O Globo
Pessimismo no presente, mas com esperança
Para Ricupero, não haverá paz, estabilidade, retomada do desenvolvimento sem a integração progressiva dos marginalizados
“Os regimes atuais, quer o capitalismo ocidental, quer a versão
estatizante chinesa, são incapazes de resolver os três maiores problemas
humanos: o aquecimento global, o aumento da desigualdade, o desemprego
estrutural agravado pelos robôs e a inteligência artificial”. Essa pessimista constatação faz parte do diagnóstico do embaixador e
ex-ministro Rubens Ricupero na Academia Brasileira de Letras, que fechou
um ciclo de palestras dedicado a debater o futuro do Brasil. Durante o
evento, coordenado pela escritora Rosiska Darcy de Oliveira, a questão
foi analisada por diversos ângulos: o das políticas públicas, pela
presidente da Fiocruz, Nísia Trindade; o da economia, por Edmar Bacha; o
dos direitos humanos, por Antonio Cicero; o do sentimento nacional, por
Cacá Diegues (os três últimos membros da ABL).
O ciclo encerrou-se com a palestra do ex-ministro Ricupero, que analisou
o perigo de termos um futuro pior que o presente. Não apenas no Brasil,
mas no mundo. Embora o diagnóstico seja pessimista, a conclusão é
esperançosa, como veremos. Ricupero lembrou que houve outras fases de
abatimento no Brasil, “mas a versão mais grave data de poucos anos
atrás, de 2015/16, o instante em que começou a desfazer-se a ilusão de
que o país tinha dado certo”. As fórmulas petistas se tornaram insustentáveis, ressalta. “Algumas
concorreram poderosamente para desencadear, primeiro, a crise fiscal, em
seguida, o gravíssimo colapso que prostrou a economia até este
momento”.
Após os sucessos do Plano Real, do crescimento do governo Lula, da
conquista do grau de investimento, “a debacle da economia trouxe de
volta aos brasileiros o efeito psicológico desmoralizante do fracasso”. Na visão de Ricupero, “o pouco que sobrava do prestígio das instituições
políticas se viu, ao longo de três intermináveis anos, estremecido
pelas revelações quase diárias de escândalos pela Lava-Jato, ela mesmo
ora em vias de desmoralização devido a excessos e erros próprios, assim
como à reação defensiva de setores políticos”.
A crise da democracia liberal se manifesta por todo lado, lamenta.
“Cobrem já boa parte da população mundial os regimes antiliberais,
anticientíficos, negadores da mudança climática, hostis às elites
intelectuais, à tolerância da diversidade, ao respeito do outro em
matéria sexual ou cultural”. O confronto entre o primeiro e o segundo
centenário da Independência do Brasil põe em evidência o inédito da
experiência corrente: a de que, em alguns aspectos importantes, nosso
presente é pior que nosso passado. Além de aspectos subjetivos que nos fazem acreditar que os tempos mais
amenos da modernização do Estado brasileiro e dos anos JK foram melhores
que os conturbados dias de hoje, Ricupero utiliza-se de dados de um
estudo da Goldman Sachs deste ano que aponta a possibilidade de o país
perder meio século, com crescimento estagnado.
Para Ricupero, estamos “diante do maior desastre de desempenho coletivo
de nossa História recente”. No entanto, estes 40 anos de altos e baixos
coincidem com a consolidação da democracia. “Nesse período, em especial
nos 20 anos entre 1995 e 2015, alcançou-se a maior redução relativa da
pobreza e da indigência de nossa História”. O que nos cabe, diz Ricupero, é identificar razões para confiar que o
futuro será melhor que o presente e superior aos melhores momentos do
passado. No campo das ideias, lamenta-se, “os sinais não são
encorajadores”, referindo-se à “versão brasileira requentada de fenômeno
mundial, a seita de extrema-direita que mistura ideólogos pós-fascistas
com iluminados, astrólogos, apocalípticos e lunáticos de todo o
gênero”.
O padrão se reproduzirá por muito tempo, analisa, se não for rompida a
polarização entre extrema-direita e PT, “com o medo empurrando os
segmentos médios na direção da direita”. [na direita, está a segurança, a confiança, rumo firme, o norte - não o do Ricupero, que é ' o que é bom a gente divulga o que é ruim esconde.] Superar o medo requer “a aliança entre o centro socialmente progressista
e a esquerda democraticamente renovada”. Na sua visão, não haverá paz,
estabilidade, retomada do desenvolvimento sem a integração progressiva
dos marginalizados, que classifica de “novo ator”, como cidadão,
produtor, consumidor e agente de cultura. “Depois desta hora do poder das trevas, impõe-se dar sentido à História,
recuperar o sentimento de que a vida humana no Brasil não é absurda e
insensata”.