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domingo, 6 de setembro de 2020

Os donos do poder - Luiz Carlos Azedo

“É impressionante como a política de parentela, cujas origens são o mandonismo e o patrimonialismo, se reproduz como modelo, dando origem a novos clãs políticos”

Tomo emprestado o título da coluna da obra já sexagenária de Raymundo Faoro (1925-2013), jurista, cientista político e sociólogo, considerado um dos grandes intérpretes do Brasil, autor de Os Donos do Poder: Formação do patronato político brasileiro (1958), uma leitura weberiana da nossa realidade. Seu olhar amplo e profundo sobre a nossa formação como nação desnuda as origens e a essência do mandonismo e do patrimonialismo, raízes do autoritarismo brasileiro, associando-o às elites que dominaram o país desde o período colonial, “organizando o poder político de forma análoga ao poder doméstico”. 

Isso resultou num Estado mais forte do que a sociedade, “em que o poder centrípeto do rei, no período colonial, e do imperador, ao longo do século XIX, ou do Executivo, no período republicano, criou forte aparelho burocrático alicerçado no sentimento de fidelidade pessoal”. Remeto-me a Faoro em razão do projeto de reforma administrativa encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, que não vai atingir os atuais servidores, somente os que ingressarem no serviço público após a aprovação da reforma. Mas, não essencialmente por essa razão, mas, sim, pelo fato de que o chamado “poder instalado” não será atingido pela reforma nem agora nem depois
com o fim do regime único, parlamentares, magistrados (juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores), promotores e procuradores e militares, a elite do serviço público, terão regras diferentes dos servidores comuns. [um comentário se impõe:
As categorias acima destacadas, não integram, nem nunca integraram o regime único = Lei 8.112/90 - que substituiu o antigo Estatuto dos Funcionários Públicos (Lei nº 1.711/52) dos tempos de Getullio Vargas e, constitucionalmente,  estão  na  Seção III do Título III  da CF = são o velho barnabé.
magistrados ( MEMBROS do Poder Judiciário) são regidos pela LOMAN - Lei Orgânica da Magistratura Nacional. (Lei Complementar nº 35/79) e legislação complementar;
- Os promotores e procuradores (MEMBROS do Ministério Público, são regidos pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93)  e legislação subsidiária.
Cabe o registro de que não constituem um Poder da União.
 - Os militares não são servidores públicos, conforme  Capítulo II da Seção III do Título V da CF.]

O velho barnabé, cujas agruras e revolta Oduvaldo Vianna Filho resumiu na figura do Manguari Pistolão, o anti-herói de Rasga Coração, é que pagará a conta da reforma, quando muito mais poderia ser feito se a austeridade e a transparência valessem realmente para todos. Ao analisar a relação entre as oligarquias regionais e o poder central, que se reproduziu nos diversos períodos republicanos, Faoro destaca que “o estamento burocrático, fundado no sistema patrimonial do capitalismo politicamente orientado, adquiriu o conteúdo aristocrático, da nobreza da toga e do título. A pressão da ideologia liberal e democrática não quebrou, nem diluiu, nem desfez o patronato político sobre a nação”.

 A proposta de reforma parece confirmar o diagnóstico. Alguns acusam Faoro de não reconhecer o papel modernizador de nossa elite burocrática, principalmente nos períodos pombalino, no Segundo Império e no primeiro governo Vargas, períodos que a obra analisa, e que viria a se repedir durante o regime militar. Não foi mero acaso a grande repercussão que teve a reedição da obra nos anos 1970, seu diagnóstico se confirmou no regime militar e ainda nos parece atual.

Famílias poderosas
Na prática, a exclusão do “poder instalado” representa meia aprovação da reforma administrativa pelo Congresso, porque os lobbies mais poderosos contra o fim dos privilégios são corporativos e atuam diretamente junto aos parlamentares. Na verdade, trata-se de uma velha aliança, que se manteve ao longo da história. Com toda a renovação que houve nas eleições de 2018, por exemplo, o número de parlamentares com vínculos familiares com velhas oligarquias do país chega a 172, sendo 138 ligados a clãs políticos com representação em várias esferas de Poder, inclusive no Executivo, no Judiciário e no Ministério Público. Se formos considerar, ainda, outros grupos, como a bancada ruralista, os militares e os pastores evangélicos, o poder de intervenção desses segmentos na votação da reforma administrativa para manter seus privilégios será bastante significativo.

Em alguns estados, os clãs políticos dominam a representação parlamentar completamente, como a Paraíba, com 12 deputados, dez dos quais ligados a famílias políticas tradicionais. No Senado, seus três representantes são ligados a velhas oligarquias regionais. Se formos considerar a composição dos partidos, veremos que o eixo das alianças do presidente Bolsonaro com o Centrão, na Câmara, passa, principalmente, pela chamada “bancada dos parentes”: PP e PSD têm 18 parlamentares com essa característica, cada; MDB, 17; PR, 16; PTB, nove; PRB, oito; SD, seis; PSL, quatro. Sobra para quase todos os partidos, entre os quais se destacam PSDB, 13; DEM e PT, 12; PSB, 11; PDT, nove; PRB, oito; PCdoB, quatro; PROS, três. No Senado, a “bancada dos parentes”caiu de 39 para 24 senadores.

Há clãs políticos que protagonizam a política de seus estados, alguns com grande tradição e projeção nacional. No Maranhão, a família do ex-presidente Sarney; no Ceará, os Ferreira Gomes; no Rio Grande do Norte, os Alves e os Maias; em Goiás, os Caiado e os Bulhões; no Paraná, os Richa; em Alagoas, os Calheiros; na Bahia, os Magalhães; no Pará, os Barbalho; em Pernambuco, os Arraes e Bezerra/Coelho; na Paraíba, os Maranhão, Vital do Rego, Cunha Lima e Ribeiro; no Acre, os Vianna; em Tocantins, os Abreu.

É impressionante como a política de parentela, cujas origens são o mandonismo e o patrimonialismo, se reproduz como modelo de poder familiar, dando origem a novos clãs políticos. O mais novo e poderoso deles é o clã Bolsonaro, que se constituiu antes da chegada ao poder central, numa faixa obscura e sinuosa de relações políticas com setores ligados à segurança pública no Rio de Janeiro, mas que aprendeu a atuar e se reproduzir na convivência com o baixo clero do Congresso, no qual a “bancada dos parentes” atua como peixe dentro d’água. O presidente Jair Bolsonaro trouxe para o centro do poder decisão os filhos Flávio (Republicanos-RJ), senador; Carlos Bolsonaro (Republicanos), vereador carioca; e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal. Quem quiser que se iluda, esse novo clã político manda na agenda do país.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


segunda-feira, 28 de maio de 2018

Em favor da democracia



Documentos reativam desejo de revisão de uma anistia legítima e de ampla base legal

Não há qualquer dúvida sobre a repulsa ao crime de tortura e a assassinatos cometidos pelo Estado ou por grupos políticos, como os revelados por documentos liberados pela agência americana CIA. A defesa de ideologias não dá licença para criminosos infratores de direitos humanos. Entendem-se as críticas à anistia proposta pelo último governo da ditadura militar, de João Baptista Figueiredo, citado em um desses documentos, e aprovada pelo Congresso, em 1979. Foram tempos duros que geraram dramas pessoais, de lado a lado, impossíveis de serem apagados. 

São tragédias que ocorrem em regimes de exceção, que, a depender de seu desfecho, terminam em anistias, geralmente recíprocas. É sempre o recomendável para o apaziguamento da sociedade. Mais ainda quando as transições para a democracia são negociadas, sem violência, atendendo-se a condições de ambos os lados.  Aconteceu no Brasil, no esgotamento da ditadura militar, no último dos governos dos generais, de João Baptista Figueiredo, com o aval do Congresso e participação da oposição nas negociações.  Não seria uma unanimidade a anistia, porque havia o lado radical de combate à ditadura dos militares, inspirado no castrismo e outras correntes da esquerda e que, na verdade, queriam substituir uma ditadura por outra. Estas frações fizeram parte da ampla aliança de resistência ao regime, lado a lado com democratas. Divergências posteriores seriam incontornáveis, e isso ficou evidente no estilhaçamento do velho MDB em várias legendas, à esquerda e à direita.

A anistia brasileira se diferencia de outras concedidas no continente, em que ficou evidente a preocupação prioritária com o perdão dos militares. Tanto que Uruguai, Argentina e Chile reabriam, na democracia, suas anistias. No Brasil, não faria sentido.
Em recente artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, que atuou na Comissão da Verdade, destaca aspectos importantes no processo brasileiro. A solidez da base legal e de legitimidade do perdão concedido em 1979 não se deve apenas à forma como foi negociado e à unção do Congresso. Recorda o advogado que, em novembro de 1985, o mesmo Congresso que elegera Tancredo Neves presidente aprovou, de forma livre, a Emenda Constitucional 26 para inscrever na Carta a lei de 79. Foi uma exigência dos militares para incluir no perdão os responsáveis pelo atentado do Riocentro, de 81, portanto posterior à anistia.

Os entendimentos foram feitos dentro do mesmo contexto das conversas em torno da lei de 79, em que atuou Raymundo Faoro, presidente da OAB, de que participaram Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, entre outros. Tancredo, antes da eleição, ajudou a preparar, com os militares, as bases para uma transição sem turbulências. Assim foi feito. José Paulo Cavalcanti destaca, com razão, que, ao contrário do que ocorreu em outros países, a transição no Brasil foi dos militares para a oposição civil, e não dos militares para o estamento civil do velho regime.

Editorial - O Globo



quarta-feira, 23 de maio de 2018

O TCU poderá abrir a caixa da OAB



A entidade se mete em tudo, vive de cobrança compulsória, não mostra suas contas e preserva a eleição indireta 

[Afiliação também compulsória - não sendo afiliado à OAB não pode advogar -  e,  mais grave, para se afiliar à Ordem tem que ser aprovado em um exame que nem o CRM (que fiscaliza os que cuidam de vidas humanas) pode exigir dos seus fiscalizados.

A OAB não é propriedade do seu presidente e sua diretoria - pertence a milhares e milhares de associados, contribuintes compulsórios. ]



A notícia é boa, resta saber se vai adiante. A repórter Daniela Lima revelou que o Tribunal de Contas da União pretende abrir a caixa-preta do cofre da Ordem dos Advogados do Brasil. Estima-se que ele movimente a cada ano R$ 1,3 bilhão anuais. Cada advogado é obrigado a pagar cerca de R$ 1 mil em São Paulo e no Rio, e a administração do ervanário é mantida a sete chaves. Se isso fosse pouco, o presidente do Conselho da Ordem é eleito indiretamente. Em 2014, seu titular, o doutor Marcos Vinicius Coêlho, prometeu realizar um plebiscito entre os advogados para saber se eles preferiam uma escolha por voto direto. Disse também que colocaria as contas da OAB na internet. Prometeu, mas não fez.

A Ordem foi uma sacrossanta instituição, presidida no século passado por Raymundo Faoro. De lá para cá, tornou-se um cartório de franquias. Em 2015, na qualidade de presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, o deputado w.d (PT-RJ) condenou o instituto legal da colaboração dos réus da Lava-Jato: “Delação premiada não é pau de arara, mas é tortura. [e mantendo sua postura pró celerados, é defensor voluntário do presidiário Lula da Silva.]  Ele tem todo o direito de dizer isso como cidadão, mas uma ordem de advogados não tem nada a ver com isso. A OAB defendeu o financiamento público das campanhas eleitorais e meteu-se na discussão dos limites de velocidade no trânsito de São Paulo. Esses assuntos não são da sua esfera, como não o são do sindicato dos médicos, e disso resulta apenas uma barafunda. Cada advogado pode ter as ideias que quiser, mas nem a Ordem, nem suas seções estaduais, devem se meter em temas tão genéricos e controversos. Coroando as interferências divisivas da Ordem, ela defendeu a deposição de Dilma Rousseff.

Uma Ordem de advogados pode tomar posição em questões gerais, como a OAB de Faoro desmontando o Ato Institucional nº 5. Mesmo nesse caso, não custa lembrar que o texto do instrumento ditatorial foi redigido pelo ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva, ex-diretor da Faculdade de Direito da USP, sucedido no cargo por Alfredo Buzaid, outro diretor das Arcadas. Ao contrário do que ocorre com os médicos, comprometidos com a saúde dos pacientes, o compromisso dos advogados com o Direito é politicamente volúvel. A Constituição da ditadura do Estado Novo foi redigida por Francisco Campos, um dos maiores juristas do seu tempo. Felizmente, naquele Brasil havia também um advogado como Sobral Pinto, defendendo Luís Carlos Prestes com a lei de proteção aos animais.

Quando os juízes da Corte Suprema dos Estados Unidos chegam ao aeroporto de Washington, tomam táxis. Quando os conselheiros da OAB chegam a Brasília, têm à espera Corollas pretos com motorista. Esse mimo é extensivo à diretoria da instituição. (O juiz Antonin Scalia dirigia sua BMW. Seu colega Harry Blackmun andava de Fusca e nele viajaram suas cinzas para o cemitério.) Num outro conforto, se a OAB recebe um convite para participar de um evento na Bulgária, seu representante viaja com a fatura coberta pelos advogados brasileiros.
Não se pode pedir que a sigla da OAB deixe de ser usada como mosca de padaria, mas será entristecedor vê-la defendendo o sigilo de suas contas. 

Elio Gaspari, jornalista - O Globo

 

sábado, 8 de julho de 2017

A nação sob o governo das minorias

A crise que jogou o Brasil na mais prolongada e perigosa depressão econômica e social de sua história não pode ser entendida sem que se conheça o peso do patrimonialismo, do corporativismo e do clientelismo na vida nacional. É pelo peso do patrimonialismo que o exercício do poder político se confunde com usufruto (quando não com a posse mesma) dos recursos nacionais. É pelo peso do corporativismo, cada vez mais entranhado e influente nas estruturas do Estado, que os bens e orçamentos públicos vêm sendo canibalizados desde dentro pelo estamento burocrático. É pelo peso do clientelismo que elites corruptas são legitimadas numa paródia de representação política, comprando votos da plebe com recursos tomados à nação.

Na perspectiva do cidadão comum, o que resulta mais visível, lá no alto das manchetes e no pregão dos noticiários de rádio e TV, é o que vem sendo chamado de mecanismo, ou seja, o modo como, nos contratos de obras e serviços, o recurso público é desviado para alimentar fortunas pessoais, partidos políticos e campanhas eleitorais que, por sua vez, garantem, a todos, a continuidade dos respectivos negócios. Com efeito, esse é o topo da cadeia. É o que se poderia chamar de operação contábil que viabiliza e formaliza o patrimonialismo.

O corporativismo, de longa data, se configura como forma de poder exercido com muito sucesso e responde, ano após ano, pela crescente apropriação dos orçamentos públicos e dos recursos de empresas estatais pelas corporações funcionais. É uma versão intestina do velho patrimonialismo. Raymundo Faoro, a laudas tantas de “Os Donos do Poder”, escreve sobre a centralização política ocorrida no Segundo Reinado e a singela constatação de que existem duas possibilidades: ou a nação será governada por um poder majoritário do povo ou por um poder minoritário. Era como exercício de poder minoritário que Faoro via o reinado de D. Pedro II. E o entendia à luz da teoria de Maurice Hariou, que fala de um poder formado “ao largo das idades aristocráticas, pelo exercício mesmo do direito de superioridade das minorias diretoras”.

Maurice Hariou (1856-1929) reparte com Kelsen o apelido de Montesquieu do século XX. Na sua perspectiva, são as instituições que fundamentam o Direito, e não o contrário. Correspondem ao conceito, as organizações sociais subsistentes e autônomas nas quais se preservariam ideias, poder e consentimento. A isso, dava ele o nome de corporativismo. 

Após 127 anos de república, é comum vê-lo em pleno exercício quando representantes de outros poderes, de carreiras de Estado, e de seus servidores ocupam ruidosamente galerias dos plenários ou palmilham corredores onde operam os gabinetes parlamentares. Raramente saem frustrados em suas reivindicações. E assim, bocado a bocado, ampliam, além de toda possibilidade, a respectiva participação no bolo dos recursos públicos. Em muitos casos, a soma das fatias já ultrapassa os 360 graus.

Os ônus do corporativismo representam um prejuízo vitalício, que se perpetua através das gerações. Como tal, muito certamente, excede o conjunto das falcatruas operadas pelo mecanismo. O Estado brasileiro poderia ser menor, onerar menos a sociedade e enfrentar adequadamente o drama das camadas sociais miseráveis, carentes de consciência política. Por que iriam os operadores do mecanismo, os manipuladores da miséria e o estamento burocrático interessar-se em acabar com a ascendência que exercem sobre essas vulneráveis bases eleitorais? Os três juntos – patrimonialismo, corporativismo e clientelismo – põem a nação em xeque. Não sairemos dele se não identificarmos, acima e além dos partidos e seus personagens, estes outros adversários, intangíveis mas reais, que precisam ser vencidos.

http://puggina.org