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segunda-feira, 24 de julho de 2023

Direita? Por que direita? - Percival Puggina

         Frequentemente, amigos intelectuais me dizem que não usam os conceitos de direita e esquerda e, menos ainda, os adotam como modo de identificar suas posições pessoais.

Pois é. Complicado, mesmo, como mostra o saudoso Olavo em artigo com o título “Direito e esquerda, origem e fim”, publicado no Diário do Comércio de 01/11/2005 (aqui). 
No entanto, quando me fazem essa advertência, não sem razão alego que em todo o Ocidente (ao menos) as pessoas percebem que tais palavras orientam um arco de possibilidades onde podem identificar a si mesmas e a sua leitura das realidades políticas. Portanto, até que esses conceitos se autodestruam eu sigo adiante com eles. 

No artigo que mencionei acima, nosso Olavo lembra que no final da II Grande Guerra, “os americanos retiraram pacificamente suas tropas dos países europeus pacificados acreditando que os russos fariam o mesmo quando os russos, ao contrário, tinham de ficar lá de qualquer modo, porque, na perspectiva da revolução, o fim de uma guerra era apenas o começo de outra e de outra e de outra, até à extinção final do capitalismo”.

Não só do capitalismo, claro, mas de toda uma civilização, como ele cuidou de demonstrar em sua obra. Numa perspectiva pessoal, que sei comum a tantos, não há qualquer bem imaterial que seja para mim objeto de reverência ou zelo que não esteja sob permanente ataque “dos russos” para usar a referência de Olavo em relação ao que se seguiu à II Guerra Mundial.

Essa esquerda revolucionária jamais construiu algo que ficasse de pé.
Nenhuma economia, nenhuma ordem política, nenhum Índice de Desenvolvimento Humano saudável. 
Sua produção cultural é comprometida com a destruição, seja lá do que for, inclusive do que seja bom, belo e verdadeiro.

Apesar de toda a choradeira magoada (mimimi, no dizer moderno) da esquerda brasileira contra o que chama “discurso de ódio”, aos 78 anos sou testemunha viva e experiente do ódio que vai muito além do discurso. Durante décadas, essa esquerda que ora nos aflige teve o Rio Grande do Sul como sua cidadela e ao longo desse tempo eu confrontei seus porta-vozes, olho no olho, em sucessivos debates.

A ampla maioria “de direita” que teria saído das urnas de 2022 e prometia disponibilizar contrapesos e freios aos excessos que viessem dos tribunais superiores e do Palácio do Planalto acabou reduzida a pouco mais de uma centena de deputados federais. 
 Seria uma estupidez responsabilizar apenas o governo petista por fazer o que sempre fez:  comprar base de apoio, por lote ou cabeça.  Muito mais estúpido é não apontar o desastre moral de cada peça ou partida nesse leilão de oportunistas, tão falsos e embusteiros quanto um discurso do Lula.

Sempre me declarei de direita porque o centro, além de levar junto um bom retalho de esquerda, tem jeito de centrão, conduta de centrão e jamais enfrenta um adversário hegemônico que tenha a chave do caixa.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Policiofobia na veia - Silvio Munhoz

Chocou a sociedade ordeira – viralizou nas redes – e a comunidade policial a decisão na ação penal (5007920-40.2022.8.21.0023/RS) da Comarca de Rio Grande. A Juíza desclassificou (não remeteu ao julgamento do júri) a imputação de seis tentativas de homicídio contra policiais no exercício da função para o delito de resistência e soltou o réu que respondia preso.[sobre o caso: oportuno lembrar que recentemente uma juíza,  mandou soltar outro bandido, que atirou na cabeça de uma policial, porque claramente ele “não teve intenção de matar”.]

A bandidolatria (idolatrar bandidos, tornando-os vítimas da sociedade) e a policiofobia (demonizar a polícia, tachando-os de violentos, inimigos da sociedade) são táticas da guerra cultural. Autor brasileiro, comunista confesso, dizia que começaram a fazer isso nos idos de 1930, a pedido de Stalin (aqui cap. 10).

Ficou famosa, durante o regime militar, a teoria da “panela de pressão”. Analogia feita pelo Gen. Golbery do Couto e Silva (fundador do SNI), segundo a qual não podiam tapar todos os buracos, era necessário deixar algum para o ar escapar ou a panela explodiria e, por isto, combateram o braço armado da revolução e entregaram o cultural, razão pela qual a esquerda, seguindo a teoria gramscista, tomou de assalto imprensa e academia. O resultado da leniência no combate ao marxismo cultural é evidente hoje. Alguém dúvida de a ex-imprensa e as Universidades (com raras exceções, que confirmam a regra) serem dominadas por tais ideologias.

Analisemos o fato. No dia do evento, 06 policiais, em viaturas oficiais devidamente identificadas e com o uniforme da corporação, foram à casa do réu para cumprir mandado de busca/apreensão e prisão, ao chegarem se identificaram 2 dos policiais gritavam ‘é a polícia’ – e, não obstante, o acusado abriu fogo e desferiu inúmeros tiros contra a equipe policial, ferindo uma agente na cabeça, com graves sequelas, pois, ocorrido o fato em 1º de abril, até hoje não retornou ao serviço por conta do ferimento.

Denunciado por 6 tentativa de homicídio (1 cruenta – gera lesões - e 5 brancas – não resultam lesões -) a Juíza, na fase de pronúncia, desclassificou o fato para o delito de resistência, artigo 329 do Código Penal, crime de menor potencial ofensivo punido com pena detenção, de dois meses a dois anos, passível, inclusive, de benesses como transação penal e suspensão condicional do processo!

A tese não é nova no Rio Grande do Sul. O nosso Tribunal já a utilizou em situação de perseguição com tentativas brancas, sob a desculpa de que o marginal, quando fugindo, não conseguiria fazer mira e não possui, pois, o dolo de acertar o policial, mas, nunca ocorrera em situações de policial ferido e em região letal, como no caso, a cabeça.

A tese da Magistrada se esteia na seguinte premissa: “para fins de se opor à execução de ato legal, mediante disparos de arma de fogo, tentou impedir que policiais civis adentrassem no imóvel. É evidente, portanto, que o agente não efetuou os disparos com o dolo de matar os policiais, mas tão somente de impedir a execução do cumprimento da ordem legal”.

Premissa equivocada, pois esqueceu – ou “revogaram” na faculdade que estudou, pelo viés do incentivo à policiofobia que na lei penal brasileira ainda vigora o § 2º do artigo 329 do CP, o qual determina processo e punição obrigatória e cumulativa da resistência e do resultante da violência, ou seja, a própria lei estabelece que, embora possuído do dolo de resistir ao ato ilegal, isto não afasta o dolo do delito praticado com o uso da violência contra o policial e determina punição por ambos.

Ao justificar a decisão usou obra de dois Promotores, mas esqueceu de ler um pouco mais adiante, quando comentam o § 2º, omitido na decisão. Segundo Estefan: “Se uma pessoa, com o objetivo de vingar-se de policiais, efetuar disparos de arma de fogo contra eles durante a execução de uma ordem de prisão, visando a atingi-los fatalmente, responde por homicídio, consumado ou tentado; se o agente, no entanto, agiu desse modo para evitar o cumprimento da ordem de prisão contra si ou contra terceiro expedida, responde por resistência e homicídio, tentado ou consumado, em concurso material, por força do § 2º” (aqui pág 653), e Greco: “A violência [...] Importa em vias de fato, lesões corporais, podendo até mesmo chegar à prática do delito de homicídio. [...] haverá concurso de infrações penais entre o delito de resistência e aquele originário da violência” (aqui págs. 695 e 698).  

Não cabe falar em dolo eventual (a denúncia diz ‘no mínimo’ dolo eventual) e, realmente, esse o mínimo, pois é dolo direto, sem dúvida alguma. Ensina Schlee: ao utilizar a chamada concepção volitiva, o Juiz fica tentando adivinhar a “vontade” do réu, que é subjetiva e só ele conhece; o avanço para a concepção cognitiva nos ensina que o dolo é um conceito jurídico que deve ser considerado a partir da análise da conduta do indivíduo (aqui).    

Analise os fatos e a conduta: a polícia anuncia um mandado, entra na residência e o réu, armado, efetua inúmeros disparos e fere gravemente um policial. 
O bandido queria atingir os policiais? 
Se a resposta é sim, agiu com dolo e a decisão é absurda... 
Para mim, com certeza, é caso de dolo direto.

Decisão desse naipe só serve para incentivar a policiofobia e colocar, cada dia mais, a sociedade em risco, por gerar impunidade e desincentivar a atuação da polícia, último guardião a proteger a sociedade ordeira do caos da criminalidade de nosso País, um dos locais onde mais se prática crimes, de toda a espécie, no mundo!..

“Quem atira na polícia, atira em mim, atira em você, cidadão de bem!” Marcos Eduardo Rauber, Promotor de Justiça do RGS, em post de suas redes sociais. 

Que Deus tenha piedade de nós!.

Site Percival Puggina - Silvio Munhoz 


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

AS MAL AMADAS REDES SOCIAIS - Percival Puggina

Há um tipo de jornalismo que não consegue esconder seu desagrado perante a democratização do direito de opinião. 
Quem detinha o monopólio da informação e da opinião, percebe, na vida real, quanto de poder verificável, ou monetizável, perdeu com isso. Em sociedades democráticas, não ser refutado era privilégio de poucos.

Há, nas redes sociais, muita gritaria multilateral, xingamentos, manifestações impróprias, notícias falsas? Sim, claro. Mas não podem ser esses desvios o assunto principal quando possibilidades abertas pelas novas tecnologias fazem resplandecer notáveis talentos que, por motivos óbvios, não teriam espaço nos veículos da outrora grande mídia. Esta, aliás, internamente, de um modo que a empobrece, dispensa seus talentos divergentes para preservar coesão em sua linha editorial. O efeito apenas contribui para seu descrédito. E lá se vão eles, os despedidos, fazer sucesso, criar e dinamizar as novas mídias.

Como desconhecer que grande número dos novos comunicadores sociais chega ao público com preparo cultural, competência dialética, proporcionados pelo curso do Olavo de Carvalho? Quanta diferença entre eles e militantes produzidos por cursos de Jornalismo de nossas universidades! Imagine o quanto contraria o complexo de superioridade da esquerda, perceber, pelos motivos expostos, a disparidade de suas forças nas redes sociais.

Imagine a contrariedade daquele grupo de comunicação que se considerava “fazedor de presidentes”, atuando no Brasil, a cada quatro anos, como uma espécie não canônica de sagrador de cabeças coroadas!
 
Imagine a contrariedade dos políticos que, também eles, falavam sozinhos às suas bases através de uns poucos meios regionais de comunicação e, agora, precisam conviver com as redes sociais locais, chegando à palma da mão dos eleitores.

Imagine o desagrado de um poder de Estado sendo avaliado e criticado pelo próprio povo. Logo ele que, diante do espelho, se vê mimetizado, individual e colegiadamente, em democracia.

Imagine o desagrado de grandes veículos tão seletivos nas matérias que divulgam – vendo suas omissões, erros e contradições, expostos à sociedade. A propósito, fatos recentíssimos me vêm à lembrança. Nenhum grande veículo (ao menos nada há no Google que o registre) noticiou a mais recente capa desonesta da revista IstoÉ plagiando uma capa da revista Time. Neste dia em que escrevo (01/11), nenhum grande veículo dedicou linha ou imagem para registrar a multidão de brasileiros que se aglomerou diante do hotel do presidente para festejá-lo em Roma. Não deixe de ver aqui as cenas proporcionadas pelo vídeo disponibilizado por Gustavo Gayer.  

Imprensa surta - Bolsonaro é o único da G20 que leva multidão de apoio na Itália

Bolsonaro é o único entre os lideres mundiais da G20 que receber multidão de apoiadores na Itália. Imprensa não sabe como explicar isso

O ódio “às redes sociais” tem razões consistentes. Cutucam poderosíssimos vespeiros que se coligaram para enfrentar seus adversários nesse vasto e dinâmico território.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


domingo, 1 de setembro de 2019

Dar sentido à vida - Merval Pereira

O Globo

Pessimismo no presente, mas com esperança

Para Ricupero, não haverá paz, estabilidade, retomada do desenvolvimento sem a integração progressiva dos marginalizados

“Os regimes atuais, quer o capitalismo ocidental, quer a versão estatizante chinesa, são incapazes de resolver os três maiores problemas humanos: o aquecimento global, o aumento da desigualdade, o desemprego estrutural agravado pelos robôs e a inteligência artificial”. Essa pessimista constatação faz parte do diagnóstico do embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero na Academia Brasileira de Letras, que fechou um ciclo de palestras dedicado a debater o futuro do Brasil. Durante o evento, coordenado pela escritora Rosiska Darcy de Oliveira, a questão foi analisada por diversos ângulos: o das políticas públicas, pela presidente da Fiocruz, Nísia Trindade; o da economia, por Edmar Bacha; o dos direitos humanos, por Antonio Cicero; o do sentimento nacional, por Cacá Diegues (os três últimos membros da ABL).

O ciclo encerrou-se com a palestra do ex-ministro Ricupero, que analisou o perigo de termos um futuro pior que o presente. Não apenas no Brasil, mas no mundo. Embora o diagnóstico seja pessimista, a conclusão é esperançosa, como veremos. Ricupero lembrou que houve outras fases de abatimento no Brasil, “mas a versão mais grave data de poucos anos atrás, de 2015/16, o instante em que começou a desfazer-se a ilusão de que o país tinha dado certo”.  As fórmulas petistas se tornaram insustentáveis, ressalta. “Algumas concorreram poderosamente para desencadear, primeiro, a crise fiscal, em seguida, o gravíssimo colapso que prostrou a economia até este momento”.

Após os sucessos do Plano Real, do crescimento do governo Lula, da conquista do grau de investimento, “a debacle da economia trouxe de volta aos brasileiros o efeito psicológico desmoralizante do fracasso”. Na visão de Ricupero, “o pouco que sobrava do prestígio das instituições políticas se viu, ao longo de três intermináveis anos, estremecido pelas revelações quase diárias de escândalos pela Lava-Jato, ela mesmo ora em vias de desmoralização devido a excessos e erros próprios, assim como à reação defensiva de setores políticos”.

A crise da democracia liberal se manifesta por todo lado, lamenta. “Cobrem já boa parte da população mundial os regimes antiliberais, anticientíficos, negadores da mudança climática, hostis às elites intelectuais, à tolerância da diversidade, ao respeito do outro em matéria sexual ou cultural”. O confronto entre o primeiro e o segundo centenário da Independência do Brasil põe em evidência o inédito da experiência corrente: a de que, em alguns aspectos importantes, nosso presente é pior que nosso passado. Além de aspectos subjetivos que nos fazem acreditar que os tempos mais amenos da modernização do Estado brasileiro e dos anos JK foram melhores que os conturbados dias de hoje, Ricupero utiliza-se de dados de um estudo da Goldman Sachs deste ano que aponta a possibilidade de o país perder meio século, com crescimento estagnado.

Para Ricupero, estamos “diante do maior desastre de desempenho coletivo de nossa História recente”. No entanto, estes 40 anos de altos e baixos coincidem com a consolidação da democracia. “Nesse período, em especial nos 20 anos entre 1995 e 2015, alcançou-se a maior redução relativa da pobreza e da indigência de nossa História”. O que nos cabe, diz Ricupero, é identificar razões para confiar que o futuro será melhor que o presente e superior aos melhores momentos do passado. No campo das ideias, lamenta-se, “os sinais não são encorajadores”, referindo-se à “versão brasileira requentada de fenômeno mundial, a seita de extrema-direita que mistura ideólogos pós-fascistas com iluminados, astrólogos, apocalípticos e lunáticos de todo o gênero”.

O padrão se reproduzirá por muito tempo, analisa, se não for rompida a polarização entre extrema-direita e PT, “com o medo empurrando os segmentos médios na direção da direita”. [na direita, está a segurança, a confiança,  rumo firme, o norte - não o do Ricupero, que é ' o que é bom a gente divulga o que é ruim esconde.] Superar o medo requer “a aliança entre o centro socialmente progressista e a esquerda democraticamente renovada”. Na sua visão, não haverá paz, estabilidade, retomada do desenvolvimento sem a integração progressiva dos marginalizados, que classifica de “novo ator”, como cidadão, produtor, consumidor e agente de cultura. “Depois desta hora do poder das trevas, impõe-se dar sentido à História, recuperar o sentimento de que a vida humana no Brasil não é absurda e insensata”.
 
Merval Pereira, jornalista - O Globo
 
 

sábado, 31 de agosto de 2019

A perda da esperança - Merval Pereira

O Globo

A incongruência  desse governo, em dizer-se parte do mundo ocidental e defender posições completamente em desacordo com os legados mais básicos da cultura desse mundo, ficou patente na recente crise das queimadas da Amazônia.  Como se fosse uma síntese de suas convicções mais arraigadas, no mesmo episódio o presidente Bolsonaro menosprezou os problemas do meio-ambiente, embora tenha sido avisado pelos estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e entrou em conflito, direto e pessoal, com o presidente Emmanuel Macron, da França, país símbolo das liberdades individuais e dos direitos humanos, [também inventora e campeã no uso, nem sempre justo, da guilhotina e  traiu, de forma repugnante, os argentinos no caso dos 'exocet' na Guerra das Malvinas.] legados fundamentais do Ocidente à civilização.

Civilidade que não esteve presente no desacato à primeira-dama francesa, Brigitte Macron. Embora tenha dito que não a ofendeu, Bolsonaro apagou sua mensagem misógina do twitter, numa autoincriminação.  Aproveitando-se de uma demagogia ecológica de Macron, que tentou levar a discussão para o lado da
internacionalização da Amazônia, Bolsonaro tirou da manga a carta do patriotismo que, como disse Samuel Johnson, numa versão amenizada, é o último refúgio dos sem argumentos.  Não era preciso, Macron foi isolado pelos demais líderes europeus de peso, como Angela Merkel, da Alemanha e Boris Johnson, da Inglaterra.

Talvez seja a faceta mais nauseante de seu comportamento como chefe de Estado o retrocesso que pretende impingir a uma sociedade que avançou em medidas sociais desde a Constituição de 1988, e nos últimos anos vem ampliando essas conquistas com decisões que nos colocaram no campo de valores comportamentais progressistas contemporâneos. [o avanço que veio com o da Constituição de 88 - a constituição dos direitos sem deveres, do desrespeito aos valores familiares, institucionalizou a corrupção e a impunidade dos marginais - especialmente os de colarinho branco.] Falta ao presidente a compreensão de que é o representante de um país, e não de um restrito grupo de apoiadores que comungam seus pensamentos e se apresenta nas redes sociais de maneira acafajestada.

Bolsonaro não leva em conta alguns dos grandes legados  das democracias ocidentais: separação da figura pessoal do governante, e suas próprias opiniões, do cargo institucional que representa; separação dos assuntos de Governo e de Estado; separação entre Estado e Religião, qualquer que ela seja. Cotidianamente vai de encontro a tudo isso. Na visão de seus mentores, como Olavo de Carvalho, o espírito ocidental estaria sendo mitigado por uma política globalista, e é preciso reforçar a herança histórica, cristã, cultural, bem como o papel da família e do estado de direito a partir da tradição do liberalismo dos EUA.

Seria preciso resgatar o passado simbólico das nações ocidentais, mais calcado no imaginário representado por Trump do que pelas democracias européias. Falando em seminário da Academia Brasileira de Letras, no encerramento de um ciclo coordenado pela escritora Rosiska Darcy de Oliveira intitulado “O que falta ao Brasil?”, o embaixador e ex-ministro Rubem Ricupero [o autor da tese: o que é bom a gente divulga, o que é ruim a gente esconde.] fez uma análise sobre o país às vésperas do bicentenário de sua independência.  Seu temor, registrado no título da palestra - Um futuro pior que o passado? – se baseia na história recente, cujo presente vê atingido por “desgraças simultâneas” que produziram o efeito equivalente ao da guerra “sobre uma sociedade até então poupada de catástrofes históricas, como derrotas e ocupações estrangeiras”.

Para Ricupero, “o Brasil jamais tinha passado por retrocesso tão destrutivo na vida das pessoas por meio do desemprego, do aumento da pobreza, do desalento. Nem experimentara nada equiparável ao profundo impacto depressivo dos escândalos de corrupção que destruíram a autoestima de todo um povo”.  Esse passado próximo, lamenta, não acabou de passar, é ainda o nosso presente. “Neste mesmo instante, ele continua a nos fazer sofrer na persistência da estagnação econômica, do desemprego, do retrocesso social, da barbárie das prisões, da corrupção, da destruição da Amazônia, da degradação dos homens que nos desgovernam”.
O que considera “a mais angustiante crise de nossa História”, Ricupero vê agravada “pelo advento de um governo retrógrado, cujo único programa reside na demolição sistemática do passado”.  Mas, o pior, analisa o ex-ministro Rubem Ricupero, é que “perdemos a esperança, isto é, a confiança de que o futuro nos trará remédio às agruras do presente, da mesma forma que antes o presente costumava superar problemas do passado”.  (Amanhã: “Dar sentido à vida”)


Merval Pereira, jornalista - O Globo