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segunda-feira, 19 de junho de 2023

França, Itália e Alemanha resistem à loucura das palavras “inclusivas”

Europeus rejeitam modismo que começou nos Estados Unidos, uma mudança da língua feita de cima para baixo, das elites para o povão

 

“Cada vez que um apresentador de noticiário usa a linguagem sensível aos gêneros, mais algumas centenas de votos vão para a AFD”.

Assim resumiu a encrenca o líder democrata-cristão Friederich Merz, da direita tradicional, referindo-se ao avanço do partido de direita nacionalista, o Alternativa para a Alemanha, conseguido simplesmente pela revolta de eleitores comuns com as maluquices politicamente corretas que pretendem inverter a dinâmica das línguas, organismos vivos que mudam de baixo para cima, com mudanças impostas de cima para baixo.

E a coisa está funcionando: segundo a mais recente pesquisa, 18% dos alemães apoiam atualmente o AFD, um choque para todo o resto do espectro político.

Em alemão, um idioma com palavras conglomeradas em blocos, a novilíngua é mais complicada ainda. 
Para se referir aos espectadores sem usar a forma masculina, que engloba tudo, apresentadores de televisão têm que usar a seguinte versão supostamente inclusiva: Zuschauer*inner. 
Antes que o modismo americano batesse até na língua de Goethe, Zuschauer bastava.
Professores viram Lehrer*inner. 
Trabalhadores estrangeiros (ou estrangeires), Arberitgeber*inner.

A tendência natural das línguas à simplificação, mesmo no alemão, é assim contrariada.  “Todo esse debate sobre gênero é uma pomposidade de pessoas que não fazem ideia do que é a língua”, reclamou recentemente o conhecido apresentador Wolf Schneider, citado pelo Telegraph.

Nas línguas latinas, que têm flexão de gênero, como o português, o debate fica ainda mais surreal.

A maior prova disso é que os defensores da linguagem falsamente inclusiva querem impor o uso de abominações como “todes” ou “menines”, como na Espanha é claro que fomos correndo copiar —, mas quando uma palavra é neutra, como presidente, defendem a flexão feminina, presidenta — desde, claro, que a envolvida seja de esquerda; se for de direita, tendem a usar algum adjetivo ofensivo.

Na França, foi um auê quando um dos mais tradicionais dicionários, o Le Robert, passou a incorporar o pronome “iel” como alternativa aos tradicionais, “il” e “elle”, ele e ela.

Até Brigitte Macron, que sensatamente procura evitar polêmicas, opinou: “Ele e ela, já está bom. A língua é tão bela. Dois pronomes bastam”.

Detalhe: ela foi durante toda sua vida profissional professora de literatura — e das boas, atestam ex-alunos — e também dava aulas de teatro quando conheceu o marido, ainda estudante. Hoje, dá aulas de francês num projeto para jovens adultos.

O ministro da Educação na época em que eclodiu o debate linguístico, Jean-Michel Blanquer, foi mais incisivo: “Querem triturar o francês”.

“A escrita inclusiva não é o futuro da língua francesa”, estrilou.

“É o ápice da loucura, apresentado sob a bandeira do politicamente correto”, concorda um abaixo-assinado que corre na Itália contra uma iniciativa semelhante — e mais indigente ainda, como se fosse possível. 

Em lugar de “lui” e “lei”, os pronomes pessoais teriam a vogal central substituída pelo “schwa”, semelhante à letra “e” invertida. O schwa é usado no Alfabeto de Linguagem Fonética aqueles hieróglifos que ninguém entende — para representar o som entre “a” e “e” que é muito comum na língua inglesa. Sequer existe um som parecido em italiano.

As consequências de obrigar os italianos a pronunciar um som alheio ao idioma de Dante seriam “involuntariamente cômicas”, diz o acerbo abaixo-assinado, que tem o apoio das presidente da Accademia della Crusca, equivalente à Academia de Letras.

A inclusividade de gêneros já acontece na prática de forma natural, não forçada pela ideologia “woke” — uma palavra importada diretamente dos Estados Unidos que tende a deixar muitos franceses loucos da vida e prever, algo exageradamente, o fim da civilização ocidental, entre outros males.

Diante do total predomínio feminino no professorado, por exemplo, é comum que suas congregações sejam tratadas como “professoras”mesmo que existam representantes do cromossoma XY entre elas.

Diplomatas, artistas, juristas, analistas, economistas, massagistas, estetas e, claro, jornalistas, entre outras atividades terminadas em “a”, deveriam mudar para o “e” em nome da inclusividade?

Seria, obviamente, uma estupidez. 

É conservadorismo, ou até reacionarismo, resistir às mudanças “woke”? Acabaremos “todes” dizendo “todes”?

Conservar um patrimônio comum como a língua não significa zelar por um monumento imutável. 
Aliás, querendo ou não, weekend, outdoor, aids, covid, sexy, shorts, sale, wifi, reset e web estão organicamente instalados nas línguas ocidentais, para desespero dos puristas.  
E também compliance, uma palavra que nem tinha sinônimo para significar a adesão aos mandamentos éticos das empresas.

Mudanças boas, como a condenação ao assédio sexual em geral e nos ambientes de trabalho em particular, e à discriminação de todo tipo não podem ser obscurecidas pelos absurdos do “wokismo”, um exagero tão anglo-saxão que nem tem tradução. 

Décadas atrás, se diria conscientização uma palavra comprida demais e, em muitos sentidos, ultrapassada. Exigia, por exemplo, que todo mundo lesse Marxou pelo menos os textos principais e os mais relevantes comentários a respeito. Tudo analisado em grupos de estudos. 
Depois, ainda tinham que militar muito para ganhar o direito de se declarar “marxistas”. 
Eram, na maioria, universitários mimados, como “todes” que hoje querem impor mudanças linguísticas da elite para o povão, e tinham o resto da vida para se arrepender. 

Já na língua conspurcada por asneiras, o arrependimento não apagará o que já foi escrito.

Vilma Gryzinski, Mundialista - VEJA

 

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Por que a OMS está sexualizando as crianças?- Revista Oeste

Frank Furedi

A sociedade adulta precisa lutar contra essa campanha de doutrinação silenciosa

 

 Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

A Organização Mundial da Saúde (OMS) parece estar determinada a sexualizar as crianças há mais de uma década.

Um guia contendo orientações da OMS sobre “educação sobre sexualidade”, lançado para políticos e especialistas em educação europeus, em 2010, se mostrou muito influente. Ele afirma que “a educação em sexualidade começa no nascimento”. E insiste que até mesmo crianças muito novas devem ser encorajadas a “fazer perguntas sobre sexualidade” e “explorar [suas] identidades de gênero”. Partes dele são realmente assustadoras. Por exemplo, ao afirmar que as crianças de 4 anos ou menos devem aprender sobre “prazer e satisfação ao tocar o próprio corpo” e sobre “masturbação na primeira infância”.

Como o Telegraph afirmou neste fim de semana, as orientações foram traduzidas para diversas línguas europeias e promovidas em eventos nacionais e internacionais. E foram citadas diretamente pelo governo do País de Gales antes da implantação de seu currículo de educação sexual obrigatório nas escolas no ano passado.

O propósito do guia da OMS, que foi prontamente adotado por autoridades de educação e saúde nos últimos dez anos, aproximadamente, não é a educação — é a doutrinação. Isso fica claro pela ênfase que a OMS dá à “educação sobre sexualidade”, em vez do que costumava ser conhecido como “educação sexual”.  
Existe uma diferença importante entre os dois termos. 
Enquanto a educação sexual envolve ensinar às crianças sobre sexo e reprodução humana, a “educação sobre sexualidade” tem como foco identidade de gênero e sexual. Como parte da “educação sobre sexualidade”, as crianças não estão aprendendo fatos da vida. Elas estão aprendendo uma ideologia altamente contestada.

O guia da OMS afirma que a identidade de uma criança é definida por sua sexualidade. Na verdade, isso é uma projeção das obsessões adultas sobre sexo e gênero nas crianças. Ilustração: Larisa Rudenko/Shutterstock

A tentativa da OMS de sexualizar as crianças já seria ruim por conta própria. O que torna as coisas piores é que ela tem sido promovida sem o conhecimento dos pais. Para os especialistas, pelo jeito, isso é uma coisa boa. Em um artigo acadêmico de 2018, o educador sexual Evert Ketting celebrou o surgimento da “educação para a sexualidade” na Europa como uma “revolução silenciosa”. E celebrou o fato de que “essa mudança importante e revolucionária” está ocorrendo “despercebida e basicamente não documentada”.


Os defensores da educação sobre sexualidade estão desorientando e perturbando as crianças. E as estão mergulhando em uma crise de identidade desde os seus primeiros anos

Não vamos nos enganar: a OMS, diversas ONGs e toda uma gama de políticos estão doutrinando os jovens sorrateiramente. E estão travando uma guerra cultural nos bastidores. Por isso, uma ONG que apoia a “educação sobre sexualidade” chegou até a chamá-la de “um veículo para mudança social”. E afirmou que, por meio do avanço da ideologia de gênero nas escolas, “temos uma oportunidade de ouro de promover uma mudança cultural” e desmontar “sistemas de poder, opressão e desinformação”. Ela chega a dizer que a “educação sobre sexualidade” pode ajudar a destruir a “supremacia branca”. Sede da Organização Mundial da Saúde em Genebra, Suíça | Foto: Shutterstock

Está claro que essa revolução silenciosa não está sendo motivada por uma preocupação com a educação e o bem-estar das crianças. Na verdade, ela está sendo motivada por um desejo de mudar as atitudes e os valores da sociedade, e está usando as crianças para fazer isso. Essa exploração dos mais jovens para fins políticos está causando sérios danos. Os defensores da educação sobre sexualidade estão desorientando e perturbando as crianças. E as estão mergulhando em uma crise de identidade desde os seus primeiros anos.

A sociedade adulta precisa lutar contra essa campanha de doutrinação silenciosa.Famílias com crianças desfilando em parada LGBT, em Budapeste, Hungria | Foto: Shutterstock

Frank Furedi é diretor executivo do think-tank MCC-Bruxelas

Leia também “O populismo cresce na Europa”

Spiker - Frank Furedi  - Revista Oeste

 

terça-feira, 16 de março de 2021

Em quem acreditar, na AstraZeneca ou nos países que a suspenderam? - Blog Mundialista

Vilma Gryzinski

Suspensão na aplicação da vacina na Alemanha, França e Itália, para investigar relação com doenças causadas por coágulos, cria angústia

É um dilema terrível numa hora péssima. Importantes países europeus suspenderam a vacinação com o imunizante da AstraZeneca exatamente num momento em que, em meio a um ritmo bem longe de acelerado das campanhas, aparecem sinais de hesitação entre a opinião pública. Depois que países menores, como Noruega, Dinamarca, Irlanda e Holanda, interromperam a aplicação, europeus com mais peso, como Itália, França e Alemanha, aderiram à suspensão e aumentaram o clima de ansiedade que já existia em relação à vacina.

A Áustria já havia isolado um lote da vacina, pelo mesmo motivo que os outros: um caso de morte por trombose dez dias depois da vacinação e outro de hospitalização pelo mesmo problema. Coágulos que se desprendem e andam pela corrente sanguínea podem causar doenças graves, potencialmente fatais, como embolia pulmonar, trombose venosa profunda e trombocitopenia.

Como um simples cidadão na fila da vacina pode tomar decisões quando as informações são tão conflitantes? Não existem respostas fáceis.

A Agência Europeia de Medicamentos e a Organização Mundial de Saúde disseram que não existem evidências de relação entre a vacina da farmacêutica anglo-sueca, desenvolvida em parceria com Oxford, e a ocorrência de coágulos. A agência regulatória do Reino Unido, onde a vacina foi desenvolvida e é motivo de muito orgulho nacional, também está revisando as informações, mas “devido à frequência com que os coágulos podem acontecer naturalmente, a evidência disponível não sugere que a vacina seja a causa”.

A AstraZeneca, que assumiu o compromisso de não lucrar com a vacina enquanto durar a epidemia, fora, evidentemente, o enorme benefício para sua imagem, tem o máximo interesse em defender seu produto com base em evidências. No domingo, apenas um dia antes da nova onda de suspensões, divulgou um estudo de grandes proporções, com mais de 17 milhões de pessoas vacinadas em países da União Europeia e no Reino Unido.  “Uma revisão cuidadosa de todos os dados de segurança não mostrou nenhuma evidência de aumento do risco de embolia pulmonar, trombose venosa profunda ou trombocitopenia, em qualquer faixa etária, gênero e lote, ou em qualquer país em particular”, diz a análise. “Na verdade, o número observado desse tipo de evento é significativamente mais baixo entre os vacinados do que o que seria esperado entre a população em geral”.

