Com os grandes bancos cortando cartões de crédito e limite
dos clientes de baixa renda, o mercado de cartões private label, aqueles
com a marca de lojas, tem registrado crescimento em níveis recordes.
Algumas administradoras menores, que atendem as redes de lojas, vão
faturar pelo menos 20% a mais neste ano em relação a 2016. O número de
emissões vai na mesma toada. Em um movimento contrário, entre janeiro e
abril, Banco do Brasil e Itaú retiraram de circulação 1,2 milhão de
cartões, por causa de inadimplência e desemprego.
“Os consumidores das classes C e D se acostumaram e dependem
do crédito para viver”, diz Denis Correia, diretor da DMCard, de São
José dos Campos (SP). “Quando os bancos cortam limites e cancelam
automaticamente os cartões, eles são obrigados a buscar alternativas
para se manter.” Somente com alimentação, o comprometimento da renda familiar
dessa população com alimentação varia de 60% a 70%. É um consumidor que
precisa do crédito para manter as contas em dia.
Com clientes na área de supermercados, como o Sonda, e lojas
de materiais de construção, a DM viu seu faturamento crescer 33% no
primeiro semestre. A expectativa é fechar o ano com faturamento de R$
1,3 bilhão. Desde 2014, a administradora tem tido alta média de receita
de 35% ao ano. O porcentual só não é maior, afirma Correia, porque sua
capacidade de sustentar a operação é limitada. “Até 2014, nossas vendedoras que ficam nas lojas dos clientes
conseguiam vender dois cartões por dia”, diz ele. “Hoje, são sete por
dia e elas nem precisam abordar os interessados para oferecer o cartão:
ficam sentadas e eles vêm até elas”, diz o executivo.
A DM não é a única administradora a perceber a demanda maior.
Administradora do Tribanco, do grupo Martins, a Tricard projeta crescer
em 25% seu faturamento, fechando o ano com R$ 2,3 bilhões. A expectativa
é emitir 480 mil novos cartões em 2017. “Além dos bancos terem tirado o
pé do acelerador, as administradoras independentes avançaram muito em
tecnologia e capilaridade”, afirma Ricardo Batista, diretor do Tricard.
“Com a parada na piora da economia, o ritmo ficou ainda mais forte.”
Calote menor
Segundo essas empresas, a inadimplência, principal temor dos
grandes bancos com esse público, não as atinge com tanta intensidade.
“Na verdade, minha inadimplência caiu”, afirma Correia. “Quando os
bancos miravam nesse público, para nós sobravam os consumidores da
classe D para baixo. Agora, tenho clientes de maior poder aquisitivo e
capacidade de pagamento.”
Com isso, o porcentual dos que deixam de pagar as faturas na
DM está em 3,2%, contra 3,4% em 2016. “O consumo num supermercado é
consciente e o tíquete é baixo, o que ajuda muito na adimplência”,
afirma Correia. “O mesmo acontece na loja de construção da periferia: o
comprador sabe que se perder o crédito na loja do bairro, vai ser mais
difícil terminar sua casa.”
Marcos Etchegoyen, presidente da Sorocred, de Sorocaba (SP),
que tem entre seus clientes lojas como a varejista TNG e as clínicas
Sorridents, afirma que o fato de serem especialistas nesse tipo de
consumidor gerou um aprendizado para concessão de crédito. Neste ano, a
administradora faturou 25% a mais no primeiro semestre e deve emitir 18%
mais cartões. “Esse crescimento também tem acontecido porque começamos a
perceber uma pequena recuperação da economia”, diz ele.
Para Luis Santacreu, analista do setor financeiro da empresa
de classificação de risco Austin Rating, é importante que haja
alternativas de crédito para a população de baixa renda, cujo único
instrumento de bancarização, muitas vezes, é o cartão. “Essa operação em
regiões específicas, com administradoras que conheçam bem seu público, é
relevante para que não haja uma desinserção social ainda maior”, diz
ele.
Digital
Santacreu lembra que, em muitos países com grande população de
baixa renda, a intermediação de crédito passou a ser feita pelo
celular, à margem dos bancos. As administradoras sabem disso e também
têm investido em tecnologia para aproveitar a onda. “Nosso aplicativo
teve uma adesão tão monstruosa que já pensamos em substituir o cartão
pelo celular”, afirma Batista.
Segundo os executivos, os aplicativos precisam ser muito
intuitivos, por causa da baixa escolaridade. “A digitalização é inerente
às novas gerações”, afirma Etchegoyen.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.