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domingo, 7 de janeiro de 2018

Divórcio entre os números e a sensação nas ruas



Números e sentimento

O ministro Henrique Meirelles teve outro dia que atravessar um supermercado, ao sair de um evento no Rio. Aproveitou e perguntou a uma consumidora como estava a inflação, certo de que ouviria alguma boa avaliação porque o país está com uma das menores taxas da história. “Está altíssima”, ela respondeu. Ele perguntou sobre o futuro, e ela disse que os preços subiriam.

Números bons o governo tem para mostrar na economia, mas a percepção da população não é essa. Como a recessão foi forte demais, toda a sensação de desconforto se mistura. A relação do Brasil com a inflação é complexa, porque, em geral, perguntados, os brasileiros costumam dizer que ela vai subir. Esse é um medo quase atávico, afinal, foram 50 anos de alta constante com episódios de hiperinflação ao fim daquele período.

Os consumidores só sentiram a diferença nos momentos em que a queda foi forte e somada a um aumento do nível de atividade. A última vez que isso aconteceu foi em 1994. Antes disso, em 1986. Nesses dois anos, houve efeito direto nas eleições. Em 1986, com o Cruzado, o PMDB teve uma vitória consagradora em todo o país. Em 1994, o candidato do governo Itamar a presidente, Fernando Henrique Cardoso, ganhou as eleições no primeiro turno derrotando os que tinham estado nos primeiros lugares nas pesquisas no início da disputa: Lula e Maluf.

A melhora da conjuntura econômica agora é mais um entendimento de quem analisa os números do que um sentimento de quem vive o cotidiano da economia. Pelo contrário, mesmo com a forte queda da inflação, que em dois anos foi de 10,7% para 2,7%, a consumidora entrevistada pelo ministro da Fazenda acha que o índice está altíssimo e que vai piorar.

Os dados do mercado de trabalho mostram que o número de pessoas ocupadas aumentou em um milhão e setecentos mil entre novembro de 2016 e de 2017. Mas o desemprego teve queda menor, porque houve um aumento de pessoas procurando emprego, como sempre acontece em períodos de recuperação econômica, e isso deve se acentuar neste começo de ano. Os analistas ficarão discutindo esse descompasso dos números, mas o sentimento das pessoas é de que a crise do desemprego continua. E de fato continua. O total de pessoas trabalhando hoje é menor do que em 2015.

Dados do nível de atividade têm vindo com indicações de aumento da produção e venda de máquinas e equipamentos. A produção industrial divulgada sexta-feira mostrou que houve um aumento de 8,1% no setor de bens de capital em novembro comparado com um ano antes. Isso anima os analistas, porque indica investimento que levará a crescimento. Porém esse é um indicador descarnado de emoção. Mais fácil de entender é a alta no consumo de eletrodomésticos e carros, por exemplo. Os dados mostram que a venda desses bens de consumo, chamados duráveis, aumentou puxando a indústria. Parte desse divórcio entre números e sentimento vem do muito que falta para se voltar ao ponto de partida. A indústria teve crescimento de janeiro a novembro de 2017 — dezembro não foi divulgado ainda — mas está quase 17% abaixo do nível de 2013.

Quando faz suas análises eleitorais, o governo costuma apostar que haverá um aumento da sensação de bem-estar com a economia ao longo do ano, e que isso vai melhorar as possibilidades do candidato oficial, seja ele quem for. O nível de atividade deve aumentar ao longo do ano, mas é duvidoso que isso ajude o candidato governista, porque essa não é uma mudança rápida na economia que produza uma sensação de alívio a ponto de virar intenção de voto.

A crise fiscal é muito grave e vai se transformar em redução de investimentos, dificuldades financeiras nos estados, precariedade de serviços públicos. Nem mesmo no governo se tem certeza de que o crescimento esperado de 3% ajudará o suficiente a arrecadação de impostos. Depende de que área vai puxar a alta do PIB. O crescimento da indústria tem impacto maior do que a de serviços na geração de impostos. A crise fiscal não acabará tão cedo, a recuperação dos empregos perdidos será muita lenta, a sensação continuará sendo de um tempo de restrições. Há muito mais além da economia na formação do sentimento do eleitor brasileiro em relação ao país. Isso é que torna esse ano tão incerto.

Coluna da Miriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo 

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