Hong Kong, “podemos confiar no povo da China, como os valentes médicos que tentaram soar o alarme sobre a camuflagem dos primeiros estágios da pandemia. Mas não podemos confiar no regime de Xi Jinping”.

Editorial -  O Estado de S. Paulo