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domingo, 21 de julho de 2019

Bolsonaro tem muito tambor e pouco violino - Elio Gaspari

Globo - Folha de S. Paulo

Mão invisível do atraso freia a economia e houve época em que era mais fácil comprar cocaína que importar computador

Capitão Bolsonaro é um mestre do ilusionismo. A cada semana agita o país com tolices, impropriedades ou mesmo irrelevâncias 

Em  julho de 2017 o procurador Deltan Dallagnol foi convidado para fazer uma palestra no Ceará, pediu cachê de uns R$ 30 mil, mais passagens para ele, a mulher, os filhos e estadia no Beach Park (“as crianças adoraram”). Em junho passado o ministro de Economia baixou a Portaria 309, que reduzia os impostos de importação de bens de capital, informática e tecnologia. Dezoito dias depois, suspendeu-a. Nada ver uma coisa com a outra? Elas mostram como a mão invisível do atraso leva o leão a miar.

Quem pagou a villeggiatura do doutor Dallagnol foi a Federação das Indústrias do Ceará, uma das estrelas do Sistema S, aquele em cuja caixa de R$ 20 bilhões arrecadados compulsoriamente nas veias das empresas o doutor Paulo Guedes prometeu “meter uma faca”. Passaram-se seis meses sem que Guedes voltasse a falar no Sistema S, mas quando ele assinou a portaria 309 cumpriu uma das maiores promessas de campanha do capitão Bolsonaro. Baixando os impostos de importação de bens de capital e de equipamentos de informática, baratearia os preços de computadores, celulares e produtos eletrônicos. A alegria durou pouco pois recolheu-a prometendo revê-la.
[o Sistema S não goza de bom conceito - muito dinheiro para bancar muita mordomia e produzir pouco; dinheiro público,  arrecadado  compulsoriamente sendo responsável pela arrecadação o próprio governo - e o ministro Paulo Guedes já deveria ter metido a faca, o problema é que o lobby no Congresso, pró Sistema S é enorme e poderoso;

Dallagnol fez as palestras, recebeu o que lhe era devido - o CNMP e o CNJ permitem; pior é aquele ex-guerrilheiro aloprado, Fernando Pimentel ex-governador de Minas - que usou uma Federal de Minas Gerais para esquentar dinheiro de corrupção - diz ter realizado as palestras, embolsou o dinheiro, só que ninguém viu nem ouviu as tais palestras - as federações também integram o sistema S.

O Sistema S é formado por Sesc, Sesi, Senai, Senar, CNC, CNI, CNA, IEL e outros mais. Os citados e os outros mais ainda oferecem alguns serviços aos trabalhadores nas empresas das áreas que atendem;
já as federações, que estão subordinadas as poderosas Confederações, estas existem apenas para o lobby político - com estruturas milionárias, tanto em termos de edificios quanto de funcionários.
A CNC e a CNI possuem sedes milionárias em Brasília, edificios imensos e de alto luxo, praticamente vazios.
Os Sesc', Sesi's, Senai'e e seus pares prestam algum tipo de serviço e estão vinculados às Conselhos e  Administração Regionais e estas são 'administradas' pelos Conselhos e Administrações Nacionais, que custam mais caro que os 'regionais' que são os que prestam serviços.]
 
A mão invisível de uma parte do patronato da indústria ganhou a parada mostrando ao governo que poderia bloquear seus projetos no Congresso. Ela já conseguira o arquivamento do projeto de abertura comercial deixado por Michel Temer. Esse jogo tem quase um século. Houve época em que era mais fácil comprar cocaína do que importar computador. Quando a economia nacional começou a se abrir, o agronegócio foi à luta, modernizou-se e hoje é internacionalmente competitivo. A indústria blindou-se atrás de federações (alimentadas pelo Sistema S), aliada a “piratas privados e criaturas do pântano político” (palavras de Guedes). Poderosa, preserva-se com leis protecionistas. Resultado: os piratas prosperaram, a indústria definhou e seus produtos custam caro. Já as federações nadam em dinheiro, custeando palestras que poucos empresários sérios custeiam.

