Miller disse a colega que recebeu alerta de 'insider' sobre ação da Lava Jato
O ex-procurador Marcello Miller recebeu com ao menos um dia de antecedência, e quando já atuava como advogado da J&F, a informação de que a força tarefa da Lava Jato deflagraria uma de suas mais importantes operações: a que levou à prisão de Andrea Neves, irmã do senador Aécio Neves (PSDB-MG), e do primo do tucano, o empresário Frederico Pacheco.
O vazamento foi registrado por
ele mesmo, em mensagem a uma advogada que era sua parceira no caso. Miller
discutia com Esther Flesch um contrato que ampliaria os valores de honorários
pagos pela JBS à dupla. Às 8h15
de 17 de maio, o ex-procurador foi informado de que o escritório Trench Rossi
Watanabe, no qual estava atuando, não aceitaria os termos propostos por ele
numa minuta do trato. Neste
momento, ele diz a Esther que ela deveria readequar a proposta, e avisa:
"Vamos correr, porque a informação insider é a de que a operação pode ser
deflagrada amanhã" (sic).
Às 19h30
do mesmo dia, o jornal "O Globo" publicou em seu site a informação de
que os donos da JBS haviam fechado um acordo de delação premiada. A matéria
dizia que Joesley Batista havia gravado uma conversa com o presidente Michel
Temer e que o empresário também havia apresentado grampos de um encontro em que
Aécio pedia R$ 2 milhões a ele. Às 6h do
dia seguinte, 18, a Lava Jato deflagrou a operação Patmos, prendendo a irmã do tucano, seu
primo e um assessor do senador Zezé Perrela (MDB-MG) sob a acusação de que
teriam ajudado Aécio a obter o dinheiro. A Patmos
disparou 41 mandados de busca e apreensão em quatro Estados. A irmã do doleiro
Lúcio Funaro também foi encarcerada. Já Aécio foi afastado do mandato pelo
ministro Edson Fachin.
A
conversa que registra o vazamento de informação da Lava Jato foi obtida em
mensagens de WhatsApp trocadas por Miller e Flesch. Os dados foram coletados em
um telefone funcional da advogada pelo Trench Rossi Watanabe. Fachin autorizou
a quebra do sigilo telefônico. Na
mensagem à colega, Miller não diz quem lhe repassou a informação de que a
operação seria deflagrada. Mas ao usar o termo "insider", o
ex-procurador dá a entender que obteve o relato junto aos investigadores. Àquela
altura, a participação de Miller nas tratativas da JBS com a Procuradoria ainda
não havia sido explorada pelos políticos que foram alvo da delação do grupo.
Vínculo
O vínculo
dele com o gabinete do ex-procurador-geral Rodrigo Janot foi escancarado dias
depois pelo presidente Michel Temer, em um pronunciamento. Quando a crise
escalou, Miller começou a discutir com Flesch sua própria estratégia de defesa. No dia 20
de maio, ele escreveu: "Pellela acabou de confirmar: PGR solta nota agora.
Curta. Negando minha participação em delação". Eduardo
Pellela era chefe de gabinete de Janot. Miller informou sobre a nota às 10h57.
O texto só foi tornado público às 13h45 daquele dia.
Enquanto
atuou na Procuradoria, Miller era visto como um quadro muito próximo a Janot.
Ele teve atuação decisiva em delações que envolveram gravações ocultas de
autoridades, como o ex-senador Delcídio do Amaral e a cúpula do MDB, grampeada
por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. Miller
foi contratado pela J&F, por meio do Trench Rossi Watanabe, para
cuidar do acordo de leniência do grupo —instrumento diverso da delação. No
entanto, há evidências de que ele também orientou a colaboração dos irmãos
Batista, inclusive enquanto ainda estava na PGR. A atuação
do ex-procurador na delação da JBS começou a ser formalmente investigada em
setembro do ano passado. Nas mensagens que ele trocou com Flesch fica claro que
delação e leniência eram tocadas em parceria.
Outro lado
A
assessoria do ex-procurador Marcelo Miller disse que a informação de que uma
operação da Lava Jato seria deflagrada no dia seguinte à troca de mensagens
"não adveio de nenhum órgão estatal".
"O
conteúdo da mensagem não adveio de nenhum órgão estatal, tendo origem na sua
atuação como advogado, o que o obriga a preservar o sigilo profissional",
disse.
À
Folha, a assessoria destacou que Miller já estava desligado dos quadros do
MPF (Ministério Público Federal) "havia mais de 40 dias" quando
enviou a mensagem.
(...)
O
escritório Trench Rossi Watanabe disse, em nota, que sempre
"colaborou com as autoridades", destacou que os envolvidos não fazem
mais parte de seu quadro de sócios e manifestou "total disposição" em
auxiliar nas investigações. Em nota,
a assessoria de comunicação da Procuradoria Regional da República da 3ª Região
afirmou que Eduardo Pelella "repudia as ilações, desprovidas de
embasamento fático, envolvendo seu nome".
(...)
Folha de S.Paulo