Números e sentimento
O
ministro Henrique Meirelles teve outro dia que atravessar um supermercado, ao
sair de um evento no Rio. Aproveitou e perguntou a uma consumidora como estava
a inflação, certo de que ouviria alguma boa avaliação porque o país está com
uma das menores taxas da história. “Está altíssima”, ela respondeu. Ele
perguntou sobre o futuro, e ela disse que os preços subiriam.
Números
bons o governo tem para mostrar na economia, mas a percepção da população não é
essa. Como a recessão foi forte demais, toda a sensação de desconforto se
mistura. A relação do Brasil com a inflação é complexa, porque, em geral,
perguntados, os brasileiros costumam dizer que ela vai subir. Esse é um medo
quase atávico, afinal, foram 50 anos de alta constante com episódios de
hiperinflação ao fim daquele período.
Os
consumidores só sentiram a diferença nos momentos em que a queda foi forte e
somada a um aumento do nível de atividade. A última vez que isso aconteceu foi
em 1994. Antes disso, em 1986. Nesses dois anos, houve efeito direto nas
eleições. Em 1986, com o Cruzado, o PMDB teve uma vitória consagradora em todo
o país. Em 1994, o candidato do governo Itamar a presidente, Fernando Henrique
Cardoso, ganhou as eleições no primeiro turno derrotando os que tinham estado
nos primeiros lugares nas pesquisas no início da disputa: Lula e Maluf.
A melhora
da conjuntura econômica agora é mais um entendimento de quem analisa os números
do que um sentimento de quem vive o cotidiano da economia. Pelo contrário,
mesmo com a forte queda da inflação, que em dois anos foi de 10,7% para 2,7%, a
consumidora entrevistada pelo ministro da Fazenda acha que o índice está
altíssimo e que vai piorar.
Os dados
do mercado de trabalho mostram que o número de pessoas ocupadas aumentou em um
milhão e setecentos mil entre novembro de 2016 e de 2017. Mas o desemprego teve
queda menor, porque houve um aumento de pessoas procurando emprego, como sempre
acontece em períodos de recuperação econômica, e isso deve se acentuar neste
começo de ano. Os analistas ficarão discutindo esse descompasso dos números,
mas o sentimento das pessoas é de que a crise do desemprego continua. E de fato
continua. O total de pessoas trabalhando hoje é menor do que em 2015.
Dados do
nível de atividade têm vindo com indicações de aumento da produção e venda de
máquinas e equipamentos. A produção industrial divulgada sexta-feira mostrou
que houve um aumento de 8,1% no setor de bens de capital em novembro comparado
com um ano antes. Isso anima os analistas, porque indica investimento que
levará a crescimento. Porém esse é um indicador descarnado de emoção. Mais
fácil de entender é a alta no consumo de eletrodomésticos e carros, por
exemplo. Os dados mostram que a venda desses bens de consumo, chamados
duráveis, aumentou puxando a indústria. Parte desse divórcio entre números e
sentimento vem do muito que falta para se voltar ao ponto de partida. A
indústria teve crescimento de janeiro a novembro de 2017 — dezembro não foi
divulgado ainda — mas está quase 17% abaixo do nível de 2013.
Quando
faz suas análises eleitorais, o governo costuma apostar que haverá um aumento
da sensação de bem-estar com a economia ao longo do ano, e que isso vai
melhorar as possibilidades do candidato oficial, seja ele quem for. O nível de
atividade deve aumentar ao longo do ano, mas é duvidoso que isso ajude o
candidato governista, porque essa não é uma mudança rápida na economia que
produza uma sensação de alívio a ponto de virar intenção de voto.
A crise
fiscal é muito grave e vai se transformar em redução de investimentos,
dificuldades financeiras nos estados, precariedade de serviços públicos. Nem
mesmo no governo se tem certeza de que o crescimento esperado de 3% ajudará o
suficiente a arrecadação de impostos. Depende de que área vai puxar a alta do
PIB. O crescimento da indústria tem impacto maior do que a de serviços na
geração de impostos. A crise fiscal não acabará tão cedo, a recuperação dos
empregos perdidos será muita lenta, a sensação continuará sendo de um tempo de
restrições. Há muito mais além da economia na formação do sentimento do eleitor
brasileiro em relação ao país. Isso é que torna esse ano tão incerto.
Coluna da Miriam Leitão - Com
Alvaro Gribel, de São Paulo