O capitão Bolsonaro é um mestre do ilusionismo. A cada semana agita o país com tolices (“ golden shower ”), impropriedades (o conforto de um trabalho infantil que não conheceu) ou mesmo irrelevâncias (a nomeação do filho para a embaixada em Washington; ganha um almoço de lagosta no Supremo Tribunal quem souber os nomes dos três últimos embaixadores nos Estados Unidos). [gosto  de ler - além  de livros, sempre li e leio jornais, revistas, os antigos almanaques, as Seleções do Reader's Digest, etc - nos tempos do governo Médici, já era assinante de Veja, leitor diário do Globo, JB, etc, portanto aprecio e defendo o trabalho da imprensa.

Mas, quem está maximizando a opção feita pelo presidente da República de nomear seu filho embaixador - competência que a Constituição lhe confere e seu filho atende aos requisitos objetivos, cabendo ao Senado verificar os demais aspectos - é a imprensa que dá corda ao Bolsonaro e ele pega.
Se Bolsonaro estiver errado e seu filho não tiver a competência exigida, caberá ao Senado bloquear a nomeação - ou será que o Senado Federal, presidido pelo competente Alcolumbre não merece confiança?]

Quando um assunto relevante como a abertura da economia vai para o pano verde, o leão revoga a Portaria 309 no escurinho de Brasília, prometendo revisá-la em agosto. A ver, pois essa orquestra tem muitos tambores e poucos violinos.

A trava de Toffoli
A trava do ministro José Antonio Toffoli que congelou as investigações relacionadas com as contas do senador Flávio Bolsonaro mostra que a Justiça é cega e lenta para o andar de baixo. Para o de cima, a história é outra.  A ideia segundo a qual movimentações financeiras estranhas só podem ser compartilhadas depois de uma decisão judicial transforma o Coaf e a Receita Federal em sucursais do Arquivo Nacional. (Cadê o Queiroz?) Olhada de outro jeito, essas informações não deveriam ser usadas, sem ordem de um juiz, por procuradores voluntariosos, capazes de destruir reputações na busca de 15 minutos de fama.


Os advogados de Flávio Bolsonaro foram brilhantes ao engatar seu argumento a um litígio que nasceu em 2003 num posto de gasolina do interior de São Paulo. Os sócios do posto foram autuados pela Receita Federal, tiveram a conta bancária da empresa bloqueada pela Receita e passaram mover o dinheiro como pessoas físicas. A Receita voltou a autuá-los, e o Ministério Público enfiou-lhes uma ação penal. O advogado do posto de gasolina contestou a legalidade do compartilhamento de informações da Receita com o MP, perdeu na primeira instância e ganhou na segunda. O MP recorreu ao Supremo Tribunal, onde o processo entrou e ficou sonolento. [indiscutivelmente não pode haver essa troca de informações entre a Receita e o MP, bem como, é criminoso que o Coaf faça seus registros e o caso vaze para a imprensa - caso do Queiroz.
Importante destacar que o Coaf luta com movimentações atípicas - que na maior parte das vezes não são ilegais - assim, tem que haver limites para evitar que atipicidades sejam tratadas como ilegalidades - tanto é que a segunda instância deu ganho de causa ao posto.]

O caso foi para o gabinete do ministro Toffoli. Em abril do ano passado o STF entendeu que esse litígio deveria ter repercussão geral, [entendimento ocorrido bem antes do Fabricio virar manchete por prática de movimentações atípicas, que TALVEZ sejam ilegais.] ou seja, valeria para qualquer caso semelhante. O julgamento foi marcado para 21 de março deste ano e depois foi transferido para o próximo dia 21 de novembro.


Estavam assim as coisas, quando os advogados de Flávio Bolsonaro tinham um habeas corpus para ser apreciado no Rio de Janeiro e decidiram engatar seu caso ao do posto de gasolina de Americana, pedindo uma liminar. Como o Supremo está em férias e seu presidente torna-se plantonista, coube a Toffoli tomar a decisão, com repercussão geral, congelando a essência da investigação das contas de Flávio Bolsonaro. A briga do posto de gasolina de Americana com a Receita começou em 2003 e estava no STF há mais de um ano. A Justiça é lenta, mas às vezes não tarda.

