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sábado, 9 de setembro de 2023

O que fazer com o dinheiro? - Carlos Alberto Sardenberg

O que a Petrobras fará com os R$ 6,28 bilhões que recebeu de empresas e executivos, inclusive da própria estatal, a partir dos acordos de leniência firmados no âmbito da Operação Lava-Jato? Se foi tudo uma “armação”, se os pagamentos foram indevidos, a Petrobras tem de devolver esses bilhões.

Parte do dinheiro pago pela Odebrecht foi para o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a Procuradoria-Geral da Suíça. Colaboraram nas investigações que chegaram ao famoso sistema Drousys, usado pelo setor de Operações Estruturadas da empresa para controlar os pagamentos de propina a autoridades e políticos.

Mas, se não aconteceu nada disso, os acionistas da Odebrecht têm o direito de reclamar de volta esse dinheiro enviado para os gringos.

A Petrobras teve de pagar indenizações a acionistas que negociavam seus papéis na Bolsa de Wall Street. Foi um acordo por meio do qual a estatal brasileira reconheceu a má gestão — ou, mais exatamente, a corrupção, o petrolão —, circunstância que, obviamente, influiu negativamente no valor de suas ações.

Mas, se foi “armação”, todas essas indenizações foram indevidas. E então, que órgão do governo brasileiro organizará as cobranças aqui e lá fora?

Ou vai ficar tudo por isso mesmo?

Ocorre que o ministro Dias Toffoli encaminhou outras providências. Determinou que todos os órgãos envolvidos nos acordos de leniência sejam alvo de investigação para apurar eventuais danos à União. É uma longa lista. Vai da Lava-Jato de Curitiba até a Advocacia-Geral da União, Ministério Público e mais — centenas de gestores.

Um deles está ali mesmo, ao lado de Toffoli, numa cadeira do Supremo. Trata-se de André Mendonça, ex-chefe da AGU. O órgão foi parte ativa nos acordos de leniência, como o próprio Mendonça confirmou e elogiou numa entrevista em abril de 2019. Disse ainda que a AGU continuava patrocinando outros acordos.

No total, os acordos de leniência levaram a pagamentos de R$ 25 bilhões a diversas empresas estatais e instâncias de governos estaduais e federal.  
Também há complicação no âmbito do Judiciário. 
Em 23 de abril de 2019, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu por unanimidade manter a condenação de Lula no caso do tríplex do Guarujá. 
 O mesmo STJ permitira a prisão de Lula, em abril de 2018, com base no entendimento de que o réu poderia começar a cumprir a pena depois da condenação em segunda instância. 
E o plenário do STF, em 4 de abril daquele ano, negara habeas corpus que livraria Lula da prisão
A decisão foi apertada, 6 a 5, mas tomada pelo plenário. “Armação”? 
 
A recente decisão de Dias Toffoli foi monocrática, assim como fora a de Edson Fachin, quando, em 8 de março de 2021, anulou todas as condenações de Lula na Lava-Jato
Argumentou que o processo deveria ter sido aberto em Brasília, e não em Curitiba — “descoberta” feita cinco anos depois da abertura do caso. A decisão foi confirmada pelo plenário do Supremo o que denota um tipo de corporativismo. Você não mexe na minha sentença, eu não mexo na sua. 
 
Depois disso, o então ministro Ricardo Lewandowski tomou várias decisões monocráticas anulando as delações da Odebrecht nos processos de Lula. 
Toffoli completou o serviço, anulando toda a delação. 
Então ficamos assim: um erro processual, primeiro, e uma sequência de decisões monocráticas, depois, determinaram que as delações foram irregulares, o que dispensa, nessa grande “armação”, a verificação das provas.  
Quer dizer: aqueles computadores e programas da Odebrecht não existem, foi tudo uma ilusão.

Tudo considerado, há uma conclusão que se pode tirar para preservar a democracia e a segurança jurídica. Como já sugeriu o advogado, jurista e ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho, as decisões monocráticas deveriam ser simplesmente vetadas. Abolidas. Do jeito como está, não temos uma Corte, mas 11 capitanias que decidem cerca de 90% dos casos. Dá nisso.

Agora, quem quiser saber a história real, está no livro de Malu Gaspar “A organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo”.

Suas Excelências deveriam ler.

Carlos Alberto Sardenberg, colunista 

Coluna em O Globo,  9 setembro 2023


 


quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Bolsonaro diz que vai 'diminuir a pressão' após derrota do voto impresso, mas volta a atacar ministros do STF - O Globo

Presidente afirmou que Fux agiu com 'corporativismo' ao defender Barroso e Moraes

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta quinta-feira que irá "diminuir a pressão" na defesa do voto impresso, mas manteve acusações sem provas de fraudes na eleições e seguiu atacando integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma proposta sobre impressão do voto foi rejeitada na Câmara na terça-feira. 

— Por que alguns parlamentares resolveram votar contra o voto impresso, baseado no que? Se nós estamos oferecendo mais uma maneira de garantirmos a lisura por ocasião das eleições. Isso aí a gente não pode deixar de falar. Lógico que vou diminuir a pressão da minha parte, vou diminuir a pressão, sim, porque tem muita coisa a fazer pelo Brasil, mas não podemos esquecer — disse Bolsonaro, em entrevista à Rádio Jovem Pan Maringá.

Bolsonaro voltou a criticar a atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, e falou que o presidente do STF, Luis Fux, agiu com "corporativismo" ao defender Barroso e o ministro Alexandre de Moraes de ataques de Bolsonaro. Em pronunciamento na semana passada, Fux afirmou que "quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro".

É lamentável o que o ministro Barroso está fazendo. O próprio ministro do Supremo Tribunal Federal, presidente Fux, na sua nota, falou “mexeu com um, mexeu com todos”. Não é assim. Se um militar faz uma coisa errada, eu sou militar, o que nós fazemos? A gente investiga. Se tiver responsabilidade, vai pagar o preço, altíssimo. Não pode ter corporativismo nessas questões.

Política - O Globo


sábado, 19 de junho de 2021

A opressão latino-americana - Revista Oeste

Rodrigo Constantino

Eliminar o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza por meio do Estado deve ser uma meta perseguida por todos os que defendem a liberdade

A América Latina é terreno fértil para demagogos, populistas autoritários, socialistas em geral. Em ambiente com miséria e ignorância, esses oportunistas se criam com mais facilidade, exploram suas vítimas mascarando seu projeto de poder com slogans bonitinhos de igualdade e “justiça social”. E o mais grave é que a história se repete com incrível frequência, como se o povo fosse incapaz de aprender com os próprios erros.

A bola da vez é o Peru, depois de a Argentina trazer de volta ao poder o Foro de SP, mirando no péssimo exemplo venezuelano. Um livro clássico nos meios liberais é O Manual do Perfeito Idiota Latino-americano, escrito por três autores, entre eles Álvaro Vargas Llosa, filho do Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, que escreveu a apresentação do livro. Eles tiveram de retornar ao tema com A Volta do Idiota, perplexos com essa insistência nos mesmos erros.

Mario Vargas Llosa disputou a Presidência do Peru em 1990 e perdeu para Fujimori. Desta vez, o escritor liberal apoiou a filha do ex-presidente, para tentar impedir o destino trágico do socialismo. Mas o “professor esquerdista” Pedro Castillo assumiu a liderança numa contagem sob suspeita e por poucos votos a mais pode selar o destino do país rumo ao abismo. É uma sensação grande de impotência por parte de quem sabe o que está em jogo.

Álvaro é autor de outro livro instigante, Liberty for Latin America, em que define os cinco pilares da opressão. A ideia central talvez possa ser resumida por essa frase de Llewellyn Rockwell Jr.: “Devemos nossa liberdade não ao desejo do Estado de permitir que as pessoas e as instituições sejam livres, mas ao desejo das pessoas e das instituições de resistir”. Os oprimidos esperam tudo do Estado opressor! E aí começam os problemas.

Logo na introdução, Álvaro deixa claro que nada é mais crítico para o objetivo de libertar a América Latina dessa opressão que compreender por que as transformações políticas e econômicas das últimas décadas beneficiaram somente uma pequena elite. O autor levanta o debate entre instituições e culturas, alegando que uma necessita da outra. As regras de relacionamento entre indivíduos precisam mudar, mas os valores que determinam a conduta humana também. Esses valores não mudarão a menos que as pessoas vejam que os novos valores são relevantes por meio de incentivos e recompensas possíveis pela mudança institucional.

Se é verdade que a tradição ibérica pesa contra o desenvolvimento da região, também é verdade que a Espanha e Portugal, onde tal tradição se originou, conseguiram prosperar após mudanças institucionais. Claro que para um sucesso sustentável é preciso uma mudança cultural. Victor Hugo já dizia que “não há poder maior que o de uma ideia cuja hora é chegada”. Mas postergar a remoção das causas diretas de opressão até que os valores corretos sejam absorvidos pelo povo vai condenar a região à impotência e ceder espaço para aqueles que são tentados a usar esses instrumentos de opressão para impedir a mudança cultural.

Quais são, então, esses instrumentos de opressão estatal, causa principal do fracasso da região? É o que Vargas Llosa busca responder. Os cinco princípios de organização social, econômica e política que oprimem o indivíduo seriam, segundo o autor, o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza e a lei política, aqui entendida como o positivismo, contrário ao império da lei. Vargas Llosa busca as origens desses instrumentos de opressão no passado da região.  Uma pessoa não era uma pessoa, mas sim parte de um mecanismo maior, e existia somente como fração dessa entidade coletiva. Os indivíduos trabalhavam não para si próprios, mas para a manutenção dessa entidade que exercia força sobre eles. Não trabalhavam para subsistir, mas subsistiam para trabalhar em prol do Estado e seus parasitas. Os exemplos fornecidos pelo autor incluem o estilo de vida dos astecas e incas, em que nobres desfrutavam de privilégios como roupas de algodão e joias, enquanto exploravam escravos.

A organização desses povos era altamente hierarquizada, e os nobres recebiam direitos sobre a terra e o trabalho, transferindo renda por meio de tributos. O rei ou imperador era visto como a própria encarnação divina, e exercia, portanto, autoridade absoluta. A lei era uma extensão do rei, não uma regra objetiva e isonômica. Os maias e astecas praticavam sacrifícios humanos, já que o líder tinha poder sobre a “verdade” e também sobre a vida de todos.

Quando Espanha e Portugal conquistaram várias regiões da América Latina, no século 16, estavam no auge de uma longa tradição corporativista. Como consequência do surgimento do Estado-nação e sua volúpia fiscal, os direitos de propriedade passaram a ser uma transação mercenária entre a autoridade central e grupos particulares. Quando os direitos seletivos de propriedade não eram suficientes, o Estado expropriava riqueza privada diretamente. Esse era o princípio do mercantilismo ibérico. As encomiendas, grandes pedaços de terras concedidos pelo Estado como recompensa militar e outros motivos, eram talvez o maior símbolo de privilégio. Esse símbolo refletia a ideia dominante de que a riqueza não tinha de ser produzida, mas sim tomada.

A estrutura era bastante centralizada, e Espanha e Portugal não objetivavam desenvolver suas colônias, mas obter o máximo de riqueza possível por meio da exploração delas. Chegou a ser ilegal produzir bens que poderiam ser fornecidos pela metrópole. A sociedade colonial rapidamente aprendeu que sua sobrevivência dependia dos esquemas do Estado mercantilista, porque a única atividade rentável era negociar por meio do governo, não no mercado. Quando os movimentos de independência ganharam força na região, já existia uma cultura de que a lei não tinha nenhuma raiz real, sendo algo arbitrário que depende da vontade de uns poucos poderosos. Todo novo governante apontou ou removeu juízes de acordo com seus desejos, reescreveu a Constituição, refez ou estendeu os códigos existentes etc.

Até quando seremos vítimas de opressores mascarados de salvadores igualitários?

Nesse ambiente, o avanço na sociedade era possível somente pela influência no processo político que dominava a lei. Era no teatro da política, não do mercado, que a competição ocorria. A energia estava focada não em produzir riqueza, mas em direcionar a lei para a vantagem pessoal. Com essa mentalidade e com as suas correspondentes instituições estabelecidas, prosperar como nação era praticamente impossível. Infelizmente, não foi tanto assim o que mudou desde então. Muitos ainda encaram o Estado como um semideus, defendem medidas mercantilistas ultrapassadas, pedem mais interferência estatal na economia, ignoram a necessidade de um império de leis igualmente válidas para todos, focam suas energias na organização em grupos para extrair o máximo de privilégio possível do governo. Alterar esse quadro lamentável exige mudança cultural e institucional. A mudança no campo das ideias será lenta e gradual, como não pode deixar de ser. Combater as instituições opressoras passa a ser uma necessidade imediata. Eliminar o corporativismo, o mercantilismo, o privilégio, a transferência de riqueza por meio do Estado e a lei política arbitrária deve ser então uma meta perseguida por todos os que defendem a liberdade.

O que assusta são os constantes retrocessos na região. É como se o fantasma de Montezuma ou o de Atahualpa ainda pairassem sobre nós, ou então o espectro cubano, cujo regime opressor calcado nessas falácias persiste há mais de meio século. 
Até quando seremos vítimas de opressores mascarados de salvadores igualitários? 
Até quando os latino-americanos vão cair na ladainha da esquerda?[até o dia em que a maldita esquerda seja extinta.]

Leia também “Os “democratas” totalitários”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste

 

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Indulto de Bolsonaro a policiais traduz corporativismo e ideologia – O Globo

Opinião

Do ponto de vista lógico, faria mais sentido indultar condenados por infrações leves, como porte de drogas

Pelo segundo ano consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro privilegiou, no tradicional indulto de Natal, a categoria que lhe é mais cara. Além do benefício concedido por razões humanitárias a presos deficientes ou acometidos por doença grave, também foram indultados “agentes públicos que compõem o sistema nacional de segurança pública”: militares e policiais de todas as corporações.

O indulto não deve ser confundido com a saída temporária, comum no período de festas. Para efeitos práticos, equivale a um perdão. Significa que o beneficiado está doravante quite com a sociedade e não precisa mais cumprir as penas a que foi condenado. Como todo indulto, o deste ano exclui crimes hediondos ou graves, caso de tortura, participação em organizações criminosas, terrorismo, pedofilia ou tráfico de drogas. Mas inclui policiais condenados por atos cometidos mesmo no período de folga e os que cometeram “crimes culposos ou por excesso culposo”.

 

[A que ponto chegamos? A imprensa defendendo o indulto (perdão presidencial)  a usuários de drogas. Esquecem que não fosse o usuário de drogas o tráfico não existiria. Os noiados, os viciados, os maconheiros são os que sustentam o tráfico e também cometem crimes para sustentar o vício.  O tráfico e o consumo tem que ser combatido com praticamente o mesmo rigor - o tráfico com penas mais severas devido a violência que produz - não havendo viciados , traficar perde o sentido.

Outra matéria que justifica a pergunta do inicio uma em que uma jornalista, a pretexto de defender os direitos reprodutivos das mulheres quer tirar de seres humanos inocentes e indefesos o maior, o mais sagrado de todos os direitos: o DIREITO À VIDA.

Presidente Bolsonaro, o senhor tem o DEVER de reduzir o número das coisas erradas que insistem em crescer no Brasil. Uma delas, sem ser limitante, considerar o aborto crime imprescritível. Se um mandato não for suficiente, fique certo que iniciando o processo reparador do Brasil, mais um mandate lhe será concedido. ]

Pelo segundo ano consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro privilegiou, no tradicional indulto de Natal, a categoria que lhe é mais cara. Além do benefício concedido por razões humanitárias a presos deficientes ou acometidos por doença grave, também foram indultados “agentes públicos que compõem o sistema nacional de segurança pública”: militares e policiais de todas as corporações.

O indulto não deve ser confundido com a saída temporária, comum no período de festas. Para efeitos práticos, equivale a um perdão. Significa que o beneficiado está doravante quite com a sociedade e não precisa mais cumprir as penas a que foi condenado. Como todo indulto, o deste ano exclui crimes hediondos ou graves, caso de tortura, participação em organizações criminosas, terrorismo, pedofilia ou tráfico de drogas. Mas inclui policiais condenados por atos cometidos mesmo no período de folga e os que cometeram “crimes culposos ou por excesso culposo”.

Não é preciso ser especialista em exegese jurídica para entender tais palavras. Bolsonaro usou o indulto presidencial para atropelar decisões da Justiça relativas a policiais. Na prática, da caneta presidencial, saiu um “excludente de ilicitude” para a polícia.

Por uma decisão do Supremo sobre o indulto natalino concedido pelo então presidente Michel Temer em 2017, nada há de errado no ato de Bolsonaro. Temer extinguira o limite de condenação necessário para um condenado ter direito ao benefício (ampliado para 12 anos nos governos Lula e Dilma) e estabelecera como exigência apenas o cumprimento de um quinto da pena. Pela decisão do Supremo, o presidente tem poderes praticamente ilimitados para decidir quem indultar. [Está na Constituição e tem que ser cumprido. O Supremo não pode, não deve - não pega bem em um país que dizem viver sob o 'estado democrático de direito'  - que a Constituição para ser cumprida precise ser validada pelo STF.]

Mesmo que os indultos de Temer e Bolsonaro tenham respeitado a Constituição, isso não quer dizer que tenham sido corretos. O primeiro pecou pela permissividade, ao libertar corruptos e criminosos de colarinho branco. O segundo agiu movido pelo corporativismo e pela ideologia que acredita, contra todas as evidências, que policiais e militares devem ser tratados com mais leniência que o cidadão comum.

Nada disso deveria ser o objetivo original do indulto. Ele é necessário, primeiro, por razões humanitárias, para retirar da prisão quem não oferece mais risco à sociedade. Segundo, para aliviar um sistema carcerário que hoje abriga mais de 800 mil presos, dois quintos sem condenação. Do ponto de vista lógico, faria muito mais sentido indultar os milhares de condenados por infrações leves, como porte de pequenas quantidades de maconha ou de outras drogas, do que corruptos ou policiais criminosos. Mas a motivação de Bolsonaro obviamente não segue a lógica.

Opinião - O Globo

 

sábado, 1 de junho de 2019

Quem cumpre pacto?

A política tem desses cacoetes: quando tudo vai mal se arma um “pacto” pela governabilidade. Nunca efetivamente passou de mera encenação. A história está repleta deles, sempre com o ingrediente do jogar para a torcida. De lá e de cá, apertos de mão. Intenções combinadas. Mas logo a ação dos protagonistas devolve o famigerado pacto à condição de letra morta. Virou quase palavrão, lorota para engabelar a turba. Desde o pacto de Moncloa — que de fato marcou a redemocratização espanhola nos idos de 1977, com o engajamento efetivo e consciente de políticos, sindicatos, empresários e governo — nenhum outro prosperou dentro do acertado. “Que seja escrito e que se cumpra” foi mantra jamais tomado a sério ao longo dos anos. Ao menos em terras brasileiras. O ex-presidente Sarney tentou seu pacto, o substituto Collor também e assim sucessivamente até os dias atuais. 

Pelo novo pacto, em voga com a anuência do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, se busca aprovar as reformas. Entre os signatários da proposta não há diferenças de objetivo nesse aspecto. Já não havia. Os parlamentares da Câmara e do Senado, desde o início, foram os primeiros a mostrar motivação e articulação no caminho das chamadas mudanças estruturantes. Os líderes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que comandam as duas Casas do Legislativo, tinham se comprometido a seguir adiante com o projeto da Previdência e os demais temas pendentes na pauta, com ou sem a atuação direta do presidente — esse hesitante até o último momento. O que separa os poderes no pormenor das reformas é, digamos, o alcance do lastro de medidas. O Executivo, por exemplo, quer livrar a cara dos militares, atenuando o peso do corte nas pensões desses aposentados de farda. 

A faceta do corporativismo está viva e conta com o beneplácito e apoio aberto do mandatário em pessoa. Há outros blocos de pedidos para se enquadrar em “regimes especiais”. As conhecidas castas de privilegiados são as mesmas de sempre que implodiram — fundamentalmente elas — o sistema como um todo. Daí o pacto ter, por assim dizer, objetivos flácidos, que tendem a se acomodar aos interesses dos próprios propositores. Bolsonaro, quando se liga no assunto Previdência — algo nada corriqueiro — puxa as benesses para a tropa. Deputados e senadores prestam vassalagem a seus currais eleitorais e, portanto, procuram atender em especial a servidores públicos que participam do convencimento de convertidos nas urnas de maneira decisiva. O Judiciário, como não poderia deixar de ser, também zela pelos seus. 

 É a velha fábula do cobertor curto se prestando ao puxa-puxa de quem acha ter mais frio. Quem definitivamente fica de fora dos conchavos, não está contemplado nas acomodações do celebrado “pacto” por não interessar, de maneira relevante, ao conjunto de forças que trabalha e pressiona diretamente os negociadores, são os brasileiros comuns. Esses sim, já no piso das aposentadorias, terão de doar, inapelavelmente, sem dó, a maior cota de sacrifícios. Em todos os sentidos. 

Entregando mais tempo de atividade antes de se habilitar ao benefício. Submetidos a critérios mais rígidos e aquinhoados com valores menores. Não se iluda. É do jogo de qualquer “acordão”. O que está pactuado é do interesse dos mesmos, lhes garante vantagens diretas, de uma maneira ou de outra, no campo político, econômico ou social. O dividendo que lustra a imagem dos artífices é o mais cobiçado. Foi e será sempre assim. Líderes procuram aparecer como responsáveis pela costura de pactos em virtude do marketing produzido em torno do assunto. É bom para o currículo. Não por menos o ministro Dias Toffoli, do Supremo, lançou a ideia há quase dois meses. O presidente Bolsonaro se convenceu dela diretamente e resolveu encampá-la quando notou que deu um passo maior que as pernas nas ruas ao incitar manifestações a seu favor e contra as demais instituições.

 Maia e Alcolumbre aderiram, desconfiados, para não demonstrar má vontade — muito embora não empenhem sequer um vintém furado na conversa. Sabem do intuito maior de toda pantomima: apagar a pecha de radical colada no chefe da Nação. Bolsonaro, um exímio especialista em esticar a corda e provocar adversários, quer dessa vez resgatar um certo clima de harmonia entre os poderes. Pelo menos disse isso. Prometeu cooperar e se esforçar pelo entendimento. Dada a ambiguidade conhecida do proponente, o compromisso não é garantido. O presidente decerto tem lançado sinais trocados inúmeras vezes. O caso das passeatas é típico. Em ocasiões distintas a população foi às ruas protestar pelos seus direitos. Na edição do domingo passado — com muitos, na verdade, manipulados pela martelagem incessante do próprio governo, que dizia não poder fazer nada devido às “velhas práticas” —, o movimento foi oficialmente classificado de legítimo e mereceu postagem direta nas redes digitais do próprio Bolsonaro. 

Dias antes, os participantes das passeatas que questionavam os contingenciamentos de custos nas universidades foram tratados pelo presidente como “idiotas úteis” manipulados por professores. Deduz-se daí que o mandatário só está disposto ao entendimento com os ditos convertidos. Se a regra valer também para o pacto engendrado na semana passada, figuras como Maia, Alcolumbre e Toffoli terão de mudar radicalmente sua maneira de pensar e deixarem de lado resistências e convicções pessoais. Bolsonaro já deu caudalosas demonstrações de seu estilo de governar. Ele provavelmente anseia, com o pacto, jogar nas costas dos interlocutores a responsabilidade por qualquer fracasso que porventura venha a ocorrer com os itens lançados sobre a mesa e acordados. É o surrado pacto do faça o que eu mando, não faça o que eu faço.

 Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três

sábado, 18 de novembro de 2017

O jogo combinado entre governo e oposição


Deputados produzem manifesto fluminense de corporativismo, na cadência ordenada pelo Senado


[Temos que evitar o direito dirigido; evitar que as decisões dos tribunais sigam o que desejamos;
quando a decisão nos agrada, ainda que de um juiz de Primeira Instância, aplaudimos; 
quando nos desagrada, mesmo que prolatada pelo Supremo, criticamos.
A prosperar esta conduta NENHUMA SENTENÇA, proferida seja por qual tribunal, nos agradará e será criticada.
A decisão adotada pela ALERJ pode ser combatida no Supremo, o que pode ser feito por qualquer partido político.
Só tem um detalhe: estará sendo combatida uma decisão espelhada em decisão anterior do STF - amparo da CF art.27, $ 1º e também a Constituição do Estado do Rio de Janeiro - artigo 102 - que autoriza a sustação do andamento da ação penal até o término do mandato do parlamentar, situação que, obviamente, impede a manutenção do parlamentar preso que determina que parlamentar só pode ser preso em flagrante delito.
Tanto achamos absurdo esta situação que destacamos posição deste Blog, que já é do conhecimento dos nossos dois leitores, qual seja: somos radicalmente contrários à corrupção, mas, somos favoráveis a que as leis enquanto vigentes devem ser cumpridas, mesmo que nos desagrade.]

Foram 59 participantes e 11 ausentes num jogo combinado, o mesmo que há duas décadas garante aos atuais deputados governistas e aos da oposição uma miríade de benefícios corporativos e peculiares do desastre político fluminense. Não se conhecem as razões para a súbita inibição exibida ontem pela bancada oposicionista. De repente, esvaiu-se o habitual belicismo, assim como a retórica inflamada contra a corrupção “do PMDB”. Desta vez, ninguém se deu ao trabalho de ir à escadaria da Assembleia para acenar ao reduzido grupo de manifestantes, inflado por ativistas do sindicalismo policial e acossado pela tropa de choque da PM.

Ao contrário, irrompeu no plenário uma oposição diferenciada, camaleônica. PT, PSOL, PDT e Rede esbanjaram cautela nas atitudes, timidez nos discursos e até algum colaboracionismo (PT ePSOL deram dois votos a favor) na “decisão política” — justificou Marcelo Freixo (PSOL).  Enclausurados no prédio erguido sobre os escombros da seiscentista Cadeia Velha, onde a Coroa portuguesa aprisionava criminosos, prostitutas e escravos rebeldes, deputados governistas e da oposição produziram ontem uma espécie de manifesto fluminense de corporativismo, na cadência ordenada pelo Senado dias atrás, ao impedir o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) do mandato.

Uniram-se em acachapante maioria (66%) a favor do trio de presos, a quem o Ministério Público acusa de corrupção e lavagem de dinheiro de propina paga por empresas privadas, beneficiárias de mais de R$ 138 bilhões em privilégios fiscais nos últimos cinco anos. Cuidaram até de detalhes, como evitar menções aos nomes dos comandantes da Casa, o presidente Jorge Picciani, o ex-presidente Paulo Melo e o deputado Edson Albertassi, o predileto de Picciani, que foi sem nunca ter sido conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Nem se tangenciou as motivações alegadas pelo Ministério Público para as prisões, e aceitas sem ressalvas em duas instâncias da Justiça Federal. “O flagelo ao qual está submetido o estado do Rio de Janeiro” — argumentaram os procuradores — “possui conexão direta com o esquema criminoso que se instalou em seus principais órgãos de cúpula”.

Eles acusaram o Legislativo de conivência: “A captura do sistema político pela corrupção fica visível pela taxa de sucesso das proposições legislativas de iniciativa do poder executivo, de aprovação de indicados para ocupação de cargos no Tribunal de Contas e agências reguladoras, em razão da larga base parlamentar do governo Sérgio Cabral, obtida mediante a divisão do poder executivo com os parlamentares, por meio dos indicados políticos que, assim, passavam a ter maior controle sobre recursos e contratos”. Ou seja, afirmaram que a Alerj está no epicentro da corrupção sistêmica.

Em comunhão corporativa, os presentes e os ausentes mostraram-se mais preocupados com a defesa prévia do que, por exemplo, com o iminente colapso do transporte público do Rio, entregue às empresas acusadas de corromper o Executivo e o Legislativo — e cujas planilhas de propinas estão na gênese do decreto de prisão dos três deputados. Na Assembleia, promoveu-se uma jornada sem surpresas. Do lado de fora, se havia alguma expectativa, a tarde de primavera desabou em desencanto, com um toque de humor: a “homenagem” do deputado André Lazzaroni (PMDB) a um certo “Bertoldo Brecha”.


Por: José Casado, O Globo




sábado, 30 de setembro de 2017

Aécio, o herói do quadrilhão do Senado

Já vimos muitos exemplos de corporativismo explícito. Agora a paciência da sociedade acabou 

[a sociedade, em sua maioria, é estúpida o bastante para estar preocupada mais com o fim do desemprego, a volta do crescimento econômico.

Não  fosse tanto desinteresse, fruto da estupidez, estaria mais preocupada com o fato de que três ministros do STF, menos de um terço da composição daquela Corte, ignoram a Constituição, quebram a harmonia entre os Poderes e ainda são apoiados por grande parte da imprensa.

Precisamos ter presente, que cada vez que a Constituição é  ignorada, desprezada, pisoteada, mais fácil se torna a imposição de mais arbitrariedades ao POVO BRASILEIRO.

Se quando o falecido ministro Zavascki 'criou' a pena de SUSPENSÃO DO MANDATO PARLAMENTAR e aplicou no ex-deputado Eduardo Cunha tivesse havido uma reação enérgica da Câmara dos Deputados, o ministro Fachin não tinha se sentido à vontade para sentar em cima de uma ADIN que questionava a constitucionalidade da decisão do ministro Zavascki.

Tanto é verdade, que agora com a reação do Senado o ministro Fachin já liberou a ADIN para votação no próximo dia 11 - apesar de que seja mais conveniente aos interesses da DEMOCRACIA BRASILEIRA, da manutenção da IGUALDADE entre os Três Poderes que o Senado Federal não se acovarde e decida na próxima terça pela rejeição total a arbitrariedade praticada por três ministros em nome do Supremo Tribunal Federal.]

O mineiro Aécio Neves deve estar comovido. De castigo em casa, à noite, sem as baladas que o tornaram tão conhecido no Rio de Janeiro, o neto de Tancredo Neves saboreia o motim do Senado contra o Supremo Tribunal Federal. Um motim em seu nome. Despido mais uma vez de seu mandato, por receber de Joesley Batista malas de dinheiro vivo, numa soma total de R$ 2 milhões, Aécio reza para não ser preso. 

Além de contar com Michel Temer, “o presidente dos 3% de aprovação popular”, [o presidente Temer precisa de votos no Senado e na Câmara para aprovação de projetos que salvarão o Brasil e quando o Brasil reencontrar o caminho da recuperação econômica, da queda firme do desemprego, a aprovação popular voltará.] do e com os aliados de sempre, entre eles o ministro do STF Gilmar Mendes, que deseja soltar todo mundo na Lava Jato, o “tucano terrible” ganhou a defesa veemente do PT. Uma defesa enviesada.

A nota do PT chama Aécio de “hipócrita” e “falso moralista”. Mas condena a decisão do Supremo de punir o mineirinho. E instiga o Senado a confrontar o STF por “violar a autonomia e a soberania” do Congresso, em “desrespeito à Constituição”. O PT quer salvar o mandato de Aécio, quer o companheiro de volta às tucanagens noturnas, livre, leve e solto. Bonito isso, não? Comovente.

Numa semana em que Antonio Palocci, ex-ideólogo do petismo e um dos ex-amigos mais próximos e leais de Lula, divulga uma carta arrasadora indagando se PT é  “partido ou seita” e “até quando vamos fingir acreditar” na honestidade de Lula...Numa semana em que filhos e enteadas do senador Romero Jucá, um dos maiores amigos e conselheiros de Temer, são indiciados por roubar R$ 32 milhões do programa Minha Casa Minha Vida... Numa semana em que se escolhe um deputado tucano pró-governo para relatar a segunda denúncia da Procuradoria-Geral contra Temer, “o presidente dos 3% de aprovação”, o mais impopular desde a ditadura militar...

Numa semana dessas, o Senado decide se insurgir contra o STF para proteger o mandato de Aécio. O Senado, unido, jamais será vencido? Já vimos muitos exemplos de corporativismo explícito. Testemunhamos. Criticamos. Nos revoltamos. Mas agora a paciência da sociedade se esgotou. Os políticos – além de gravados, vigiados e detidos pela Polícia Federal – hoje deparam com a enorme animosidade que despertam no eleitor. Por mordomias, privilégios, incompetência, inapetência para o trabalho e falta de espírito público. Principalmente, por roubos estratosféricos de clãs familiares. [qualquer ação do Senado Federal contra a decisão de três ministros do Supremo não será para salvar o mandato do Aécio e sim a HARMONIA e INDEPENDÊNCIA  entre os poderes, uma das condições essenciais para o tão decantado 'estado democrático de direito'.]
De longe, nos Estados Unidos, Fernando Henrique Cardoso diz em palestra que “o Supremo decide, e é isso”. Não gostou? Recorre. Que Aécio recorra. Que senadores inseguros e investigados recorram. A decisão da Primeira Turma do STF não viola a Constituição. Apenas a interpreta a sua maneira – e por 3 votos a 2, dando espaço ao contraditório.


Aécio Neves talvez seja, ao lado de Sérgio Cabral, um dos que mais destruíram capital político no Brasil. Aquele que já foi uma das maiores promessas nacionais do PSDB, que poderia ter herdado a sabedoria do avô, meteu os pés pelas mãos, meteu as mãos onde não devia, meteu processos contra quem ousava criticá-lo – muitos jornalistas se queixam de intervenções e atos de censura –, meteu a vida particular numa fileira de atos incompatíveis com um homem público.  E, enfim, quando se julgava imune, foi acusado de mandar o primo pegar as malas de dinheiro de Joesley Batista. No telefonema gravado, não perdeu a chance de zoar, dizendo a Joesley que mandaria matar o emissário antes de ele fazer delação. Aécio alega que “não era dinheiro de corrupção”, era só um empréstimo particular, de amigo empresário para amigo político, para ele poder pagar seus advogados na Lava Jato. Vamos então combinar que Aécio não tinha dinheiro de família ou dele próprio para pagar sua defesa. Dá vontade de reagir como Palocci, na carta aberta, mudando apenas o personagem central. “Até quando vamos fingir acreditar” na honestidade de Aécio Neves?

A sociedade compara, em nível de crueldade, as quadrilhas de políticos corruptos aos bandos do narcotráfico, todos sanguessugas de pobres e carentes. Como se pode usar um mandato para tirar proveito de obras públicas e enriquecer a si próprio e à prole engomadinha e herdeira de votos? Já deu.  Todo dia vemos cenas dolorosas na TV. Nossa gente sem esgoto, sem água encanada, sem asfalto, sem transporte, sem segurança, sem saúde, sem escolas, sem oportunidade, pagando dívidas no meio do tiroteio da crise, enquanto engravatados indiciados por crimes cochicham nas sessões do Congresso, exalam prosperidade e trabalham só três dias na semana. Por que não acabamos de uma vez por todas com o Fundo Partidário, que financia uma das campanhas eleitorais mais caras do Universo?

 Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época


quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Por que Temer pode sobreviver

O presidente forjou a aliança do atraso e da corrupção com o oportunismo de um pedaço do andar de cima

Os números não mentem: 81% dos entrevistados pelo Ibope acham que a Câmara deveria permitir que Michel Temer seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal. O mesmo Ibope mostrou o que todo mundo sabe: o governo tem o maior índice de rejeição dos últimos 31 anos. O presidente foi beneficiado por um erro palmar que acompanha o grito de “Fora Temer”. Tudo bem, “fora”, mas para botar quem no lugar? 

Em 2016, milhões de pessoas foram para a rua gritando “Fora Dilma” ou “Fora PT”, sabendo que no lance seguinte Temer iria para o Planalto. Muita gente não fez essa conta ou preferiu não fazê-la. Era o jogo jogado, pois os bois tinham nome. Hoje, o quadro é outro, há o “fora”, mas não há o quem.  Nas três grandes crises da segunda metade do século passado, só uma guardou uma semelhança constitucional, quando Getúlio Vargas matou-se e o vice Café Filho assumiu. Nas outras, seis patetas no comando das Forças Armadas decidiram melar o jogo, tentando impedir a posse de João Goulart em 1961 e, oito anos depois, defenestrando o vice Pedro Aleixo. Levaram o país para a beira da guerra civil num caso e produziram um período de anarquia militar no outro. Nos dois episódios, o defeito era o mesmo, faltava identificar o substituto.

Se a Câmara der a licença para que Temer seja processado, assume por seis meses Rodrigo Maia. Ganha uma viagem a Caracas quem for capaz de ir para a rua pedindo “Rodrigo já”. Admitindo-se que Temer seja condenado, o Congresso deveria eleger outro presidente. Volta a pergunta: quem? 

O tamanho da crise política e econômica recomendaria o aparecimento de um ou dois nomes. Nada. Temer administrou esse vácuo, cavalgando uma plataforma mambembe de reformas. A da Previdência está baleada. A trabalhista está na frigideira, com a articulação de um novo imposto sindical, capaz de preservar a banda pelega do corporativismo de patrões e empregados. Admita-se, contudo, que essa plataforma seja saudável. Não é pelas reformas que Temer articula sua bancada.

Nela não há um real interesse por mudanças. Pelo contrário, é uma maioria regressista, que busca na permanência de Temer uma vacina contra o prosseguimento da Operação Lava-Jato, em defesa do balcão de verbas e do loteamento da máquina do Estado. Tudo deve continuar como está, para estancar a sangria e, se possível, piorar. A Lava-Jato expôs o conluio do andar de cima, que faz política com as melhores teorias econômicas e as piores transações de caixa dois. Nos últimos anos, esse mando oligárquico foi alvejado e parecia encurralado. Com a maestria de seus movimentos, o Planalto recompôs a aliança tradicional do atraso, piorando-a. Juntou a Federação das Indústrias de São Paulo, a Confederação Nacional da Indústria, Aécio Neves, mais a tropa de Eduardo Cunha. Tanto é assim que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso manteve-se longe da geleia.

O Temer que substituiu Dilma Rousseff não foi o que a acompanhou na campanha de 2014. O Temer que vier a ser mantido pelo coletivo que formou depois da exposição do grampo de Joesley Batista e da mala de Rodrigo Rocha Loures também será outro. Pior.

Fonte: Elio Gaspari,  jornalista - O Globo

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Proposta de aumento do MP é aula de corporativismo

Reajuste de 16,7% pedido pelos procuradores federais retrata como atuam dentro do Estado fortes grupos de interesses, sem qualquer preocupação com a realidade

A proposta de um reajuste salarial de 16,7% aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal é uma aula prática de como agem corporações incrustadas no Estado, independentemente da qualidade dos serviços que prestam à população. O MPF, reconheça-se, é uma instituição meritória, como demonstra sua participação no combate à corrupção sistêmica que intoxica a vida pública do país.

Mas, na defesa de seus interesses, como é típico de corporações, não importa ao MPF a situação do todo, mas apenas questões particulares da guilda. Ficam em segundo plano a crise fiscal séria, a cava recessão de aproximadamente 8% nos últimos dois anos, e o desemprego de 14 milhões de pessoas.  A crise tem tido forte papel educativo, ao revelar na prática como agem grupos organizados em defesa de pautas próprias dentro do Congresso, nos aparelhos de Estado e nas ruas. Quando contrariados, eles se manifestam em nome do “povo”. 

Um dos melhores exemplos deste comportamento têm sido mobilizações contra a reforma da Previdência, visivelmente conduzidas por categorias profissionais — incluindo de servidores públicos — beneficiárias da atual legislação, pela qual pessoas de níveis educacionais e de renda mais elevados têm conseguido se aposentar muito cedo, aos 58 anos de idade, em média. O “povo”, em nome do qual protestam, é forçado a obter o benefício mais tarde — geralmente pelo pouco tempo em empregos formais —, e costuma se aposentar por volta dos 65 anos, limite de idade que consta da proposta da reforma.


A crise do Rio de Janeiro expôs a ação de magistrados e procuradores também descolada de uma realidade dramática, no caso, das finanças estaduais. Foram vários os arrestos de dinheiro dos cofres fluminenses para bancar os elevados salários dessas categorias, enquanto servidores ativos e aposentados, sem receber, passaram a depender de cestas básicas da caridade alheia. Pouco importou, por exemplo, a falência das emergências hospitalares com seus efeitos sobre a população.

A proposta destes lunáticos 16,7% de aumento para procuradores federais coincide com a imensa dificuldade que a União está tendo para conseguir atingir a meta fiscal de 2017, ainda de um elevado déficit de R$ 139 bilhões. Não se discute se procuradores merecem salários básicos entre R$ 28,5 mil e R$ 33,7 mil, fora penduricalhos, mas se o Tesouro está em condições de bancá-los, e ainda por cima com um aumento astronômico.

O próprio fato de segmentos do serviço público, conforme pesquisas, se beneficiarem de salários acima dos praticados nos mercados privados correspondentes, mostra como essas corporações sempre defendem interesses pecuniários em Brasília como se o país tivesse renda de Primeiro Mundo. Nem em economias ricas há remunerações como algumas praticadas na aristocracia do funcionalismo brasileiro.

Fonte: Editorial - O Globo

sábado, 8 de julho de 2017

A nação sob o governo das minorias

A crise que jogou o Brasil na mais prolongada e perigosa depressão econômica e social de sua história não pode ser entendida sem que se conheça o peso do patrimonialismo, do corporativismo e do clientelismo na vida nacional. É pelo peso do patrimonialismo que o exercício do poder político se confunde com usufruto (quando não com a posse mesma) dos recursos nacionais. É pelo peso do corporativismo, cada vez mais entranhado e influente nas estruturas do Estado, que os bens e orçamentos públicos vêm sendo canibalizados desde dentro pelo estamento burocrático. É pelo peso do clientelismo que elites corruptas são legitimadas numa paródia de representação política, comprando votos da plebe com recursos tomados à nação.

Na perspectiva do cidadão comum, o que resulta mais visível, lá no alto das manchetes e no pregão dos noticiários de rádio e TV, é o que vem sendo chamado de mecanismo, ou seja, o modo como, nos contratos de obras e serviços, o recurso público é desviado para alimentar fortunas pessoais, partidos políticos e campanhas eleitorais que, por sua vez, garantem, a todos, a continuidade dos respectivos negócios. Com efeito, esse é o topo da cadeia. É o que se poderia chamar de operação contábil que viabiliza e formaliza o patrimonialismo.

O corporativismo, de longa data, se configura como forma de poder exercido com muito sucesso e responde, ano após ano, pela crescente apropriação dos orçamentos públicos e dos recursos de empresas estatais pelas corporações funcionais. É uma versão intestina do velho patrimonialismo. Raymundo Faoro, a laudas tantas de “Os Donos do Poder”, escreve sobre a centralização política ocorrida no Segundo Reinado e a singela constatação de que existem duas possibilidades: ou a nação será governada por um poder majoritário do povo ou por um poder minoritário. Era como exercício de poder minoritário que Faoro via o reinado de D. Pedro II. E o entendia à luz da teoria de Maurice Hariou, que fala de um poder formado “ao largo das idades aristocráticas, pelo exercício mesmo do direito de superioridade das minorias diretoras”.

Maurice Hariou (1856-1929) reparte com Kelsen o apelido de Montesquieu do século XX. Na sua perspectiva, são as instituições que fundamentam o Direito, e não o contrário. Correspondem ao conceito, as organizações sociais subsistentes e autônomas nas quais se preservariam ideias, poder e consentimento. A isso, dava ele o nome de corporativismo. 

Após 127 anos de república, é comum vê-lo em pleno exercício quando representantes de outros poderes, de carreiras de Estado, e de seus servidores ocupam ruidosamente galerias dos plenários ou palmilham corredores onde operam os gabinetes parlamentares. Raramente saem frustrados em suas reivindicações. E assim, bocado a bocado, ampliam, além de toda possibilidade, a respectiva participação no bolo dos recursos públicos. Em muitos casos, a soma das fatias já ultrapassa os 360 graus.

Os ônus do corporativismo representam um prejuízo vitalício, que se perpetua através das gerações. Como tal, muito certamente, excede o conjunto das falcatruas operadas pelo mecanismo. O Estado brasileiro poderia ser menor, onerar menos a sociedade e enfrentar adequadamente o drama das camadas sociais miseráveis, carentes de consciência política. Por que iriam os operadores do mecanismo, os manipuladores da miséria e o estamento burocrático interessar-se em acabar com a ascendência que exercem sobre essas vulneráveis bases eleitorais? Os três juntos – patrimonialismo, corporativismo e clientelismo – põem a nação em xeque. Não sairemos dele se não identificarmos, acima e além dos partidos e seus personagens, estes outros adversários, intangíveis mas reais, que precisam ser vencidos.

http://puggina.org