Governantes de mentes autoritárias gostam de
estimular a confusão entre governo e pátria, procuram sequestrar os
símbolos e as datas nacionais. Eles tentam transformar críticas feitas à
sua administração em ataques ao país. Era assim na ditadura militar
brasileira, principalmente no período mais violento da repressão aos
opositores, o do
general Emílio Garrastazu Médici. O sentimento de amor
ao país, as alegrias com as vitórias até do futebol, os momentos cívicos
eram manipulados para serem vistos como apoio ao governo. Criticar o
regime era apresentado como equivalente a trair o país.
Governantes de mentes autoritárias gostam de mentir sobre o passado,
alterar fatos históricos comprovados, apostando que se a mentira for
repetida, se os livros forem refeitos, se houver uma versão oficial
todos passarão a acreditar na narrativa falsa dos eventos.
George Orwell
tratou disso como literatura na obra-prima
“1984”. O passado
insistentemente reescrito, para apagar fatos e nomes incômodos.
[o Governo Militar apesar de ter vencido os inimigo da Pátria, que tentaram com atos terroristas, matando inocentes, implantar o comunismo no Brasil, cometeu o erro de deixar que os vencidos escrevessem a 'estória' do período em que o Brasil esteve sob administração militar.
O resultado, somado à anistia concedida pelo presidente Figueiredo, o último dos presidentes militares, permitiram que terroristas covardes, assassinos vis, voltassem ao Brasil e que a história fosse transformada em estória e apresentada como verdade.
Permitindo com tal generosidade que porcos terroristas posassem de heróis, chegando mesmo a denominar prédios e logradouros públicos.
Sabemos que alguns poucos se deixaram seduzir pelo romantismo que as lideranças usavam para apresentar o terrorismo - alguns desses poucos, até tentaram deixar o terror, só que foram aterrorizados pela possibilidade de serem assassinados pelos próprios 'companheiros' = 'justiçamentos'.]
Bolsonaro disse que a ditadura brasileira foi nota 10 na economia. A
verdade: ela deixou o país com uma superinflação crônica e o mecanismo
da correção monetária que levava os preços sempre para cima.
Ainda que
os índices mais altos tenham sido atingidos nos primeiros governos
civis, foi a democracia que conseguiu desarmar a bomba inflacionária
jogada no colo da população pela administração econômica do regime
militar
. [como bem diz a ilustre articulista, "os índices mais altos da superinflação foram atingidos nos primeiros governos civis", quando a correção monetária começou a ser manipulada e perdeu a sua principal função: repor as perdas inflacionárias.] Não foi a única bomba que eles deixaram: os militares
endividaram o país junto a 800 bancos, e a governos estrangeiros, e
deram o calote. Essa dívida foi renegociada e paga na democracia, nos
governos Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula da Silva. Houve também,
na gestão de Henrique Meirelles no Banco Central, a acumulação de
reservas cambiais que hoje nos permitem olhar para a Argentina sabendo
que a situação aqui é bem diferente.
O período conhecido como
“milagre econômico” foi curto e o modelo era
concentrador de renda. Só para se ter uma ideia do que foi deixado de
lado: ao fim desse forte crescimento do PIB, em 1980, 33% das crianças
de 7 a 14 anos estavam fora da escola. A universalização do ensino
fundamental foi obra da democracia. Em qualquer governo pode haver erros na condução da economia ou nas
decisões sociais e políticas
. E presidentes, mesmo democráticos,
costumam reclamar das avaliações negativas. A diferença é que a crítica
aos erros governamentais não é tratada como crime, nem traição à pátria.
A ideia de que só os governistas eram patriotas era mais uma das
mentiras da ditadura. Repetir isso num período democrático é restringir o
espaço das ideias, é manipular símbolos nacionais, é estigmatizar quem
não se perfila entre os admiradores do governante.
O Brasil está em uma administração que foi eleita democraticamente,
mas que tem tentado reduzir o espaço democrático, de livre circulação
das ideias, e quer, especialmente nesta semana, usar o sentimento de
país para tentar alavancar o apoio ao governo. As críticas feitas pela
alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, estão
respaldadas na realidade. Qualquer órgão multilateral tem o direito de
fazê-las.
O presidente brasileiro reagiu atacando pessoalmente Michelle
Bachelet, querendo atingi-la no drama pessoal que viveu muito jovem ao
perder o pai, um militar, torturado e morto por seus companheiros de
armas. Uma dor que ela conseguiu separar da sua atuação na esfera
pública. No período em que foi ministra da Defesa, e nas duas vezes em
que foi presidente, não usou os poderes que teve para fazer qualquer
vingança pessoal. O ataque de Bolsonaro ao pai de Bachelet foi criticado
até pelo presidente do Chile, Sebastian Piñera, que é de direita.
É patológica a compulsão de Bolsonaro pelas ditaduras e sua admiração
ilimitada pelos regimes tirânicos, como o de
Pinochet. [estranhamente
a alta comissária não efetuou críticas à Síria que viola diuturnamente
os direitos humanos, que também são violados na Venezuela e outros
países.
Optou por limitar sua críticas ao Brasil.
A
admiração de Bolsonaro pelo presidente Pinochet, é normal e
compreensível, considerando que foi graças a Pinochet e a outros
presidentes, entre eles os que presidiram o Brasil durante o Governo
Militar, que o comunismo não foi implantado na maior parte da América do
Sul.]
É doentio seu
prazer em ferir pessoas atingidas pelos crimes das ditaduras
latino-americanas, como fez com o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.
Mentir sobre o passado do Chile, ou do Brasil, na política ou na
economia, não alterará a história real.
Tentar apropriar para uma
ideologia de extrema-direita os símbolos nacionais não dará certo agora,
como não deu no passado. Os amigos e auxiliares que tenham qualquer
influência sobre ele deveriam aconselhá-lo. O que ele falou sobre
Michelle Bachelet jamais poderia ter sido dito.
[ele falou apenas a verdade, nada mais que a verdade, que sempre deve prevalecer.] É sobretudo desumano.
Blog da Míriam Leitão - Alvaro Gribel, São Paulo - O Globo