Os benefícios da vacina da AstraZeneca para pessoas com mais de 65 anos já haviam sido contestados pela Alemanha e pela França, via seu presidente, Emmanuel Macron, mas depois houve um recuo. O vai-e-vem de informações evidentemente é muito ruim do ponto de vista da saúde pública, embora não seja imprevisível.  Só na vida real, com a vacinação na casa de dezenas ou centenas de milhões de vacinados, podem ser confirmados os resultados dos testes, feitos, no máximo, com dezenas de milhares de voluntários. A necessidade da aprovação emergencial da vacina é autoexplicativa.

Dos dezessete milhões de vacinados na Europa, houve quinze casos de trombose venosa profunda e 22 de embolia pulmonar. Ou seja, um total de 37 eventos.  Obviamente, pessoas mais velhas – a população que está tendo precedência na vacinação – são mais propensas a sofrer distúrbios de coagulação.  Existe a seguinte conta: como uma em cada mil pessoas sofrem anualmente de doenças provocadas por coágulos sanguíneos, 17 mil entre os os 17 milhões de vacinados sofrerão o problema no prazo de um ano. Por semana, a conta é de 320 casos.

Deveriam as pessoas que ainda esperam sua dose ficar tranquilas em países que não suspenderam a vacinação?  A resposta dos especialistas é sim. Os benefícios da vacinação em massa são evidentes no Reino Unido, onde 38% da população já foi imunizada, o que se reflete na queda contínua e acentuada de casos de Covid-19, hospitalizações e mortes. Do ápice de 1.823 mortes em 21 de janeiro passado, um número proporcionalmente mais dramático do que os registrados nos últimos dias no Brasil, que tem população três vezes maior, o país caiu para 64 óbitos no domingo passado, uma queda nada menos que fenomenal. “Se houver uma evidência clara de efeitos colaterais graves, isso terá consequências importantes”, disse ao Telegraph o professor Adam Finn, membro do comitê de vacinação do reino.  “No entanto, enquanto não houver, é altamente indesejável interromper um programa complexo e urgente cada vez que alguém desenvolve doenças depois de receber uma vacina, o que pode ser coincidência sem relação causal”.

Outro especialista, Peter English, foi mais longe. “É lamentável que países tenham interrompido a vacinação com base no princípio da precaução: arriscam prejudicar seriamente a meta de vacinar uma quantidade suficiente de pessoas para desacelerar a propagação do vírus e acabar com a pandemia”. Outra hipótese instigante: como os coágulos são frequentes em pessoas com Covid-19, os casos ocorridos depois da vacinação podem incluir pessoas que já estavam contagiadas, sem saber.“Espero sinceramente que, dentro de uma semana, sejamos acusados de ter sido cautelosos demais”, disse Ronan Glynn, da cúpula da saúde na Irlanda.

Problema: tanto o excesso de cautela quanto a falta dela, no caso de uma doença como a Covid-19, redundam em perda de vidas. O jornalista Stanley Pignal, da Economist, fez a seguinte conta: “Se você vacina 100 mil pessoas com mais de 50 anos hoje e não amanhã, salva quinze vidas, segundo uma análise francesa. A Alemanha tem agora 1,7 milhão de doses de vacinas da AstraZeneca que não estão sendo aplicadas. Se houver um atraso de uma semana, a conta é de 1.785 mortes”.

Seja qual for o resultado dos estudos feitos pelos países onde a Oxford/AstraZeneca está suspensa, vai aumentar a rejeição da população e as consequências serão muito piores do que se houvesse tolerância para um número baixo de efeitos colaterais negativos. As decisões individuais, claro, pertencem a cada um e seria positivo se não fossem tomadas num clima de medo ou desconfiança. Infelizmente, isso está ficando mais difícil.

Blog Mundialista - Vilma Gryzinski -  VEJA

 

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Pandemia: até quando o povo e a economia aguentam?

 Vilma Gryzinski

Na primeira onda, havia um clima de medo diante do desconhecido; agora, mesmo entre os resignados, imperam a descrença e até o repúdio

E se as vacinas tiverem efeitos limitados? 
E se os mais prejudicados em seu ganha-pão não aceitarem resignadamente o que os novos confinamentos prenunciam? 
E se as economias nacionais não suportarem continuar a manter trabalhadores que não trabalham e empresas que não empreendem?

A semana nem chegou ao meio e a sucessão de más notícias na Europa já derrubou as bolsas, os ânimos e os planos de recuperação dos que escaparam dos estragos da primeira onda da pandemia. Os governantes que juraram nunca, jamais decretar de novo um confinamento tiveram que voltar atrás depois que o número de mortos, reduzidos a quase zero, voltou a entrar na casa das centenas por dia.

Como num jogo de dominó, foram tombando Espanha, França, Itália, Inglaterra, Alemanha. Todos tentando preservar as escolas, cujo fechamento se mostrou tão deletério para as crianças, ou dar alguma esperança de sobrevivência a setores tão devastados como o de bares e restaurantes. Deixá-los funcionar apenas até as 18 horas, como na Itália, não acalmou protestos de garçons, taxistas e oportunistas em geral. 

No mesmo país que, com todo seu poder de dramaticidade, a união nacional diante da peste foi orgulhosamente proclamada das sacadas em que se cantava ópera, o clima está mais para desunião. “Liberdade, liberdade, liberdade”, entoavam manifestantes em Milão, Turim e Nápoles, como na época do Ressurgimento, o movimento do século 19 que levou à unificação da Itália dividida. Também houve protestos na Espanha e na Alemanha, nessa de trabalhadores da “veranstaultungsbranche”, a indústria de eventos, uma das mais atingidas. 

A passividade temerosa dos primeiros meses da pandemia está menos unânime nessa nova fase de proibições. No início da crise, a oposição ao fechamento total partiu principalmente da direita libertária, afetada em seus fundamentos pela intervenção em massa nas atividades privadas. Agora, são as camadas mais prejudicadas pela paralisação que se manifestam.

Para qualquer lugar que se olhe, as perspectivas são negativas. “Vai ser pior dessa vez, com mais mortes”, disse ao Telegraph uma fonte com conhecimento dos prognósticos apresentados a Boris Johnson pelos especialistas que assessoram o governo britânico. “Foi essa a projeção apresentada ao primeiro-ministro, agora fortemente pressionado a impor um novo confinamento”. O cenário projetado é parecido com o do platô infernal que reinou no Brasil durante os meses em que as mortes estabilizaram-se num patamar alto e demoraram para começar a cair.

Na pior projeção, poderia haver 85 mil mortes, quase o dobro do atual total de 45 mil. Os prognósticos altamente negativos estão sendo vazados para convencer a opinião pública a aceitar restrições maiores ainda.

Boris Johnson, Emmanuel Macron e outros líderes europeus estão lidando com a possibilidade de que um confinamento total ou parcial em novembro possibilite um pequeno relaxamento no Natal, um respiro para não estragar totalmente as festas em família. Está difícil. A polícia britânica avisou que, embora não seja sua função, poderá registrar flagrantes de famílias que não obedeçam a regra proibindo que integrantes de domicílios diferentes se reúnam sob o mesmo teto  e cometam o grave crime de comemorar o Natal.

Os pequenos ditadores que moram no fundo de todas as instituições afloraram. No País de Gales, um dos quatro componentes do Reino Unido,  o governo mandou selar todas as gôndolas de supermercados que não tenham produtos de primeira necessidade. E o que são eles? É claro que o governo baixou uma diretiva definindo-os. Brinquedos e enfeites de Natal estão na lista dos proibidões, provavelmente feita por gente que não precisa administrar crianças presas em casa na época das festas de fim de ano.

Um desses burocratas tinha proibido, inicialmente, os tampões absorventes. Certamente não foi uma “pessoa que menstrua”,  a nova designação de mulher. 

Blog Mundialista Vilma Gryzinski, jornalista - Veja - leia MATÉRIA COMPLETA


sábado, 30 de maio de 2020

O dragão chinês mostra as garras – Editorial - O Estado de S. Paulo

Agressão do PC chinês a Hong Kong pede uma resposta enérgica da comunidade internacional 


Enquanto o resto do mundo combate a pandemia, a China realizou sua manobra mais truculenta contra a autonomia de Hong Kong e Taiwan. No dia 20, o Congresso do Povo anunciou planos navais de assalto a uma ilha controlada por Taiwan e aprovou uma moção para uma nova lei de segurança em Hong Kong que, na prática, desmantelará o modelo “um país, dois sistemas”.

Em 1997, quando o Reino Unido passou o controle de Hong Kong à China, um tratado forjado nas Nações Unidas garantiu as liberdades políticas e o estilo de vida da população até 2047. O artigo 23 da “lei básica” de Hong Kong efetivamente previu que o seu Parlamento elaboraria uma legislação proibindo atos de “traição, secessão, sedição ou subversão” contra o governo chinês. Em 2003, as tentativas das autoridades pró-comunistas de impor uma legislação draconiana levaram 500 mil cidadãos de Hong Kong às ruas, no maior protesto em décadas. A ideia foi abandonada, mas desde que Xi Jinping assumiu o comando da China em 2013, ele tem reafirmado a hegemonia do Partido Comunista (PC), reprimindo qualquer tentativa de dissidência na sociedade chinesa, e, agora, o Partido está flexionando seus músculos além das fronteiras.

No ano passado, milhões em Hong Kong protestaram contra um decreto de extradição que iria borrar a linha que separa os dois sistemas. Nas eleições distritais de novembro, a maioria votou a favor dos que apoiaram os protestos. Agora, prevendo a eleição de uma nova maioria democrática para o Conselho Legislativo em setembro, o Congresso chinês, usurpando as prerrogativas do Parlamento de Hong Kong, anunciou uma nova legislação que garantirá ao Ministério de Segurança chinês reprimir direitos de reunião e expressão com a mesma brutalidade com que opera no território chinês. Como disse o Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, isso equivale a uma “sentença de morte” à autonomia de Hong Kong. Mal saídos da quarentena, milhares de cidadãos de Hong Kong foram às ruas, e as apreensões dos investidores sobre o futuro financeiro de Hong Kong levaram à pior queda em seu mercado de capitais em cinco anos.

Não se trata de uma manobra isolada. Desde abril, a China já abalroou um navio vietnamita em águas sob disputa no Mar do Sul chinês e estabeleceu duas unidades administrativas em ilhas reclamadas pelo Vietnã. Além disso, realizou manobras navais ostensivas próximas a uma sonda petrolífera no litoral da Malásia e reagiu com ameaças à possibilidade de Taiwan ser incluída na Assembleia-Geral da OMS, declarando que a reunificação é “inevitável”. Além da Ásia, o Partido está investindo pesadamente em campanhas de propaganda e desinformação para desmoralizar a resposta dos países ocidentais à pandemia e consolidar uma narrativa triunfalista da atuação chinesa, enquanto seus diplomatas ameaçam retaliar qualquer proposta de investigar a origem do vírus. A Austrália já sofreu sanções comerciais.

Essas agressões pedem uma resposta enérgica da comunidade global, em especial do Reino Unido – que costurou o tratado de autonomia de Hong Kong –, dos EUA e dos investidores internacionais. No ano passado, uma comissão bipartidária do Congresso norte-americano propôs uma legislação para implementar sanções oficiais a qualquer tentativa de impor uma lei de segurança sobre Hong Kong. Os avanços de Pequim devem esquentar a guerra fria que vem sendo buscada com empenho tanto por Xi Jinping como por Donald Trump para agradar às hostes nacionalistas de seus respectivos países.



 O fato é que o mundo precisa se adaptar a esta ameaça crescente. Como disse o cientista político Nick Timothy em artigo no Telegraph, as manobras de Pequim “mostram que a China não é apenas mais um parceiro comercial, um país que se abrirá e se tornará mais liberal quanto mais se expuser aos costumes ocidentais”. Conforme advertiu Chris Patten, o último governante britânico de Hong Kong, “podemos confiar no povo da China, como os valentes médicos que tentaram soar o alarme sobre a camuflagem dos primeiros estágios da pandemia. Mas não podemos confiar no regime de Xi Jinping”.

Editorial -  O Estado de S. Paulo