O Jair Bolsonaro dos EUA precisa superar em muito o Jair Bolsonaro de Davos
O Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fazem juras de amor e assinam
atos importantes a partir de hoje, quando Bolsonaro desembarca em
Washington com tratamento vip, direito a hospedagem na exclusiva Blair
House e entrevista ao lado de Trump no Rose Garden, que são deferências
especiais, concedidas a muito poucos.
Em compensação, Bolsonaro deverá fazer um anúncio que diplomatas tremem
só de ouvir: a dispensa unilateral de vistos para americanos (além de
canadenses, australianos e japoneses), sem exigência de reciprocidade.
Significa que eles poderão vir livremente ao Brasil, mas os brasileiros
não poderão ir ao país deles.A ideia já tinha sido apresentada pelo ministro do Turismo de Michel
Temer, Henrique Eduardo Alves (que acabou preso [não pela ideia, que convenhamos era e continua sendo inconveniente e desrespeitosa para os brasileiros e nossa autoestima]), mas só valeu para a
Olimpíada do Rio, como forma de incentivar a vinda desses estrangeiros –
que têm baixo índice de risco e carteiras recheadas. Mas foi
temporário, agora será permanente. Diplomatas acham que é coisa de país
sem autoestima e Bolsonaro pretende negociar a dispensa de visto para
brasileiros irem aos EUA. Duvido que o Tio Sam tope.
O principal anúncio deverá ser o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas
para uso da Base de Alcântara (MA) para fins comerciais, negociado há
uma década. Os EUA ganham, porque Alcântara é um ponto estratégico que
permite economia de até 30% nos lançamentos de satélites. E o Brasil
também lucra, porque entra no mercado de cooperação espacial.
Na comitiva, Augusto Heleno, Paulo Guedes, Sérgio Moro, Ernesto Araújo
(chanceler), Tereza Cristina (Agricultura), Marcos Pontes (Ciência e
Tecnologia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), com agendas diferentes.
Guedes está interessado em medidas, lá e cá, para destravar
investimentos e negócios. Moro vai ao FBI para acordos de inteligência,
segurança pública e combate ao crime organizado.
Depois de desperdiçar Davos e ocupar seis dos 45 minutos a que tinha
direito para atrair o interesse do mundo para o Brasil, Bolsonaro terá
novamente todos os holofotes e não pode amarelar, fugir de entrevista e
posar de “simplesinho”, mas, sobretudo, é preciso afastar a ideia de um
alinhamento automático com os EUA.
Bolsonaro gosta da ideia, assim como seu filho Eduardo, o chanceler
Araújo e o guru Olavo de Carvalho, que já trocou o Brasil pelos EUA. Já
os diplomatas de várias gerações se opõem e o que conta mesmo no governo
é um outro foco de resistência ao tal alinhamento automático: os
militares, que prezam muito a noção de soberania. Aliás, nem aos
próprios EUA encanta a ideia de se jogar de cabeça num governo que está
mal começando. Pode ser um sucesso, pode não ser. Logo, aproximação é
ótimo; alinhamento automático é excessivo.
Além das relações bilaterais, que avançam muito, Bolsonaro e Trump vão
discutir questões regionais (Venezuela, por pressuposto) e
internacionais, as mais cabeludas. China, Oriente Médio, Coreia do Norte
e Irã estão na agenda, mas Bolsonaro deve ter algumas coisas em mente. A
China é o maior parceiro comercial brasileiro, o Brasil desde sempre
independente na disputa Israel-Palestina e... nem tudo o que é bom para
os EUA é bom para o Brasil. [se espera que Bolsonaro esqueça de vez a ideia sem noção de priorizar o relacionamento com Israel em detrimento dos países árabes - o interesse comercial é o que deve ser considerado pelo Brasil, o que deixa os árabes em vantagem;
ocorrendo esse bendito e oportuno esquecimento o assunto mudança da embaixada continua para depois...]
Depois dos EUA, ele vai ao Chile e no final do mês a Israel, onde
Benjamin Netanyahu é um aliado e fez a gentileza de vir ao Brasil para
prestigiar a vitória de Bolsonaro, mas agora está às voltas com a
Justiça. Tudo bem ir a Israel, a questão é de oportunidade. O avião está decolando e lança Bolsonaro no seu primeiro teste realmente
diplomático. Vai precisar de inteligência, sorte, jeito, discursos
escritos e muitos conselhos para se superar. O Bolsonaro de Washington
tem de ser muito melhor do que o Bolsonaro de Davos.
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo