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sábado, 23 de março de 2019

Cara a cara com o ídolo

Veio da rede de TV americana Fox News a definição mais constrangedora sobre a postura de subjugado de Bolsonaro em seu périplo aos EUA. Na apresentação que fez sobre o mandatário brasileiro, que se encontrava naquele momento presente no estúdio da emissora para uma entrevista, a Fox, tida como veículo com pendores conservadores, em sintonia com o pensamento do multibilionário ex-empreendedor imobiliário Donald Trump, tratou o convidado da seguinte maneira: “nunca ninguém emulou tanto o presidente Trump como o presidente do Brasil”. Feliz como garoto na Disney diante de seu ídolo, Bolsonaro, de fato, não poupou afagos e rapapés ao anfitrião e ao “way of life” americano. É bem verdade que, de vez em quando, Trump parece mesmo encarnar, em palavras e gestos, a figura de Donald, o pato atrapalhado, com o adereço de um topete avantajado, e seria natural que Bolsonaro não perdesse a chance de vibrar ao vivo com as estripulias de seu herói. [comentando: todas as 'escorregadas' de Bolsonaro, seriam irrelevantes, caso a subserviência aos EUA não tivesse sido consolidadas com a inconveniente isenção de visto para os americanos ingressarem no Brasil sem a reciprocidade por parte daquele país.]

Até o ministro da economia, Paulo Guedes, fez gracejo com a situação. Disse a certa altura em uma palestra para investidores estrangeiros que temos um presidente que adora os EUA, jeans, Disneylândia e Coca-Cola. Não seria nada demais se Bolsonaro, nesse deslumbramento pueril, não tratasse de embaraçar, de novo, a já cambaleante diplomacia brasileira ao afirmar que acredita piamente na reeleição do republicano. A declaração, claro, gerou uma saia-justa com eventuais consequências negativas mais adiante, em caso de vitória dos democratas na disputa do ano que vem. Imbróglio para o Itamaraty resolver. O aprendiz de Donald ainda teceu elogios à construção do famigerado muro, alegando que a maioria dos imigrantes “não tem boas intenções nem quer fazer bem ao povo americano”. Nesse aspecto afrontou até brasileiros que vão tentar a sorte na terra de “Tio Sam” por falta de oportunidades por aqui. Retratou-se depois, mas o estrago já estava feito.  

Tal pai, tal filho, Eduardo Bolsonaro havia comentado, dias antes, no mesmo tom e na mesma viagem, que imigrantes brasileiros em situação irregular são uma “vergonha nossa”. Nesse pormenor ele deveria se ater ao fato de que vergonhoso mesmo são governantes locais não propiciarem chances aos cidadãos que se veem impelidos a ter de ir buscar lá fora o que não encontram por aqui. Mas o Itamaraty “zero dois” não enxerga limites quando aparece a oportunidade de desancar conterrâneos, mesmo aqueles ungidos por ele próprio. O chanceler Ernesto Araújo, por exemplo. No road show americano, o diplomata fez papel de figurante, um mero espectador decorativo, enquanto “zero dois” roubava a cena e se aboletava no Salão Oval para as tratativas ao lado dos dois chefes de Estado. O retumbante sinal de desprestígio de Araújo foi montado, sem dó, logo por aquele que se diz seu mentor. Do ponto de vista prático, o encontro Brasil-EUA trouxe de saldo mais controvérsias do que resultados positivos. 

Um participante privilegiado das rodadas de negociação resumiu assim o balanço de entendimentos: entregamos a liberação de vistos sem reciprocidade, entregamos a Base de Alcântara para uso americano, entregamos apoio ao muro enquanto detonávamos nossos imigrantes, entregamos cotas para importação de trigo americano sem tarifas ou contrapartidas, entregamos vantagens que detínhamos na OMC e ficamos com promessas de apoio à candidatura na OCDE, na OTAN e uma camiseta da seleção americana. Para bom entendedor futebolístico, repetiu-se o famoso sete a um. O show de concessões brasileiras foi, decerto, além da conta. Ao se debruçar sobre o acordo em voga, ponto a ponto, fica evidente que o Brasil liberou unilateralmente a exigência de vistos para visitantes daquele país (e fez o mesmo para canadenses, australianos e japoneses no pacote) sem a convencional exigência de reciprocidade, para desespero da maioria dos embaixadores nativos que consideram isso um gesto de nação sem autoestima. No campo da OMC, o Brasil detinha a condição de país em desenvolvimento, o que lhe propiciava uma série de vantagens, como prazos mais generosos nas disputas comerciais e prerrogativas especiais para acordos de livre-comércio. 

