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quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Crianças à solta - William Waack

 O Estado de S.Paulo

Militares não foram capazes de entender que calar-se para grotescos erros, apegados a princípios como lealdade ou hierarquia, compromete as instituições

Vamos simplificar as questões de política externa do governo Jair Bolsonaro. Supunha-se que os adultos – militares com formação acadêmica e experiência direta de conflitos internacionais – fossem supervisionar as crianças. Aconteceu o contrário. As crianças é que emparedaram os adultos.

Em alguma medida, é uma repetição do que aconteceu na Casa Branca, onde gente de excelente formação profissional nas áreas de segurança, estratégia e relações internacionais foi chutada por um inepto como Donald Trump, que Bolsonaro escolheu emular. No Brasil, os órgãos de assessoramento da Presidência da República e o próprio Itamaraty acabaram sendo subordinados à profunda ignorância em matéria de relações internacionais de um filho do presidente e suas preferências pessoais.

Leia Também: Um duro recado

Os resultados negativos se acumulam. Com o resultado das eleições americanas, o Brasil conseguiu a proeza de se estranhar ao mesmo tempo com as duas principais potências do planeta, pois já se dedicava em provocar a China. Como 11 em 10 analistas de relações internacionais assinalaram, o campo da política externa é, por definição, o campo da impessoalidade, e o alinhamento automático de Bolsonaro ao perdedor Trump é um erro crasso não importa o mérito, postura ideológica ou intenções de qualquer um dos dois.[quanto as eleições americanas e o suporto estranhamento com os EUA, devemos lembrar que foi o atual presidente que, ainda candidato, passou a fazer ameaças ao Brasil - boicote, internacionalizar a Amazônia (cumplicidade com o presidente francês) ameaças que implicam em risco a nossa SOBERANIA NACIONAL.
Os atritos com a China e à Índia serão contornados, especialmente com o afastamento do palco do ainda chanceler.]

O mesmo vale em relação à China e à Índia. Somadas, essas duas gigantescas potências asiáticas têm mais ou menos uns 8 mil anos de experiência em política externa e conflitos geopolíticos de enorme amplitude. O Brasil desdenhou da Índia na Organização Mundial do Comércio, e tomou o troco ao ser jogado para o final da fila dos países para os quais os indianos estão exportando vacinas e insumos.

No caso da briga dos elefantes (China contra Estados Unidos) o Brasil desperdiçou a oportunidade que a geografia lhe dá de tratar a ambos com distanciamento e equilíbrio. Ao contrário, preferiu cutucar os chineses da forma infantil característica de amadores que acham que entendem de política externa, como acontece na assessoria internacional de Bolsonaro, ou confundem a repetição de lemas de movimentos de extrema-direita (contra a China, por exemplo) como afirmação de postulados nacionalistas.

Cego aos dados da realidade, Bolsonaro ainda não demonstrou ter compreendido a natureza das várias rasteiras internacionais que tomou nas últimas semanas, e o impacto que essas fragorosas derrotas – como o chute eleitoral levado por Trump e a recusa da Índia e China na questão das vacinas em nos atender nos prazos que pretendíamos – acarreta na posição política interna de um presidente que só pensa em reeleição.

O tamanho dos reveses exigiria de Bolsonaro uma rápida e nítida correção de rumo. Sim, estaria admitindo ter cometido erros grosseiros – por escolhas, repita-se, pessoais mas dado os trunfos que o Brasil ainda dispõe (Amazônia e produção de alimentos) conseguiria se reposicionar no cenário internacional. Um passo desses, porém, pressupõe dois fatores que não se vislumbra no momento.

O primeiro é Bolsonaro entender que na raiz das derrotas que Trump sofreu está o desprezo e a negligência em relação aos “staffs” profissionais treinados para tratar de complexas questões internacionais e suas implicações para os interesses do País. Ao se apegar ao que seu filho e amigos acham que é a política internacional, e relegar a terceiro plano a burocracia meritória do Itamaraty, por exemplo, o presidente apenas reitera uma conduta evidentemente errada.

O segundo fator que não se vislumbra está ligado à postura daqueles adultos – militares formados em academia de ótimo nível – que não foram capazes de entender que calar-se para os grotescos erros de política externa, apegados a princípios como lealdade ou hierarquia, compromete as instituições (Forças Armadas, por exemplo) às quais pertencem e, no final das contas, os torna cúmplices no estrago na defesa de interesses da Nação. 
["Constituição Federal, artigo 142, 'caput': 
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem." 
 
Muitos dirão: 'mas a Constituição não pode ser interpretada literalmente'.
 
Concordamos, com a ressalva de que nossa Lei Maior não pode ser objeto de interpretações criativas buscando adaptá-la, virtualmente, aos interesses dos inimigos do Brasil e do maldito politicamente correto.]
Em lugar nenhum eles aprenderam que o Brasil deveria ser um pária internacional. A posição na qual chegamos.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

OCDE e resultados - William Waack

O Estado de S.Paulo

O governo brasileiro comemora um gesto amistoso do governo americano

Dá para entender a empolgação do governo brasileiro com a renovada garantia verbal de Washington de apoiar o Brasil como primeiro da fila para ingresso na OCDE. Trata-se de comemorar algum carinho vindo de Trump, depois de vários tapas. A OCDE congrega aproximadamente 80% do comércio e investimentos mundiais, e aí estão incluídos os 36 integrantes da organização e seus “key partners”, entre os quais figuram Brasil, China, Índia, Indonésia e África do Sul. Na América Latina, o México faz parte desde 1994, e o Chile, desde 2010. A Colômbia foi convidada oficialmente em 2018 e, desde 2015, a OCDE negocia a entrada da Costa Rica.

A mais recente adesão foi da pequena Lituânia, completando o “cerco” de países bálticos junto à Rússia, cujo acesso foi congelado em 2014 logo após a anexação da Crimeia. É óbvio que é um gesto político a aceitação de países na organização – cuja lista de membros iniciais em 1961 obedecia às principais alianças políticas e militares ocidentais da (mais as então “neutras” Áustria e Suíça). A Índia tem relutância de caráter doméstico em integrar-se ao grupo, enquanto a entrada da China é parte de uma formidável relação geopolítica com os Estados Unidos, mas os dois gigantes asiáticos são alvo de resistência americana por uma outra questão que envolve o Brasil: é a designação como “país em desenvolvimento” aplicada pela Organização Mundial do Comércio. Essa definição, que garante tratamento preferencial a esse grupo dentro da OMC (e interessa, obviamente, ao Brasil), é alvo de Trump.

Em outras palavras, Trump acha que um país não merece fazer parte da OCDE (“desenvolvidos”) e, ao mesmo tempo, desfrutar de tratamento preferencial na OMC, cujo sistema de regras multilaterais o Brasil se esforçou durante décadas para desenvolver e consolidar e está agora sob feroz ataque do amigão na Casa Branca. Onde teremos de ceder? Em questões de comércio, aliás, o Brasil recebeu as piores bofetadas verbais do presidente americano, que acusou o País (sem justificativa) de “manipulador da própria moeda”. A quase infantil alegria com que a diplomacia brasileira se alinha a Trump em votações na ONU (como o voto contra resolução anual da ONU que condena o embargo econômico a Cuba, posição que uniu todos os governos civis brasileiros) [que governos civis? o do condenado? 
o da ensacadora de vento?
o do FHC? do Sarney?
uma das posturas certas do Brasil em política externa,  está exatamente em votar contra a tal resolução da ONU - o embargo econômico contra Cuba só deve acabar, após Cuba acabar.] Ser favorável ao embargo econômico contrasta com o pragmatismo com que vários setores manobram no amplo e complexo campo das relações bilaterais com os EUA.

Os militares brasileiros, interessados em garantir acesso a tecnologias, não aderiram ao esforço americano (entre outros países) de limitar por princípio o direito do Irã de desenvolver métodos de separação de isótopos (enriquecimento de urânio), pois isso significaria colocar sob risco o próprio sistema de propulsão nuclear do projeto de submarino brasileiro. Os acordos para a utilização da Base de Alcântara pelos americanos não incluem restrições ao desenvolvimento de mísseis pelo Brasil, uma velha e tradicional pressão americana.

Pragmática em relação a Washington tem sido sobretudo a postura dos setores dinâmicos do agronegócio, que frearam arroubos diplomáticos brasileiros de apoio a Trump equivalentes a uma espécie de vassalagem quando se trata de posturas sobretudo na intrincada situação do Oriente Médio. Produtores brasileiros são os principais competidores dos Estados Unidos na produção de grãos e proteínas, num difícil jogo para profissionais que envolve a União Europeia e, claro, o principal parceiro comercial, a China – os interesses do agronegócio foram, até aqui, a principal oposição a alguns aspectos relevantes da política externa de Bolsonaro.

Todo mundo reconhece que relações entre países dependem de gestos também. Mas resultados práticos contam mais ainda.
 
William Waack, jornalista - Coluna em O Estado de S. Paulo
 
 

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Um dia com altos e baixos - Míriam Leitão

Dia de vitória, mas também para decepção do governo

O governo brasileiro teve ontem uma vitória, um aviso e uma decepção. A 16ª Rodada de Licitação de petróleo arrecadou um volume alto de recursos, R$ 8,9 bilhões, e constatou mais uma vez o interesse das empresas estrangeiras na exploração de petróleo no Brasil. Isso é importante porque há dois outros leilões marcados para este ano. O aviso foi o fato de não aparecerem propostas para os blocos perto de Abrolhos, que o governo teimou em colocar na rodada, apesar dos alertas dos técnicos do Ibama. [a judicialização de tudo no Brasil imposta pela Constituição de 1988, permite criminalizar até pensamentos - ação que só era (continua sendo) punível pela Igreja Católica Apostólica Romana como pecado (dependendo mortal ou venial)  - prejudica até a recuperação econômica do Brasil.

Meio ambiente é importante e tem que ser preservado, mas, sem radicalismo - Abrolhos está sub judice e a Justiça Federal da Bahia, entendeu por bem,  a pretexto de alertar para uma pouco provável proibição da exploração de petróleo na região,  divulgou uma nota alertando para o risco de adquirir lotes na região - com isso, o Governo foi obrigado a retirar os lotes do leilão = uma provável, possível, futura decisão judicial impediu o Brasil de faturar mais alguns milhões.]

A decepção foi que os Estados Unidos indicaram a Argentina — e não o Brasil — para ser membro da OCDE.  O recado que ficou do leilão de petróleo confirma duas informações: primeiro, que o Brasil é visto como uma frente promissora de investimento na produção de óleo e gás, segundo, que as empresas não querem correr riscos desmedidos na área ambiental. Se quiser passar por cima do que dizem os cientistas ou os órgãos de controle, como o Ibama, o Brasil vai ficar falando sozinho, porque as empresas hoje têm satisfação a dar aos stakeholders, aos acionistas, consumidores e todos os que estão vinculados aos negócios da empresa.

No caso da OCDE, os governos brasileiro e americano tentaram dourar a pílula ao dizer que é apenas uma questão de “timing”, porque a Argentina está mais adiantada no processo de adesão ao chamado clube dos ricos. O Brasil ficaria para uma segunda oportunidade. O problema é que a Argentina está em pior situação econômica. A crise fiscal deles é maior, a inflação voltou aos inaceitáveis níveis de 50%, têm desequilíbrio no balanço de pagamentos e estão às vésperas de uma transição política de enorme incerteza. Se a entrada na OCDE é, como disse a nota do governo dos Estados Unidos, uma espécie de aval às reformas econômicas, a Argentina está muito mais longe dos parâmetros desejados do que o Brasil. 

Segundo a nota, fica mantida a declaração em que os EUA deram apoio ao desejo do Brasil de entrar na OCDE. Nela, foram saudados “os esforços contínuos do Brasil em relação às reformas econômicas, melhores práticas e conformidade com as normas” da organização. É óbvio que em relação à economia o Brasil está mais perto dessas normas do que a Argentina. E é evidente também que o apoio político não é apenas pela ordem de chegada, mas sim pela “conformidade” com as políticas defendidas pela OCDE.

Entrar na OCDE não nos faz um país desenvolvido. Essa foi a ficção vendida pelo governo Bolsonaro ao comemorar essa suposta vitória. As vantagens de estar na organização não são concretas. Estar lá é apenas fazer parte de discussão de políticas públicas e de definição de critérios de avaliação. Não tem o mesmo valor da contrapartida brasileira, que abriu mão das vantagens, do tratamento especial e diferenciado, como país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em consequência desse movimento, ele passou a ser olhado com desconfiança por outros países em desenvolvimento.

Na boa notícia do dia, o leilão de petróleo arrecadou mais do que o previsto, bateu o recorde de R$ 8 bi da 15ª Rodada, no ano passado, e teve um ágio médio de 322%, apesar de a atuação da Petrobras ser comedida. Já houve rodadas em que a estatal brasileira disputava várias áreas ao mesmo tempo, e isso acabava resultando num número bom, mas não ampliava a quantidade de investidores no setor.

O problema é que o governo não entendeu a parte em que o mercado avisou que ele deve evitar. Nenhuma empresa deu lances na exploração dos blocos perto do Parque Marinho de Abrolhos. [atualizando e nos repetindo: os blocos FORAM RETIRADOS pelo Governo do leilão;
além do mais, a Justiça Federal da Bahia - invocando decisão judicial que pode ser adotada - divulgou nota com dois efeitos negativos para o Brasil:
- em nome da credibilidade, não poderia licitar lotes localizados em área que talvez, em futura decisão da Justiça, pode vir a ser considerada área em que a exploração de petróleo não será permitida.
- e, se, eventualmente,  confiasse na incerteza da proibição e colocasse os lotes no leilão, nenhum investidor, após a nota da JF da BA, iria oferecer lances.] Isso porque quando se fala hoje em “conformidade” está se falando também de respeito a padrões ambientais. E o risco em Abrolhos é imenso, já que o parque é um santuário de espécies marinhas. Um desastre ambiental em um lugar assim produz perdas enormes. O dano à imagem de uma empresa associada a qualquer problema em uma área ambientalmente sensível, como Abrolhos, é grande demais. [O Brasil tem pouco mais de  12.000.000 de desempregados, o que significa mais  50.000.000 de pessoas passando necessidade, sofrendo, etc.
Vamos conservar o meio ambiente, mas, lembrar que desempregado também é ser humano e não consegue sobreviver comendo capim, árvores e espécies animais.
Quantos milhares de empregos deixarão de ser gerados até que a Justiça tome uma decisão.
E, se uma análise técnica provando que os riscos não são tão severos e a Justiça Federal da Bahia liberar a área?]

O governo poderia ver nesse evento uma oportunidade de retirar essas áreas da disputa e respeitar a orientação dos técnicos do Ibama. Mas as autoridades preferiram manter os blocos em leilão permanente. Se uma empresa aventureira, sem o padrão técnico necessário, der um lance, leva. O que o mercado disse ao governo brasileiro é que o risco em Abrolhos não compensa. O alerta foi dado, mas o governo não quis ouvir.

Blog da Míriam Leitão, jornalista  - Alvaro Gribel de São Paulo - O Globo

sábado, 23 de março de 2019

Cara a cara com o ídolo

Veio da rede de TV americana Fox News a definição mais constrangedora sobre a postura de subjugado de Bolsonaro em seu périplo aos EUA. Na apresentação que fez sobre o mandatário brasileiro, que se encontrava naquele momento presente no estúdio da emissora para uma entrevista, a Fox, tida como veículo com pendores conservadores, em sintonia com o pensamento do multibilionário ex-empreendedor imobiliário Donald Trump, tratou o convidado da seguinte maneira: “nunca ninguém emulou tanto o presidente Trump como o presidente do Brasil”. Feliz como garoto na Disney diante de seu ídolo, Bolsonaro, de fato, não poupou afagos e rapapés ao anfitrião e ao “way of life” americano. É bem verdade que, de vez em quando, Trump parece mesmo encarnar, em palavras e gestos, a figura de Donald, o pato atrapalhado, com o adereço de um topete avantajado, e seria natural que Bolsonaro não perdesse a chance de vibrar ao vivo com as estripulias de seu herói. [comentando: todas as 'escorregadas' de Bolsonaro, seriam irrelevantes, caso a subserviência aos EUA não tivesse sido consolidadas com a inconveniente isenção de visto para os americanos ingressarem no Brasil sem a reciprocidade por parte daquele país.]

Até o ministro da economia, Paulo Guedes, fez gracejo com a situação. Disse a certa altura em uma palestra para investidores estrangeiros que temos um presidente que adora os EUA, jeans, Disneylândia e Coca-Cola. Não seria nada demais se Bolsonaro, nesse deslumbramento pueril, não tratasse de embaraçar, de novo, a já cambaleante diplomacia brasileira ao afirmar que acredita piamente na reeleição do republicano. A declaração, claro, gerou uma saia-justa com eventuais consequências negativas mais adiante, em caso de vitória dos democratas na disputa do ano que vem. Imbróglio para o Itamaraty resolver. O aprendiz de Donald ainda teceu elogios à construção do famigerado muro, alegando que a maioria dos imigrantes “não tem boas intenções nem quer fazer bem ao povo americano”. Nesse aspecto afrontou até brasileiros que vão tentar a sorte na terra de “Tio Sam” por falta de oportunidades por aqui. Retratou-se depois, mas o estrago já estava feito.  

Tal pai, tal filho, Eduardo Bolsonaro havia comentado, dias antes, no mesmo tom e na mesma viagem, que imigrantes brasileiros em situação irregular são uma “vergonha nossa”. Nesse pormenor ele deveria se ater ao fato de que vergonhoso mesmo são governantes locais não propiciarem chances aos cidadãos que se veem impelidos a ter de ir buscar lá fora o que não encontram por aqui. Mas o Itamaraty “zero dois” não enxerga limites quando aparece a oportunidade de desancar conterrâneos, mesmo aqueles ungidos por ele próprio. O chanceler Ernesto Araújo, por exemplo. No road show americano, o diplomata fez papel de figurante, um mero espectador decorativo, enquanto “zero dois” roubava a cena e se aboletava no Salão Oval para as tratativas ao lado dos dois chefes de Estado. O retumbante sinal de desprestígio de Araújo foi montado, sem dó, logo por aquele que se diz seu mentor. Do ponto de vista prático, o encontro Brasil-EUA trouxe de saldo mais controvérsias do que resultados positivos. 

Um participante privilegiado das rodadas de negociação resumiu assim o balanço de entendimentos: entregamos a liberação de vistos sem reciprocidade, entregamos a Base de Alcântara para uso americano, entregamos apoio ao muro enquanto detonávamos nossos imigrantes, entregamos cotas para importação de trigo americano sem tarifas ou contrapartidas, entregamos vantagens que detínhamos na OMC e ficamos com promessas de apoio à candidatura na OCDE, na OTAN e uma camiseta da seleção americana. Para bom entendedor futebolístico, repetiu-se o famoso sete a um. O show de concessões brasileiras foi, decerto, além da conta. Ao se debruçar sobre o acordo em voga, ponto a ponto, fica evidente que o Brasil liberou unilateralmente a exigência de vistos para visitantes daquele país (e fez o mesmo para canadenses, australianos e japoneses no pacote) sem a convencional exigência de reciprocidade, para desespero da maioria dos embaixadores nativos que consideram isso um gesto de nação sem autoestima. No campo da OMC, o Brasil detinha a condição de país em desenvolvimento, o que lhe propiciava uma série de vantagens, como prazos mais generosos nas disputas comerciais e prerrogativas especiais para acordos de livre-comércio. 

Comprometeu-se a desistir dessa condição em troca dos EUA apoiar a pretensão verde-amarela de um assento no “Politiburo” da OCDE, espécie de clube de países ricos que traça os cenários do desenvolvimento global. Note-se que o Brasil não garantiu vaga nesse bureau. Conquistou um padrinho importante (que já havia dado o mesmo aval à Argentina, sem resultado) e nada além disso. Na OMC, em se confirmando o combinado, será o primeiro a deixar o regime especial, atendendo a uma reivindicação antiga dos EUA, que se sentem prejudicados pelos chamados países em desenvolvimento dentre eles, a China, que insiste em manter tal status para angariar benefícios comerciais. Trocar o certo pelo duvidoso configura uma aposta arriscada, com reflexos diretos sobre as exportações. Seria por demais enfadonho elencar todos os escorregões na pauta de compromissos. Na verdade, Trump e Bolsonaro, tipo siameses, com suas estultices pitorescas, se dispuseram juntos a entreter a turba de seus respectivos admiradores em uma rápida tarde de confraternização no Rose Garden. Pode-se saudar o fato da reaproximação da grande potência global, mas deveriam existir limites para as adulações de um mandatário a outro, sem contrapartidas, que empenha assim a soberania e autoestima do brasileiro por pura fascinação.

Carlos José Marques - Diretor editorial da Editora Três -  IstoÉ

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Candidato do agronegócio

Agronegócio precisa de nova agenda e não de defensores do atraso. Políticos desfilaram pela Agrishow em Ribeirão Preto na esperança de serem vistos como candidatos do agronegócio. Nenhum alcançou o posto pelo que se pôde ver das reações comedidas dos organizadores do evento. O ideal seria que o setor se fixasse não em pessoas, mas em propostas, e que os projetos fossem voltados para o futuro e não para a defesa do atraso.

O agronegócio brasileiro vive um meio do caminho que o faz ser de ponta em alguns momentos e lugares, e atrasado na pauta que os seus representantes defendem. Quem vê a lista dos projetos da bancada ruralista no Congresso não vê o coração das mudanças que ocorrem dentro do setor. As empresas deveriam mirar o futuro do campo, que terá que ser com mais tecnologia, mais rastreabilidade, mais pacificação com o meio ambiente. Quem se dispõe a ser o defensor do agronegócio, pode achar que o bom é propor limitações ao processo de licenciamentos ambientais, restrições à divulgação da lista suja do trabalho escravo, anistia a quem ocupou terra pública e, agora, a ideia de armar os produtores rurais.

A encruzilhada em que o campo brasileiro está tem muitos dilemas. O que parece ser o interesse do agronegócio, o prenderá no passado. O Brasil sempre será um grande produtor de alimentos, tem um forte mercado interno, é e continuará sendo um importante fornecedor de carnes e grãos para o mundo. O campo brasileiro tem que olhar as tendências dos tempos de hoje, ser mais rigoroso com a qualidade, prestar contas de como cada item é produzido e sobre o que acontece na cadeia produtiva. A atitude do consumidor interno e externo hoje é a de ser mais exigente com a qualidade e o processo de produção. A tecnologia põe cada vez mais ferramentas nas mãos de quem quer o consumo consciente. Não adianta reclamar de protecionismo, é preciso agir para cumprir as exigências do consumidor.

A entrevista de Pedro de Camargo Neto no “Valor” de sexta-feira tocou num ponto essencial. O governo brasileiro quer discutir na OMC a imposição de barreiras sanitárias às exportações de frango. Isso será um desastre, diz o expresidente da Sociedade Rural Brasileira. O empresário criticou a operação da Polícia Federal na época, mas hoje, apesar de manter a ideia de que houve exageros, admite os erros do setor. “Existia um jeitinho brasileiro de operar o sistema de inspeção sanitária e a Carne Fraca acabou com ele”. O que precisa se combater é o mau comportamento de grandes frigoríficos que aceitaram esse sistema flagrado na operação. Fiscais que recebiam favores de fiscalizados, Ministério da Agricultura que não via o que estava acontecendo, grandes empresas exportadoras achando que era normal pagar a fiscalização, ou mascarar problemas na qualidade do produto.  Em vez de brigar com a União Europeia, dar ao consumidor da carne brasileira a garantia de que o sistema de fiscalização está sendo aperfeiçoado, corrigir os defeitos encontrados, aumentar a qualidade da certificação. Enfrentar o problema e não brigar com os seus efeitos.

Há pressões protecionistas contra o Brasil e sempre vai haver, mas o que o país não pode é dar motivo. Se a pauta da agricultura brasileira no terceiro milênio for a redução do combate ao trabalho escravo, a flexibilidade na fiscalização ambiental e o agravamento do conflito armado no campo, esquece. Estaremos fora da competição internacional.  De 1975 a 2017, a área plantada brasileira aumentou 82%, e a produção subiu 512%. O crescimento da produtividade fala por si. O Brasil é bom porque é competitivo, porque usou novas tecnologias de uso de solo e de produção, porque tem as condições naturais e somou-as às condições adquiridas pela busca da agropecuária de precisão. É esta facção que é a vencedora. Não é a que grila, mata, desmata e corrompe.

Que futuro quer o campo brasileiro? Esta é a pergunta que deve ser feita. Talvez nenhum dos candidatos preencha as expectativas, por isso o mais importante é o compromisso com uma agenda modernizadora. Coloque-se uma arma de fogo na mão de cada capataz, em cada fazenda, e vamos direto para o passado do campo bandoleiro. Invista-se em novas tecnologias de produção e teremos espaço garantido no futuro. Esta é a encruzilhada.

Miriam Leitão - O Globo

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Protecionismo cresce e ameaça recuperação global

Políticas de fechamento de fronteiras aos fluxos de pessoas, capital e comércio crescem em todo o mundo, alimentadas por um irracionalismo preocupante

[protecionismo = um mal necessário; imigrantes = prejuízos e problemas para o país que os recebe.]

A atual onda política marcada por nacionalismos populistas e xenófobos tem sua expressão econômica no crescente protecionismo e resistência à celebração de acordos comerciais multilaterais, como a Parceria Transpacífica. Além de travar o comércio internacional, esse processo vem retardando de forma perigosa a recuperação da economia da crise global de 2008. 

Relatório de Monitoramento do Comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC), divulgado em julho, na reunião de cúpula da entidade, revelou que, entre meados de outubro de 2015 e meados de maio deste ano, foram apresentadas em média 22 medidas restritivas por mês pelos países-membros, a mais elevada desde 2011. É um aumento significativo, considerando-se o período anterior, quando a média, já alta, foi de 15 medidas por mês. O relatório conclui afirmando, com acerto, que a “melhor garantia contra o protecionismo é um robusto sistema multilateral de comércio”.

No mesmo período, os países-membros da OMC aprovaram 19 medidas por mês para facilitar o comércio, um pequeno aumento em relação ao período anterior. O número de ações protecionistas avançou 11% no período avaliado. O diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, disse que “o relatório mostra um preocupante crescimento de medidas restritivas ao comércio postas em vigor mensalmente”. Ele lembrou que, das 2.800 medidas protecionistas adotadas desde outubro de 2008, apenas 25% foram removidas, acrescentando que “na atual conjuntura, um aumento das restrições ao comércio é a última coisa de que a economia global precisa. Esse aumento poderia ter um efeito nocivo adicional de esfriamento dos fluxos comerciais, com impacto desastroso para o crescimento econômico e a geração de empregos”. 

Neste ano, o volume global de comércio não cresceu no primeiro trimestre e caiu 0,8%, no segundo, segundo analistas ouvidos pelo “New York Times”. Os EUA não foram exceção: o volume total de importações e exportações caiu mais de US$ 200 bilhões no ano passado. E nos primeiros nove meses de 2016 recuou outros US$ 470 bilhões. Foi a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que o intercâmbio comercial entre os países caiu num período de expansão econômica. 

As políticas contrárias aos fluxos globais de pessoas, capital e mercadorias são um retrocesso óbvio. E, no entanto, tem defensores. O Brexit — a saída do Reino Unido da UE — é talvez o exemplo mais dramático dessa mentalidade retrógrada. Seu impacto no país, no bloco europeu e na economia mundial ainda não foi totalmente quantificado. Nos EUA, por outro lado, o protecionismo comercial é, estranhamente, um ponto comum entre Donald Trump e Hillary Clinton, com o argumento falacioso da defesa do mercado de trabalho local. Trata-se, em resumo, de um irracionalismo que se alimenta da desconfiança generalizada no sistema político e oferece como resposta o risco de um obscurantismo perigoso.

Fonte: O Globo - Editorial


quarta-feira, 18 de maio de 2016

Cuba lidera ofensiva diplomática contra impeachment de Dilma



[O Brasil tem a obrigação de como medida mínima retirar seus embaixadores desses países. São países sem nenhuma importância econômica, insignificantes, valem ZERO a esquerda e fechando suas embaixadas em tais países o Brasil faz substancial economia.
Qual a importância de El Salvador: de Honduras? da Nicarágua? do Equador? de cuba?]
Diplomacia do país comunista enviou e-mail a dezenas de instituições internacionais, como ONU, OMC e Cruz Vermelha, alardeando que o presidente interino Michel Temer 'usurpou o poder'

A diplomacia de Cuba faz campanha nos órgãos internacionais contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O país enviou um e-mail, ao qual o jornal O Estado de S. Paulo teve acesso, para mais de uma dezena de instituições internacionais martelando a tese de que a petista foi alvo de um "golpe". Na sexta-feira, o chanceler José Serra rechaçou duramente as críticas de governos bolivarianos ao afastamento de Dilma e, por consequência, à posse de Michel Temer.

Em mensagem datada de 15 de maio, o governo cubano descreve o conteúdo da declaração como sendo "sobre o golpe de Estado parlamentar e judicial no Brasil". Em documento anexado ao e-mail, declaração assinada em Havana no dia 12 de maio acusa Temer de ter "usurpado o poder", apoiado pela "grande imprensa reacionária e o imperialismo". "Dilma, Lula, o PT e o povo do Brasil contam e contarão sempre com toda a solidariedade de Cuba", indicou a nota, que denuncia as "manobras" da "oligarquia" e a "contraofensiva reacionária".

O e-mail com a declaração foi direcionado para altos dirigentes da Organização Internacional do Trabalho, Organização Mundial do Comércio, para o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, para a secretaria da ONU, Alto Comissariado da ONU para Refugiados, Organização Mundial da Saúde, União Internacional de Telecomunicações, UNAids, para o Programa da ONU para o Desenvolvimento e para o Programa da ONU para o Meio Ambiente, além de várias outras. Também receberam a nota a Secretaria da Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Organização da Conferência Islâmica, membros do alto escalão do governo suíço e dezenas de outros diplomatas.

O governo cubano tem como hábito fazer circular declarações diplomáticas por diversas entidades. Mas pelo menos quatro dos funcionários do alto escalão da ONU que receberam o e-mail admitiram que nunca tinham recebido uma mensagem do governo cubano. No último sábado, a imprensa internacional com sede nas Nações Unidas já havia recebido a mesma declaração. As comunicações dos diplomatas cubanos com os jornalistas, porém, são frequentes.

O Itamaraty enviou na sexta-feira a todos os Ministérios de Relações Exteriores de países com os quais mantém relações uma nota para informar que Dilma foi afastada em um processo que segue a lei e a Constituição.  O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, tratou do assunto quando esteve, na quinta-feira em uma visita oficial a Portugal. Por meio de seu porta-voz, ele indicou que "confiava" que os processos democráticos no Brasil seriam respeitados. No Parlamento Europeu, o deputado Francisco Assis indicou que a mudança de governo no Brasil não foi alvo de um questionamento "nem mesmo pela extrema-esquerda". "Todos sabem que o Brasil não é a Venezuela."

Na sexta-feira, Serra emitiu duas notas à imprensa repudiando as declarações dos países vizinhos que atacaram o processo de impeachment. A decisão do ministro das Relações Exteriores de manifestar repúdio às críticas foi aprovada pelo presidente em exercício Michel Temer. Em nota, a assessoria de imprensa do gabinete criticou a União das Nações Sul-americanas (Unasul) e governos da Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua. O posicionamento inaugura a nova política externa do governo Michel Temer.

No mesmo dia, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou, durante a reunião do Conselho de Ministros, que solicitou o retorno a Caracas do embaixador venezuelano no Brasil, Alberto Castellar, em razão do afastamento da presidente Dilma Rousseff. Um dos alvos das críticas feitas pelo Itamaraty é o secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, que, segundo comunicado, qualificou de maneira equivocada o funcionamento das instituições brasileiras. "Os argumentos apresentados, além de errôneos, deixam transparecer juízos de valor infundados e preconceitos contra o Estado brasileiro. Além disso, transmitem a interpretação absurda de que as liberdades democráticas, o sistema representativo, os direitos humanos e sociais e as conquistas da sociedade brasileira se encontrariam em perigo. A realidade é oposta", diz a nota.

Fonte: Estadão Conteúdo

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Nem acordinho, nem acordão

Havia um equívoco de base: achar que juntando um país pobre, dois pobres, três pobres etc... daria um rico. Não funcionou


No começo do primeiro governo Lula, quando começavam a decolar os acordos de comércio entre grupos de países, negociados por fora da Organização Mundial de Comércio, o então chanceler brasileiro, Celso Amorim, saiu-se com esta: o Brasil não está interessado nesses acordinhos.

Na diplomacia lulista, só o acordão interessava — um tratado global negociado há décadas no âmbito da OMC. Por isso, aliás, havia paralelamente o empenho brasileiro em conseguir o posto de diretor-geral da organização, uma vitória alcançada em 2013, com o diplomata Roberto Azevedo. Mas o posto já não tinha importância. A maior parte dos países todos os mais importantes — havia simplesmente abandonado a OMC e concentrado todos os esforços nos tais acordinhos, que, bem vista a situação, davam não em um, mas em vários acordões.

Claro, ninguém diz que a OMC já era, nenhum governo retirou seu embaixador da sede da entidade em Genebra. Mas a organização não teve nada a ver com o Acordo de Parceria Transpacífica (TPP, em inglês), fechado nesta semana por 12 países que representam 40% do PIB mundial e movimentam quase US$ 10 trilhões/ano em exportações e importações.

Trata-se do maior e mais avançado acordo de liberalização comercial dos últimos 20 anos. EUA e Japão lideram, a América Latina entra com México, Peru e Chile. O Brasil tem negócios com todos eles, negócios que podem ser desviados entre os parceiros TPP. [o Sardenberg que nos perdoe, mas, ele esquece que o Brasil tem o Mercosul ao qual, recentemente, a Venezuela aderiu. Não precisamos do TPP - foi o que Dilma declarou depois de conversar com Lula.]
A OMC também não tem nada a ver com o outro baita acordinho em gestação, o Transatlântico, que reúne simplesmente os EUA e a União Europeia. Está meio atrasado, porque os EUA estavam mais concentrados no TPP — cuja realização, aliás, está levando pressa aos europeus. Temem perder espaço em dois dos quatro maiores mercados do mundo, Estados Unidos e Japão. [os outros dois maiores mercados do mundo são Bolívia e Venezuela, que estão fechados com o Brasil.]

União Europeia e China completam os quatro grandes. A UE tem vários acordos bilaterais, inclusive com países agora integrantes do TPP. A China, que vinha preferindo os voos solo, possíveis pelo seu tamanho, também está negociando um acordinho — com Japão e Coreia do Sul. Eis onde nos trouxe a diplomacia inaugurada por Lula: todos os nossos principais parceiros comerciais fecharam ou estão fechando acordos que mudam a cara e o conteúdo do comércio mundial, enquanto o Brasil declara colocar fé no acordão da OMC e no... Mercosul! É verdade que, de uns meses para cá, membros do governo Dilma voltaram a se ocupar de um acordinho que seria importante, o acerto Mercosul/União Europeia. Mas esta negociação já tem um recorde: é a mais antiga do mundo, a que tem mais anos de conversa sem nenhuma conclusão.

Em Brasília, costuma-se colocar a culpa do atraso eterno nos europeus, que não teriam a necessária flexibilização para uma abertura comercial. Bobagem, claro. Afinal, nesse tempo, a UE fechou diversos acordos, inclusive com latino-americanos.  A verdade é que o Mercosul fez a opção bolivariana, definida por Lula como a diplomacia Sul-Sul. Tratava-se de unir os países mais pobres contra os ricos do Norte, de modo que a Turma do Sul, fortalecida política e economicamente, pudesse encarar os de cima no mano a mano. Olhar na cara, como Lula gostava de dizer.

Do ponto de vista econômico, havia, digamos, um equívoco de base: achar que juntando um país pobre, dois pobres, três pobres etc... daria um rico. Não funcionou. Se funcionasse, teria dado apenas um pobre maior. Além disso, tirante os bolivarianos, os países em desenvolvimento estavam mais interessados em entrar no mercado dos ricos, os maiores consumidores mundiais.

Os governos petistas também acreditaram que o Brics era mais que uma sigla — ou seja, que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul formariam um sólido e unido bloco no xadrez global. Até constituíram um banco de desenvolvimento, mas do qual os outros quatro esperam apenas obter acesso aos enormes fundos chineses. Mas a China já não é o maior parceiro comercial do Brasil? Ora, a China, com sua voracidade por comprar commodities e alimentos e vender industrializados, é a maior parceira de um monte de países.

Na verdade, assim como ficou ao largo dos grandes movimentos comerciais, o Brasil também se isolou politicamente. Até na América do Sul perdeu influência. Fala-se pouco disso por aqui, mas a diplomacia Sul-Sul foi um dos maiores desastres da era Lula-PT.

Um sintoma é o estado lastimável em que se encontra o Itamaraty, formado por quadros tão competentes como Roberto Azevedo, e que estão por aí quase sem serviço e, de uns tempos para cá, até sem dinheiro para pagar as contas das embaixadas.  Aliás, uma marca da estratégia Sul-Sul foi abrir embaixadas pelos países da África, especialmente, e da Ásia mais pobre. Embaixadas que, do ponto vista nacional, não servem para nada. Mas podem servir para ajudar algum lobby a favor de uma ou outra empreiteira. E assim se cai de novo na corrupção, a outra marca.

Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo