O Globo
Ameaças de Bolsonaro
Do jeito que a coisa vai, o Exército brasileiro será colocado à prova muito em breve, quando o presidente da República resolver decretar o estado de sítio, ou estado de defesa, ou qualquer medida emergencial para calar os que o criticam e controlar as instituições.
O ex-comandante do Exército e general Eduardo
Villas Bôas revelou em entrevistas que a instituição foi sondada por
emissários petistas para apoiar a decretação de estado de defesa durante
a tramitação no Congresso do processo de impeachment que acabou tirando
Dilma Rousseff da Presidência da República. O general disse que
assessores militares no Congresso foram procurados, mas o Exército
rechaçou a sondagem.
A ex-presidente negou ter acontecido tal
episódio e desafiou Villas Bôas a revelar quem foi o emissário petista,
mas não obteve resposta. De qualquer maneira, no relato do general, um
ícone do Exército, autor de um famoso tuíte, às vésperas do julgamento
de um habeas corpus para Lula no Supremo Tribunal Federal (STF),
interpretado como pressão sobre os ministros para que não soltassem o
ex-presidente, o Exército brasileiro rejeitou uma tentativa de golpe, o
que seria uma atitude em defesa da democracia e do estado de direito.
O
que se coloca hoje é qual seria a atitude do Exército, do qual
Bolsonaro é oriundo e de cujo governo diversos militares, inclusive da
ativa, fazem parte, se o presidente tentasse recorrer a uma regra
constitucional excepcional para impedir que seus adversários políticos
se pronunciem ou que manifestações a favor do impeachment prosperassem?
O
presidente Bolsonaro usa o que chama de “meu Exército” [O Exército Brasileiro, o Exército de Caxias, o nosso Exército, o meu Exército, o Exército de todos os brasileiros - o que inclui o colunista - é também o Exército do Presidente da República, tão 'dono' da Força Terrestre, quanto os demais 'donos', sendo também o seu comandante supremo] que é também o seu comandante para respaldar
suas sandices, como fez domingo, em frente ao Palácio da Alvorada,
saudado por centenas de apoiadores. Voltou a chamar os governadores e
prefeitos que estão decretando medidas de restrição social, e em alguns
casos lockdown, de “tiranetes ou tiranos” que, segundo ele, “tolhem a
liberdade de muitos de vocês”.
Anteriormente, ele já dissera que
estava chegando o momento “de tomar medidas duras” e comparou o
fechamento de comércio e outros estabelecimentos a uma medida de exceção
como o estado de sítio. Mais uma vez, fazendo prognósticos sombrios
sobre fome dos cidadãos, perguntou: “Será que o governo federal vai ter
que tomar uma decisão antes que isso aconteça? Será que a população está
preparada para uma ação do governo federal dura no tocante a isso?”.
No
domingo, retomou o tema, afirmando que poderiam contar “com as Forças
Armadas pela democracia e pela liberdade”. O presidente voltou a
advertir que “estão esticando a corda” e que faria qualquer coisa “pelo
meu povo”. Esse discurso delirante leva novamente à discussão sobre a
tendência de Bolsonaro usar o Exército como arma de ataque aos que
considera seus inimigos, agora sendo a vez de governadores e prefeitos.
Tendo entrado no Supremo contra medidas de isolamento social adotadas no
Distrito Federal e nos estados da Bahia e do Rio Grande do Sul, o
presidente Bolsonaro faz uma pegadinha com os ministros.
Quer simplesmente Bolsonaro reafirmar sua tese de que o STF e os governadores não o deixam governar, uma tese mentirosa e perigosa, pois pode embasar a tentativa de golpe que ameaça sempre. fato é que Bolsonaro, com o desastre que patrocina no combate à Covid-19, está perdendo apoio, o que demonstra a carta dos economistas divulgada na coluna de domingo, que desmascara a tese de que é a esquerda que está contra seu governo. E também apoio político, pois até mesmo o Centrão já está temeroso de continuar uma aliança acriticamente, só pensando nas benesses imediatas, sem medir as consequências de longo prazo de estar abraçado a um presidente que pode naufragar nessa travessia.
Merval Pereira, jornalista - O Globo