O Estado de S.Paulo
O governo brasileiro comemora um gesto amistoso do governo americano
Dá para entender a empolgação do governo brasileiro com a renovada
garantia verbal de Washington de apoiar o Brasil como primeiro da fila
para ingresso na OCDE. Trata-se de comemorar algum carinho vindo de
Trump, depois de vários tapas. A OCDE congrega aproximadamente 80% do comércio e investimentos
mundiais, e aí estão incluídos os 36 integrantes da organização e seus
“key partners”, entre os quais figuram Brasil, China, Índia, Indonésia e
África do Sul. Na América Latina, o México faz parte desde 1994, e o
Chile, desde 2010. A Colômbia foi convidada oficialmente em 2018 e,
desde 2015, a OCDE negocia a entrada da Costa Rica.
A mais recente adesão foi da pequena Lituânia, completando o “cerco” de
países bálticos junto à Rússia, cujo acesso foi congelado em 2014 logo
após a anexação da Crimeia. É óbvio que é um gesto político a aceitação
de países na organização – cuja lista de membros iniciais em 1961
obedecia às principais alianças políticas e militares ocidentais da
(mais as então “neutras” Áustria e Suíça). A Índia tem relutância de caráter doméstico em integrar-se ao grupo,
enquanto a entrada da China é parte de uma formidável relação
geopolítica com os Estados Unidos, mas os dois gigantes asiáticos são
alvo de resistência americana por uma outra questão que envolve o
Brasil: é a designação como “país em desenvolvimento” aplicada pela
Organização Mundial do Comércio. Essa definição, que garante tratamento
preferencial a esse grupo dentro da OMC (e interessa, obviamente, ao
Brasil), é alvo de Trump.
Em outras palavras, Trump acha que um país não merece fazer parte da
OCDE (“desenvolvidos”) e, ao mesmo tempo, desfrutar de tratamento
preferencial na OMC, cujo sistema de regras multilaterais o Brasil se
esforçou durante décadas para desenvolver e consolidar e está agora sob
feroz ataque do amigão na Casa Branca. Onde teremos de ceder? Em questões de comércio, aliás, o Brasil recebeu as piores bofetadas
verbais do presidente americano, que acusou o País (sem justificativa)
de “manipulador da própria moeda”. A quase infantil alegria com que a
diplomacia brasileira se alinha a Trump em votações na ONU (como o voto
contra resolução anual da ONU que condena o embargo econômico a Cuba,
posição que uniu todos os governos civis brasileiros) [que governos civis? o do condenado?
o da ensacadora de vento?
o do FHC? do Sarney?
uma das posturas certas do Brasil em política externa, está exatamente em votar contra a tal resolução da ONU - o embargo econômico contra Cuba só deve acabar, após Cuba acabar.] Ser favorável ao embargo econômico contrasta com o
pragmatismo com que vários setores manobram no amplo e complexo campo
das relações bilaterais com os EUA.
Os militares brasileiros, interessados em garantir acesso a tecnologias,
não aderiram ao esforço americano (entre outros países) de limitar por
princípio o direito do Irã de desenvolver métodos de separação de
isótopos (enriquecimento de urânio), pois isso significaria colocar sob
risco o próprio sistema de propulsão nuclear do projeto de submarino
brasileiro. Os acordos para a utilização da Base de Alcântara pelos
americanos não incluem restrições ao desenvolvimento de mísseis pelo
Brasil, uma velha e tradicional pressão americana.
Pragmática em relação a Washington tem sido sobretudo a postura dos
setores dinâmicos do agronegócio, que frearam arroubos diplomáticos
brasileiros de apoio a Trump equivalentes a uma espécie de vassalagem
quando se trata de posturas sobretudo na intrincada situação do Oriente
Médio. Produtores brasileiros são os principais competidores dos Estados
Unidos na produção de grãos e proteínas, num difícil jogo para
profissionais que envolve a União Europeia e, claro, o principal
parceiro comercial, a China – os interesses do agronegócio foram, até
aqui, a principal oposição a alguns aspectos relevantes da política
externa de Bolsonaro.
Todo mundo reconhece que relações entre países dependem de gestos também. Mas resultados práticos contam mais ainda.
William Waack, jornalista - Coluna em O Estado de S. Paulo