Correio Braziliense
''Moro deixa a esquerda no dilema de ter de elogiar o juiz que condenou Lula e os tesoureiros do PT. Pode ser instrumento de quem se alia até ao coronavírus para enfraquecer o presidente''
Foi uma grande perda para o governo, a saída do ex-juiz Sergio
Moro, símbolo do combate à corrupção e um dos ícones do ministério.
Ainda ministro, fez denúncias contra seu chefe, segundo as quais
Bolsonaro queria ter “relações impróprias com a Polícia Federal”.
Despediu-se oferecendo-se “à disposição do país”. Quando Mandetta estava
no auge, um veterano prócer político do Paraná me disse que iria
lançá-lo como imbatível candidato à Presidência da República. Alertei-o
de que se tratava de um cometa. Brilhou e passou. Moro tem mais luz
própria, está mais para astro e pode gravitar na política.
Perda
para o governo, sim, mas sua saída pode atrapalhar a oposição, se não
ficar restrita à sua perda de uma carreira de juiz e de uma cadeira no
Supremo. Pode ser candidato antiBolsonaro. E aí o sonho de Moro vira
pesadelo para aspirantes que se expuseram à chuva antes do tempo. Moro
deixa a esquerda no dilema de ter de elogiar o juiz que condenou Lula e
os tesoureiros do PT. Pode ser instrumento de quem se alia até ao
coronavírus para enfraquecer o presidente. Mas, como ele disse, tem a
biografia. Que ficou arranhada com a divulgação dos prints de pessoas
que nele confiaram, seu chefe e sua afilhada de casamento.
O ministro-relator Celso de Mello concedeu a abertura de
investigação sobre as denúncias de Moro para apurar os interesses do
presidente na PF, mas também para saber se houve denunciação caluniosa e
crimes contra a honra por parte de Moro. No Supremo, Gilmar,
Lewandowski e Toffoli são críticos do juiz Moro. O mesmo acontece com
Rodrigo Maia, com a esquerda magoada e com investigados do Centrão, na
Câmara.
Rodrigo Maia acaba de repetir que não é
tempo de impeachment. Ele sabe que não há votos para isso. Só as
bancadas ruralista, evangélica e da segurança já garantem que não passa.
Além do que, a esquerda há de se perguntar se não seria melhor ficar
desgastando Bolsonaro a ter na Presidência um duro como Mourão. O mais
decisivo é que não há impeachment sem povo.
Goulart foi derrubado porque
antes o povo ocupou as ruas;
Jânio não conseguiu voltar atrás na
renúncia porque o povo não saiu por ele;
Collor pediu o povo a seu
favor, e o povo veio contra;
e Dilma foi o que vimos.
Moro saiu, e o
presidente aproveitou para vitaminar Guedes e Tereza Cristina,
encerrando incertezas do mercado e do agro. E Bolsonaro põe na polícia e
no ministério gente de confiança. André Mendonça é um premiado no
combate à corrupção. Ramagem fez a segurança do candidato Bolsonaro. A
mudança deixa mais tranquilo o presidente. Mas, para a oposição, o fator
Moro “à disposição do país” pode ser motivo de intranquilidade.
Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense