A palavra democracia é prostituída no cotidiano de certos grupos políticos e de todos os regimes totalitários. Ressalvadas algumas pessoas de esquerda que conheci e respeitei ao longo dos muitos anos que com elas debati em centenas de programas de rádio e TV, a palavra deve causar dor de garganta à maioria de seus companheiros. Cá entre nós, qual a credibilidade de um grupo de antifas ou black blocs ao entrar na avenida portando faixas “pela Democracia”?
Se olhasse apenas a faixa sem ver a estampa daqueles que a portavam, dir-se-ia que o grupo iria protestar contra o STF.
Qual a credibilidade dos ministros do STF para falarem em democracia enquanto desprezam a opinião pública e o resultado da eleição?
Nessa encrenca política, típica de republiqueta bananeira em que o país está enfiado, volta e meia a frase que dá título a este artigo é pronunciada, com poses de estadista, por membros de alguns partidos de esquerda. Que é isso, companheiro? Prá cima de mim? Os que pegaram em armas e foram para a clandestinidade eram menos hipócritas que a atual geração de revolucionários de terno e gravata. Estes últimos povoam o aparelho de Estado, lutam por privilégios e pelo seu direito a correção dos vencimentos enquanto uma combinação sinistra de vírus com burrice já tomou o emprego de milhões de brasileiros que atuam no setor privado.
Como entender que alguém ou que alguma organização política se apresente como lutadora pela democracia e use unhas e dentes da retórica para defender Hugo Chávez e seu sucessor Nicolás Maduro, os irmãos Castro (da empresa cubana Castro & Castro, Cia. Ltda) e a ternura “sedenta de sangue” de Che Guevara? Que credibilidade tinha a democracia entre as nações submetidas a torniquetes políticos e econômicos pela extinta URSS, rebatizadas sem consulta como Repúblicas Democráticas, ou Repúblicas Populares, quando não proclamando uma junção dos dois adjetivos?
Repito: os que pegaram em armas e foram para a clandestinidade eram menos hipócritas. Não prostituíram a palavra. Não a usaram para enganar bobos. Sempre que penso sobre a apropriação do vocábulo, que ganhou aberrante efeito demonstração na arruaça da Avenida Paulista, me vem à mente um episódio no qual terroristas e guerrilheiros tiveram a oportunidade de proclamar ao Brasil quem eram e o que pretendiam. E o fizeram, para a História, de viva voz e próprio punho. Era o mês de setembro de 1969. Duas organizações guerrilheiras, a ALN e o MR-8 haviam sequestrado o embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, e imposto condições para libertá-lo: soltura de 15 presos políticos e leitura em cadeia nacional de rádio e TV de um manifesto que haviam redigido. Naqueles dias, estava em plena vigência o AI-5 e o Brasil era governado por uma junta militar, em virtude do derrame cerebral que acometera o presidente Costa e Silva. Embarcar os presos para o México e para Cuba era fácil, mas autorizar a publicação nos principais jornais e a leitura em cadeia nacional de uma catilinária dos sequestradores era constrangedora rendição. Contudo, a execução do embaixador pelos sequestradores seria um mal maior. E a junta militar se rendeu.
O país parou para ouvir o texto redigido por Franklin Martins, um dos sequestradores. Oportunidade preciosa, dourada, única, para guerrilheiros e terroristas dizerem por que lutavam, afirmarem seus mais elevados compromissos e cobrá-los do governo, não é mesmo? O documento (leia a íntegra em "Charles Burke Elbrick" na Wikipedia) foi uma xingação que falava do que os revoltosos entendiam: ideologia, violência, "justiçamentos", sequestros, assaltos. Não há menção à palavra democracia. Nenhuma das dezenas de organizações guerrilheiras ou terroristas atuantes naqueles anos usou a palavra democracia para sua identificação. Os que pegaram em armas e foram para a clandestinidade queriam levar o Brasil para o inferno comunista, mas eram menos hipócritas.
Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Governantes de mentes autoritárias gostam de
estimular a confusão entre governo e pátria, procuram sequestrar os
símbolos e as datas nacionais. Eles tentam transformar críticas feitas à
sua administração em ataques ao país. Era assim na ditadura militar
brasileira, principalmente no período mais violento da repressão aos
opositores, o do general Emílio Garrastazu Médici. O sentimento de amor
ao país, as alegrias com as vitórias até do futebol, os momentos cívicos
eram manipulados para serem vistos como apoio ao governo. Criticar o
regime era apresentado como equivalente a trair o país.
Governantes de mentes autoritárias gostam de mentir sobre o passado, alterar fatos históricos comprovados, apostando que se a mentira for repetida, se os livros forem refeitos, se houver uma versão oficial todos passarão a acreditar na narrativa falsa dos eventos. George Orwell tratou disso como literatura na obra-prima “1984”. O passado insistentemente reescrito, para apagar fatos e nomes incômodos. [o Governo Militar apesar de ter vencido os inimigo da Pátria, que tentaram com atos terroristas, matando inocentes, implantar o comunismo no Brasil, cometeu o erro de deixar que os vencidos escrevessem a 'estória' do período em que o Brasil esteve sob administração militar.
O resultado, somado à anistia concedida pelo presidente Figueiredo, o último dos presidentes militares, permitiram que terroristas covardes, assassinos vis, voltassem ao Brasil e que a história fosse transformada em estória e apresentada como verdade.
Permitindo com tal generosidade que porcos terroristas posassem de heróis, chegando mesmo a denominar prédios e logradouros públicos.
Sabemos que alguns poucos se deixaram seduzir pelo romantismo que as lideranças usavam para apresentar o terrorismo - alguns desses poucos, até tentaram deixar o terror, só que foram aterrorizados pela possibilidade de serem assassinados pelos próprios 'companheiros' = 'justiçamentos'.]
Bolsonaro disse que a ditadura brasileira foi nota 10 na economia. A verdade: ela deixou o país com uma superinflação crônica e o mecanismo da correção monetária que levava os preços sempre para cima. Ainda que os índices mais altos tenham sido atingidos nos primeiros governos civis, foi a democracia que conseguiu desarmar a bomba inflacionária jogada no colo da população pela administração econômica do regime militar. [como bem diz a ilustre articulista, "os índices mais altos da superinflação foram atingidos nos primeiros governos civis", quando a correção monetária começou a ser manipulada e perdeu a sua principal função: repor as perdas inflacionárias.] Não foi a única bomba que eles deixaram: os militares endividaram o país junto a 800 bancos, e a governos estrangeiros, e deram o calote. Essa dívida foi renegociada e paga na democracia, nos governos Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula da Silva. Houve também, na gestão de Henrique Meirelles no Banco Central, a acumulação de reservas cambiais que hoje nos permitem olhar para a Argentina sabendo que a situação aqui é bem diferente.
O período conhecido como “milagre econômico” foi curto e o modelo era concentrador de renda. Só para se ter uma ideia do que foi deixado de lado: ao fim desse forte crescimento do PIB, em 1980, 33% das crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola. A universalização do ensino fundamental foi obra da democracia. Em qualquer governo pode haver erros na condução da economia ou nas decisões sociais e políticas. E presidentes, mesmo democráticos, costumam reclamar das avaliações negativas. A diferença é que a crítica aos erros governamentais não é tratada como crime, nem traição à pátria. A ideia de que só os governistas eram patriotas era mais uma das mentiras da ditadura. Repetir isso num período democrático é restringir o espaço das ideias, é manipular símbolos nacionais, é estigmatizar quem não se perfila entre os admiradores do governante.
O Brasil está em uma administração que foi eleita democraticamente, mas que tem tentado reduzir o espaço democrático, de livre circulação das ideias, e quer, especialmente nesta semana, usar o sentimento de país para tentar alavancar o apoio ao governo. As críticas feitas pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, estão respaldadas na realidade. Qualquer órgão multilateral tem o direito de fazê-las.
O presidente brasileiro reagiu atacando pessoalmente Michelle Bachelet, querendo atingi-la no drama pessoal que viveu muito jovem ao perder o pai, um militar, torturado e morto por seus companheiros de armas. Uma dor que ela conseguiu separar da sua atuação na esfera pública. No período em que foi ministra da Defesa, e nas duas vezes em que foi presidente, não usou os poderes que teve para fazer qualquer vingança pessoal. O ataque de Bolsonaro ao pai de Bachelet foi criticado até pelo presidente do Chile, Sebastian Piñera, que é de direita.
É patológica a compulsão de Bolsonaro pelas ditaduras e sua admiração ilimitada pelos regimes tirânicos, como o de Pinochet. [estranhamente a alta comissária não efetuou críticas à Síria que viola diuturnamente os direitos humanos, que também são violados na Venezuela e outros países.
Optou por limitar sua críticas ao Brasil.
A admiração de Bolsonaro pelo presidente Pinochet, é normal e compreensível, considerando que foi graças a Pinochet e a outros presidentes, entre eles os que presidiram o Brasil durante o Governo Militar, que o comunismo não foi implantado na maior parte da América do Sul.]
É doentio seu prazer em ferir pessoas atingidas pelos crimes das ditaduras latino-americanas, como fez com o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Mentir sobre o passado do Chile, ou do Brasil, na política ou na economia, não alterará a história real. Tentar apropriar para uma ideologia de extrema-direita os símbolos nacionais não dará certo agora, como não deu no passado. Os amigos e auxiliares que tenham qualquer influência sobre ele deveriam aconselhá-lo. O que ele falou sobre Michelle Bachelet jamais poderia ter sido dito. [ele falou apenas a verdade, nada mais que a verdade, que sempre deve prevalecer.] É sobretudo desumano.
Blog da Míriam Leitão - Alvaro Gribel, São Paulo - O Globo
Governantes de mentes autoritárias gostam de mentir sobre o passado, alterar fatos históricos comprovados, apostando que se a mentira for repetida, se os livros forem refeitos, se houver uma versão oficial todos passarão a acreditar na narrativa falsa dos eventos. George Orwell tratou disso como literatura na obra-prima “1984”. O passado insistentemente reescrito, para apagar fatos e nomes incômodos. [o Governo Militar apesar de ter vencido os inimigo da Pátria, que tentaram com atos terroristas, matando inocentes, implantar o comunismo no Brasil, cometeu o erro de deixar que os vencidos escrevessem a 'estória' do período em que o Brasil esteve sob administração militar.
O resultado, somado à anistia concedida pelo presidente Figueiredo, o último dos presidentes militares, permitiram que terroristas covardes, assassinos vis, voltassem ao Brasil e que a história fosse transformada em estória e apresentada como verdade.
Permitindo com tal generosidade que porcos terroristas posassem de heróis, chegando mesmo a denominar prédios e logradouros públicos.
Sabemos que alguns poucos se deixaram seduzir pelo romantismo que as lideranças usavam para apresentar o terrorismo - alguns desses poucos, até tentaram deixar o terror, só que foram aterrorizados pela possibilidade de serem assassinados pelos próprios 'companheiros' = 'justiçamentos'.]
Bolsonaro disse que a ditadura brasileira foi nota 10 na economia. A verdade: ela deixou o país com uma superinflação crônica e o mecanismo da correção monetária que levava os preços sempre para cima. Ainda que os índices mais altos tenham sido atingidos nos primeiros governos civis, foi a democracia que conseguiu desarmar a bomba inflacionária jogada no colo da população pela administração econômica do regime militar. [como bem diz a ilustre articulista, "os índices mais altos da superinflação foram atingidos nos primeiros governos civis", quando a correção monetária começou a ser manipulada e perdeu a sua principal função: repor as perdas inflacionárias.] Não foi a única bomba que eles deixaram: os militares endividaram o país junto a 800 bancos, e a governos estrangeiros, e deram o calote. Essa dívida foi renegociada e paga na democracia, nos governos Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula da Silva. Houve também, na gestão de Henrique Meirelles no Banco Central, a acumulação de reservas cambiais que hoje nos permitem olhar para a Argentina sabendo que a situação aqui é bem diferente.
O período conhecido como “milagre econômico” foi curto e o modelo era concentrador de renda. Só para se ter uma ideia do que foi deixado de lado: ao fim desse forte crescimento do PIB, em 1980, 33% das crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola. A universalização do ensino fundamental foi obra da democracia. Em qualquer governo pode haver erros na condução da economia ou nas decisões sociais e políticas. E presidentes, mesmo democráticos, costumam reclamar das avaliações negativas. A diferença é que a crítica aos erros governamentais não é tratada como crime, nem traição à pátria. A ideia de que só os governistas eram patriotas era mais uma das mentiras da ditadura. Repetir isso num período democrático é restringir o espaço das ideias, é manipular símbolos nacionais, é estigmatizar quem não se perfila entre os admiradores do governante.
O Brasil está em uma administração que foi eleita democraticamente, mas que tem tentado reduzir o espaço democrático, de livre circulação das ideias, e quer, especialmente nesta semana, usar o sentimento de país para tentar alavancar o apoio ao governo. As críticas feitas pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, estão respaldadas na realidade. Qualquer órgão multilateral tem o direito de fazê-las.
O presidente brasileiro reagiu atacando pessoalmente Michelle Bachelet, querendo atingi-la no drama pessoal que viveu muito jovem ao perder o pai, um militar, torturado e morto por seus companheiros de armas. Uma dor que ela conseguiu separar da sua atuação na esfera pública. No período em que foi ministra da Defesa, e nas duas vezes em que foi presidente, não usou os poderes que teve para fazer qualquer vingança pessoal. O ataque de Bolsonaro ao pai de Bachelet foi criticado até pelo presidente do Chile, Sebastian Piñera, que é de direita.
É patológica a compulsão de Bolsonaro pelas ditaduras e sua admiração ilimitada pelos regimes tirânicos, como o de Pinochet. [estranhamente a alta comissária não efetuou críticas à Síria que viola diuturnamente os direitos humanos, que também são violados na Venezuela e outros países.
Optou por limitar sua críticas ao Brasil.
A admiração de Bolsonaro pelo presidente Pinochet, é normal e compreensível, considerando que foi graças a Pinochet e a outros presidentes, entre eles os que presidiram o Brasil durante o Governo Militar, que o comunismo não foi implantado na maior parte da América do Sul.]
É doentio seu prazer em ferir pessoas atingidas pelos crimes das ditaduras latino-americanas, como fez com o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. Mentir sobre o passado do Chile, ou do Brasil, na política ou na economia, não alterará a história real. Tentar apropriar para uma ideologia de extrema-direita os símbolos nacionais não dará certo agora, como não deu no passado. Os amigos e auxiliares que tenham qualquer influência sobre ele deveriam aconselhá-lo. O que ele falou sobre Michelle Bachelet jamais poderia ter sido dito. [ele falou apenas a verdade, nada mais que a verdade, que sempre deve prevalecer.] É sobretudo desumano.
Blog da Míriam Leitão - Alvaro Gribel, São Paulo - O Globo