(...)

O tesouro da UFRJ
O projeto “Viva UFRJ” sugere que a universidade pode arrecadar milhões vendendo seus terrenos na Praia Vermelha e na Ilha do Fundão. A área da Praia Vermelha pode valer bastante. No caso das terras do Fundão, a “vocação imobiliária” deixou de ser o sonho de um campus e foi noutra direção. Os interessados nos terrenos gostariam de construir galpões para apoiar a logística do aeroporto do Galeão.

(...)

Dificuldade
O pessoal do palácio do Planalto sabe que a reforma da Previdência chegou ao Congresso azeitada pela iniciativa tomada no governo de Temer e com relativo apoio na opinião pública. Um projeto de reforma tributária não terá uma coisa nem a outra.

Globo - Folha de S. Paulo 

Elio Gaspari, jornalista 

 

 


 

domingo, 7 de janeiro de 2018

Divórcio entre os números e a sensação nas ruas



Números e sentimento

O ministro Henrique Meirelles teve outro dia que atravessar um supermercado, ao sair de um evento no Rio. Aproveitou e perguntou a uma consumidora como estava a inflação, certo de que ouviria alguma boa avaliação porque o país está com uma das menores taxas da história. “Está altíssima”, ela respondeu. Ele perguntou sobre o futuro, e ela disse que os preços subiriam.

Números bons o governo tem para mostrar na economia, mas a percepção da população não é essa. Como a recessão foi forte demais, toda a sensação de desconforto se mistura. A relação do Brasil com a inflação é complexa, porque, em geral, perguntados, os brasileiros costumam dizer que ela vai subir. Esse é um medo quase atávico, afinal, foram 50 anos de alta constante com episódios de hiperinflação ao fim daquele período.

Os consumidores só sentiram a diferença nos momentos em que a queda foi forte e somada a um aumento do nível de atividade. A última vez que isso aconteceu foi em 1994. Antes disso, em 1986. Nesses dois anos, houve efeito direto nas eleições. Em 1986, com o Cruzado, o PMDB teve uma vitória consagradora em todo o país. Em 1994, o candidato do governo Itamar a presidente, Fernando Henrique Cardoso, ganhou as eleições no primeiro turno derrotando os que tinham estado nos primeiros lugares nas pesquisas no início da disputa: Lula e Maluf.

A melhora da conjuntura econômica agora é mais um entendimento de quem analisa os números do que um sentimento de quem vive o cotidiano da economia. Pelo contrário, mesmo com a forte queda da inflação, que em dois anos foi de 10,7% para 2,7%, a consumidora entrevistada pelo ministro da Fazenda acha que o índice está altíssimo e que vai piorar.

Os dados do mercado de trabalho mostram que o número de pessoas ocupadas aumentou em um milhão e setecentos mil entre novembro de 2016 e de 2017. Mas o desemprego teve queda menor, porque houve um aumento de pessoas procurando emprego, como sempre acontece em períodos de recuperação econômica, e isso deve se acentuar neste começo de ano. Os analistas ficarão discutindo esse descompasso dos números, mas o sentimento das pessoas é de que a crise do desemprego continua. E de fato continua. O total de pessoas trabalhando hoje é menor do que em 2015.

Dados do nível de atividade têm vindo com indicações de aumento da produção e venda de máquinas e equipamentos. A produção industrial divulgada sexta-feira mostrou que houve um aumento de 8,1% no setor de bens de capital em novembro comparado com um ano antes. Isso anima os analistas, porque indica investimento que levará a crescimento. Porém esse é um indicador descarnado de emoção. Mais fácil de entender é a alta no consumo de eletrodomésticos e carros, por exemplo. Os dados mostram que a venda desses bens de consumo, chamados duráveis, aumentou puxando a indústria. Parte desse divórcio entre números e sentimento vem do muito que falta para se voltar ao ponto de partida. A indústria teve crescimento de janeiro a novembro de 2017 — dezembro não foi divulgado ainda — mas está quase 17% abaixo do nível de 2013.

Quando faz suas análises eleitorais, o governo costuma apostar que haverá um aumento da sensação de bem-estar com a economia ao longo do ano, e que isso vai melhorar as possibilidades do candidato oficial, seja ele quem for. O nível de atividade deve aumentar ao longo do ano, mas é duvidoso que isso ajude o candidato governista, porque essa não é uma mudança rápida na economia que produza uma sensação de alívio a ponto de virar intenção de voto.

A crise fiscal é muito grave e vai se transformar em redução de investimentos, dificuldades financeiras nos estados, precariedade de serviços públicos. Nem mesmo no governo se tem certeza de que o crescimento esperado de 3% ajudará o suficiente a arrecadação de impostos. Depende de que área vai puxar a alta do PIB. O crescimento da indústria tem impacto maior do que a de serviços na geração de impostos. A crise fiscal não acabará tão cedo, a recuperação dos empregos perdidos será muita lenta, a sensação continuará sendo de um tempo de restrições. Há muito mais além da economia na formação do sentimento do eleitor brasileiro em relação ao país. Isso é que torna esse ano tão incerto.

Coluna da Miriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo 

terça-feira, 11 de julho de 2017

Campo prepara forte salto de produtividade no ano - Investimento em bens de capital é mais forte no agronegócio

A nova projeção do IBGE indica que a safra será ainda maior do que se esperava. O país deve colher 240,3 milhões de toneladas de grãos no ano, ou 0,7% a mais que a estimativa feita em maio. Confirmada a projeção, a colheita será 30,1% maior do que em 2016. Cabe um destaque para o aumento da produtividade. De um ano para o outro, a área a ser colhida cresceu bem menos, apenas 7%.  

O reflexo do bom momento do campo já apareceu no resultado do PIB do primeiro trimestre, quando a agropecuária avançou 15,2% contra 2016. Os benefícios vão além do setor. O aumento da produtividade, por exemplo, combina com a alta dos investimentos. A agricultura puxa o desempenho positivo da indústria de bens de capital nos últimos meses. 

No ano até maio, a produção de máquinas e equipamentos agrícolas, como tratores e colheitadeiras, saltou 24,8%. Também há efeitos nos serviços de transportes e na cadeia do comércio exterior. A pujança da agricultura tem evitado uma crise ainda mais profunda na economia. 

Investimento em bens de capital é mais forte no agronegócio

O crescimento na produção de bens de capital foi destaque no crescimento da indústria em maio. Mas a alta ficou mais concentrada no agronegócio. Na construção civil o desempenho segue abaixo dos melhores momentos, conta Eurimilson Daniel, vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração (Sobratema). Indicativo do nível de investimento, a demanda por máquinas e equipamentos pegou carona na supersafra.   

Pelos dados do IBGE, o segmento de bens de capital acumula alta de 3,5% no ano. A produção de maquinário agrícola, como tratores e colheitadeiras, teve expansão de 24,8% no ano.  — A supersafra contribui para o resultado, mas não apenas ela. A tecnologia do maquinário usado no campo é bastante dinâmica, evolui rapidamente. Os empresários focam no investimento em mecanização para melhorar as margens, que são estreitas na agricultura. Esse também é um segmento no qual o país é internacionalmente competitivo — conta Daniel.  

Na construção civil a situação é diferente, conta Daniel. Poucas obras foram contratadas nos últimos meses. A demanda por bens de capital para a construção está fraca há alguns anos. O IBGE até registra aumento de 24% sobre 2016 na produção de bens de capital da construção civil, mas a base do ano passado estava muito deprimida.

Pelos dados da Sobratema, a compra de equipamentos para a construção registrou queda de 50% em 2015 e de outros 45% em 2016. A associação acompanha as aquisições de escavadeiras e tratores esteiras, por exemplo, que fazem parte da chamada. No auge, em 2013, o setor de construção adquiriu 32 mil equipamentos; em 2016, foram apenas 8.600. Com a crise política, a previsão de alta de 6% para este ano entrou em revisão. A volta do investimento é uma das condições para a recuperação consistente do crescimento.  

Fonte: Coluna da Míriam Leitão - com Marcelo Loureiro