Comprometeu-se a desistir dessa condição em troca dos EUA apoiar a pretensão verde-amarela de um assento no “Politiburo” da OCDE, espécie de clube de países ricos que traça os cenários do desenvolvimento global. Note-se que o Brasil não garantiu vaga nesse bureau. Conquistou um padrinho importante (que já havia dado o mesmo aval à Argentina, sem resultado) e nada além disso. Na OMC, em se confirmando o combinado, será o primeiro a deixar o regime especial, atendendo a uma reivindicação antiga dos EUA, que se sentem prejudicados pelos chamados países em desenvolvimento dentre eles, a China, que insiste em manter tal status para angariar benefícios comerciais. Trocar o certo pelo duvidoso configura uma aposta arriscada, com reflexos diretos sobre as exportações. Seria por demais enfadonho elencar todos os escorregões na pauta de compromissos. Na verdade, Trump e Bolsonaro, tipo siameses, com suas estultices pitorescas, se dispuseram juntos a entreter a turba de seus respectivos admiradores em uma rápida tarde de confraternização no Rose Garden. Pode-se saudar o fato da reaproximação da grande potência global, mas deveriam existir limites para as adulações de um mandatário a outro, sem contrapartidas, que empenha assim a soberania e autoestima do brasileiro por pura fascinação.

Carlos José Marques - Diretor editorial da Editora Três -  IstoÉ

quarta-feira, 20 de março de 2019

Um saldo positivo na viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos

Para o presidente brasileiro, a sensação da comitiva nos Estados Unidos é de dever cumprido, principalmente pelo apoio para a entrada da OCDE. Entretanto, quem ganhou mais foi Donald Trump. Segundo Bolsonaro, alguém tinha que estender a mão primeiro

Pelo semblante da delegação brasileira ao chegar para a declaração conjunta dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump no Rose Garden, o jardim da Casa Branca, era possível concluir que o Brasil saiu dos Estados Unidos com a sensação de “missão cumprida” e quase tudo o que havia solicitado, inclusive o apoio para ingresso na Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) — o clube dos países ricos, que representa um selo de qualidade para negociações comerciais. Mas, como nem tudo na vida é exatamente do que jeito que se deseja, o presidente brasileiro, conforme escrito no comunicado da Casa Branca, concordou em iniciar os procedimentos para deixar de ter tratamento preferencial e diferenciado na Organização Mundial do Comércio.
[a viagem do nosso presidente Bolsonaro não foi um fracasso - tão desejado pelos inconformados que não o aceitam como presidente do Brasil e que tentam maximizar os aspectos negativos e destruir os positivos;
houve alguns pontos pueris, mas, mais no sentido de 'imaturidade' do que de 'tolice';

O que continua exigindo que Bolsonaro se enquadre é a presença, muitas vezes inconveniente, dos seus filhos - no caso o 'chanceler' Eduardo Bolsonaro;
outro ponto negativo foi aceitar que americanos venham ao Brasil sem visto, o que não é permitido aos brasileiros que viajam para os Estados Unidos - a reciprocidade é essencial.

No mais, vamos atribuir algumas inconveniências a empolgação do nosso presidente e torcer para que logo ocorra a 'desempolgação',m bem como, o NORTE na escolha dos países a serem visitados pelo capitão, seja os interesses do Brasil e não a simpatia do presidente pelos escolhidos.]

Essa perspectiva, entretanto, não diminuiu a sensação de vitória da comitiva brasileira. É que diante do conjunto de oportunidades que se apresentam à frente, o resultado não poderia ter sido melhor em se tratando de uma primeira visita. A maior vitória do Brasil nessa viagem foi a inclusão do país como aliado extra do Tratado do Atlântico Norte (Otan), algo que, segundo o presidente Bolsonaro, ajudará o Brasil em questões de defesa, segurança e energia.

Bolsonaro estava tão feliz e tão bem-humorado com a visita que topou falar com a imprensa no meio da tarde, extra-agenda. Ali, na calçada da Blair House, onde está hospedado, falou sobre os principais temas abordados no encontro com Trump. Eles ficaram juntos por duas horas, incluindo almoço, encontro privado e a pose para fotos no Salão Oval. O gelo começou a ser quebrado ainda na sala presidencial, quando trocaram camisas das seleções de futebol dos dois países. Concluíram que têm mais em comum do que imaginavam. Ambos são pais de cinco filhos, tiveram mais de um casamento e posam com os mesmos ideais. Deram gargalhadas. Bolsonaro brincou no almoço, dizendo que Trump, de 72 anos, parecia mais jovem. E acrescentou: “Temos a idade da mulher que amamos”, disse Bolsonaro (Michelle tem 35 e Melania Trump, 48), para risada geral. Na declaração conjunta, no Rose Garden da Casa Branca, Trump classificou a eleição do presidente brasileiro como o “ocaso do socialismo nas Américas”.

 


domingo, 17 de março de 2019

Nas terras do Tio Sam

O Jair Bolsonaro dos EUA precisa superar em muito o Jair Bolsonaro de Davos

O Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fazem juras de amor e assinam atos importantes a partir de hoje, quando Bolsonaro desembarca em Washington com tratamento vip, direito a hospedagem na exclusiva Blair House e entrevista ao lado de Trump no Rose Garden, que são deferências especiais, concedidas a muito poucos.

Em compensação, Bolsonaro deverá fazer um anúncio que diplomatas tremem só de ouvir: a dispensa unilateral de vistos para americanos (além de canadenses, australianos e japoneses), sem exigência de reciprocidade. Significa que eles poderão vir livremente ao Brasil, mas os brasileiros não poderão ir ao país deles.A ideia já tinha sido apresentada pelo ministro do Turismo de Michel Temer, Henrique Eduardo Alves (que acabou preso [não pela ideia, que convenhamos era e continua sendo inconveniente e desrespeitosa para os brasileiros e nossa autoestima]), mas só valeu para a Olimpíada do Rio, como forma de incentivar a vinda desses estrangeiros – que têm baixo índice de risco e carteiras recheadas. Mas foi temporário, agora será permanente. Diplomatas acham que é coisa de país sem autoestima e Bolsonaro pretende negociar a dispensa de visto para brasileiros irem aos EUA. Duvido que o Tio Sam tope.

O principal anúncio deverá ser o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da Base de Alcântara (MA) para fins comerciais, negociado há uma década. Os EUA ganham, porque Alcântara é um ponto estratégico que permite economia de até 30% nos lançamentos de satélites. E o Brasil também lucra, porque entra no mercado de cooperação espacial.

Na comitiva, Augusto Heleno, Paulo Guedes, Sérgio Moro, Ernesto Araújo (chanceler), Tereza Cristina (Agricultura), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), com agendas diferentes. Guedes está interessado em medidas, lá e cá, para destravar investimentos e negócios. Moro vai ao FBI para acordos de inteligência, segurança pública e combate ao crime organizado.

Depois de desperdiçar Davos e ocupar seis dos 45 minutos a que tinha direito para atrair o interesse do mundo para o Brasil, Bolsonaro terá novamente todos os holofotes e não pode amarelar, fugir de entrevista e posar de “simplesinho”, mas, sobretudo, é preciso afastar a ideia de um alinhamento automático com os EUA.
Bolsonaro gosta da ideia, assim como seu filho Eduardo, o chanceler Araújo e o guru Olavo de Carvalho, que já trocou o Brasil pelos EUA. Já os diplomatas de várias gerações se opõem e o que conta mesmo no governo é um outro foco de resistência ao tal alinhamento automático: os militares, que prezam muito a noção de soberania. Aliás, nem aos próprios EUA encanta a ideia de se jogar de cabeça num governo que está mal começando. Pode ser um sucesso, pode não ser. Logo, aproximação é ótimo; alinhamento automático é excessivo.

Além das relações bilaterais, que avançam muito, Bolsonaro e Trump vão discutir questões regionais (Venezuela, por pressuposto) e internacionais, as mais cabeludas. China, Oriente Médio, Coreia do Norte e Irã estão na agenda, mas Bolsonaro deve ter algumas coisas em mente. A China é o maior parceiro comercial brasileiro, o Brasil desde sempre independente na disputa Israel-Palestina e... nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil. [se espera que Bolsonaro esqueça de vez a ideia sem noção de  priorizar o relacionamento com Israel em detrimento dos países árabes - o interesse comercial é o que deve ser considerado pelo Brasil, o que deixa os árabes em vantagem;
ocorrendo esse bendito e oportuno esquecimento o assunto mudança da embaixada continua para depois...]

Depois dos EUA, ele vai ao Chile e no final do mês a Israel, onde Benjamin Netanyahu é um aliado e fez a gentileza de vir ao Brasil para prestigiar a vitória de Bolsonaro, mas agora está às voltas com a Justiça. Tudo bem ir a Israel, a questão é de oportunidade. O avião está decolando e lança Bolsonaro no seu primeiro teste realmente diplomático. Vai precisar de inteligência, sorte, jeito, discursos escritos e muitos conselhos para se superar. O Bolsonaro de Washington tem de ser muito melhor do que o Bolsonaro de Davos.
 
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo