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sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Tempos de aflição - Valor Econômico

 Claudia Safatle 

“Rombo” fiscal se arrasta desde os anos 1980, com breve período de exceção

O país vive um momento em que decisões na economia vão ter grande impacto nos próximos anos, de forma mais ou menos análoga ao que os ex-presidentes Geisel e Figueiredo viveram quando dos choques de preços do petróleo em que optou-se por pisar no acelerador ao invés de ajustar a economia àquela condição de grave restrição. Foram os 20 anos seguintes de elevadíssimas taxas de inflação, só domada após o Plano Real, em meados de 1994. Ao ouvir as alternativas que tinha à mão na ocasião, Geisel teria dito: “Mas logo na minha vez vocês querem brecar a economia?”.

[apesar da forte tendência contra o presidente Bolsonaro, a ilustre articulista tem a sinceridade de apontar que o surgimento do rombo fiscal e de todos os males causados à economia, ocorreu nos anos 1980 - Geisel encerrou seu mandato em 1979 - e não em2017.] 

O momento, agora, é o retrato de um desequilíbrio que está na cobertura da imprensa desde a crise da dívida externa nos anos de 1980, quando os jornalistas de economia começaram a escrever sobre o “rombo” nas finanças públicas. Para alguns, iniciava-se alí um aprendizado da importância da política fiscal para a estabilidade da economia. Foi a partir de um acordo de socorro financeiro com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que preconizava austeridade nas contas do setor público como medida de controle da inflação, que tomou-se conhecimento das metodologias de cálculo do déficit e o assunto passou a ser parte da pauta de cobertura da imprensa de 1983 para cá.

O fato é que os governos não foram capazes de resolver, até hoje, as restrições fiscais que se arrastam, freiam o crescimento da economia e atrasam a vida de milhões de brasileiros. Houve períodos de enfrentamento, quando no segundo mandato o governo de Fernando Henrique Cardoso começou, em 1999, a política do tripé macroeconômico calcado no regime de metas para a inflação, câmbio flutuante e superávit primário nas contas públicas.

As primeiras iniciativas de abandono das metas fiscais começaram no segundo mandato de Lula, mas foi Dilma Rousseff que deu um basta nos superávits e inaugurou o tempo dos déficits públicos. Ficou famosa a definição da presidente de que “gasto [público] é vida.”

Na gestão de Michel Temer foi aprovada a PEC do Teto do Gasto, pela qual o aumento da despesa anual é limitado à correção pela inflação acumulada em 12 meses até meados do ano anterior. Foi uma forma, talvez dura demais, de lidar com uma expansão desmedida do gasto público nos últimos quarenta anos.

Quando Bolsonaro assumiu, parecia muito claro no discurso do ministro Paulo Guedes o entendimento da dimensão do problema. Mas o tempo mostrou que o presidente não comungava das convicções liberais do ministro da Economia nem tinha a compreensão das limitações que o “rombo” das contas públicas impunha aos seus eventuais planos de governo. Bolsonaro nunca gostou das privatizações, não apoiou a reforma da Previdência, aceitou a reforma administrativa desde que vigorasse só para os novos entrantes no setor público e não concordou com a proposta de reestruturação dos programas assistenciais (tais como o abono salarial, seguro-defeso e vários outros) para financiar um projeto de renda básica. O Congresso, nesse aspecto, foi mais reformista.

O presidente, definitivamente, não lida bem com as restrições que lhe são colocadas pelo “buraco” das contas públicas. Mas não há muitas alternativas para ele a não ser a perda da confiança e da credibilidade na sustentação da trajetória da dívida pública como proporção do PIB. Dívida que era de 51,7% do PIB em 2010 e uma década depois já encosta em 100% do PIB. [o PIB caiu = redução do parâmetro de cálculo -  e tivemos uma pandemia = aumentou os gastos que formam a dívida pública].Os economistas do setor público e privado entendem que esse não é um patamar sustentável e o mercado reage mudando os preços dos ativos.

Dois sinais muito claros dos mercados nos últimos meses são: a inclinação da curva de juros que dá uma diferença grande, de cerca de 500 pontos-base, entre as taxas de longo prazo e as de curto prazo; e a desvalorização de 40% do real frente ao dólar americano“A trajetória da dívida começa a estar sob os holofotes”, diz uma fonte que opera no mercado desde os anos 1970. “A questão fiscal não está equacionada e a aparente guinada de Bolsonaro para acordos políticos torna inverossímil a possibilidade de um ajuste”, avalia.

Sem a pandemia da covid-19, a história seria diferente?, indaga ele, que responde: “Marginalmente, seria diferente porque os agentes entenderam a pandemia como um evento ‘once for all’ do ponto de vista fiscal. Foi preciso gastar R$ 900 bilhões e não dá para chamar isso de irresponsabilidade fiscal”, diz a fonte.

A pandemia, porém, empurrou o endividamento para a casa dos 100% do PIB. Isso não seria um enorme problema se fosse possível manter a taxa de juros baixa. Mas a inclinação da curva está dizendo que a taxa de juros de curto prazo, a Selic de 2% ao ano, está fora de lugar. Uma enorme diferença entre agora e os anos da década perdida de 1980 é a taxa de câmbio flutuante que somada às reservas cambiais dá um conforto na área externa e afasta o risco de uma crise cambial. De positivo, atualmente, o país tem juros baixos (condicionado à responsabilidade fiscal) e taxa de câmbio desvalorizada.

Em artigo publicado na “Folha de S. Paulo” do fim de semana, Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, sugeriu um roteiro de mudanças possíveis com o retorno à meta de primário como âncora fiscal, já que o teto do gasto levaria cinco anos para colocar o país em uma situação de equilíbrio das contas públicas. Arminio não acredita que o país tenha todo esse tempo. Ele propõe uma pequena folga para o teto e um ajuste de seis pontos percentuais do PIB nos próximos quatro anos, pelo qual o déficit primário de 3% do PIB de 2019 se converta em superávit de 3% do PIB em 2024. Não quero acabar com o teto, mas dar uma pequena folga de 1% além da inflação porque no curto prazo dá um espaço de manobra e, no longo prazo, eu prefiro ter um governo em condições de investir na redução das desigualdades”, explica ele.

Outro ex-presidente do BC, Affonso Celso Pastore, em artigo publicado no “Estadão”, alerta para o risco de o Banco Central ser forçado a tomar medidas de repressão ao livre movimento de capitais para evitar uma eventual sangria nas reservas. Tal situação decorreria da dominância fiscal - da qual a dificuldade na administração da dívida é uma primeira manifestação - que leva à inflação e à repressão financeira, com todas as distorções que ela produz. O tempo corre, o ambiente se deteriora e o governo espera passar as eleições para tomar uma atitude.

Claudia Safatle, jornalista - Valor Econômico


terça-feira, 31 de julho de 2018

PT esqueceu que governou

O PT nesta eleição tem muitos dilemas. O mais importante, claro, é saber quem será candidato e em que momento o partido sairá do processo de negação para encarar a realidade. O coordenador do programa do PT Fernando Haddad cometeu ato falho, ao falar que “se” Lula fosse candidato toda a esquerda estaria em torno do ex-presidente. Definida a candidatura viável, o partido terá que olhar para a própria experiência, de erros e acertos, e parar de fingir que concorre a primeira vez “contra tudo isso que está aí”.

Nas suas entrevistas, Haddad tem esboçado um programa cheio de confusões que um economista não deveria fazer. É como se o PT não aprendesse nem com seus acertos. Ao assumir em 2003, o partido fez uma mudança importante e deixou de lado demagogias para entender que era preciso manter as bases do Plano Real, que colocara fim ao longo tormento hiperinflacionário.  O então ministro Antonio Palocci escolheu uma equipe competente, e Lula buscou no partido adversário o presidente do Banco Central. O governo elevou a meta de déficit primário, fortaleceu o sistema de metas de inflação e câmbio flutuante. Confirmou o tripé. Os índices de preços caíram, os temores se dissiparam e o partido levou o país a um período de prosperidade com políticas mais fortes de inclusão social. É essa a origem do bom recall do ex-presidente.

Depois disso, o PT considerou que era hora de implantar as suas ideias. Foi a era Guido Mantega. Inventou a nova matriz, deixou a inflação subir, manipulou dados fiscais e tomou uma série de decisões desastradas que levaram o país à recessão. Houve duas políticas econômicas, a segunda deu errado. Agora o dilema é como usar esta experiência e manter um discurso que atraia seu eleitor e ao mesmo tempo convença outras parcelas do eleitorado.  Fernando Haddad defendeu recentemente em entrevista ao “Valor” o que chamou de um “choque liberal” contra os elevados spreads bancários. Ele criticou a concentração do setor, mas ela se aprofundou a partir de 2008. Os quatro maiores bancos tinham 58% dos ativos bancários e quando Dilma saiu eles tinham 78%. Nada foi feito contra essa tendência no período. O choque que ele propõe é aumentar os tributos para os spreads altos e reduzir para os mais baixos. Se os impostos forem aumentados para as taxas mais altas, elas ficarão ainda maiores porque os bancos vão repassar, como sempre, o custo para o tomador do dinheiro ou toda a sua rede de clientes. Se reduzirem os impostos para os juros baixarem, isso seria na prática subsidiar o crédito bancário. E ele volta a falar em usar Banco do Brasil e Caixa para reduzir o custo dos financiamentos. Já foi feito no governo petista e deu errado.

O que complica a vida de Haddad é o fato de o PT ter governado o país durante 13 anos, quatro meses e 11 dias. Para dizer que há 60 milhões de pessoas com cadastro negativo, tem que esquecer que era esse mesmo o número quando o partido deixou o poder. Quando diz que o programa prevê taxação de dividendos, imposto sobre herança, maior progressividade no sistema tributário, ele repete o que estão dizendo outros candidatos, mas precisa explicar por que isso não foi feito antes. Além do mais, ele propõe, segundo disse ao “Valor” na semana passada, que será “acompanhado de redução da carga sobre pessoa jurídica”. Acabará dando no mesmo resultado do ponto de vista da arrecadação. É apenas uma forma diferente de cobrar.

Quando Haddad critica os problemas econômicos atuais ele tem que apostar que ninguém se lembrará de que a crise começou no governo do próprio PT e não foi devido ao ex-ministro Joaquim Levy, como ele disse. O déficit público e a recessão começaram no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Haddad disse ao “Valor” que as agências reguladores foram “capturadas”. Sim, foram, mas não agora. O processo avassalador de escolha de indicados políticos para esses órgãos é dos governos petistas.

O PT tenta encontrar algum discurso radical, que agrade à militância, mas para isso é necessário esquecer o que ele fez quando esteve no poder. Haddad criticou o fato de o Comperj e Abreu e Lima estarem parados, mas esses dois investimentos foram superfaturados, usados para o pagamento de propina, produziram um volume enorme de prejuízo para a Petrobras. Há pontos que são apenas do governo Temer, como a reforma trabalhista e o teto de gastos. Mas a maioria das nossas aflições econômicas começaram na administração petista. E ele finge não saber.

Coluna da Miriam Leitão - Alvaro Gribel

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Respiro na economia - BC fala em política monetária "estimulativa" e juros podem cair a 6%

O Banco Central cortou os juros em um ponto, para 8,25%, e indicou que a política monetária, neste momento, deve ser "estimulativa, ou seja, com taxas abaixo da taxa estrutural". Em outras palavras, indicou que o ciclo de cortes continua nas próximas reuniões, e cresceu a chance de se ter juros na casa de 6% no ano que vem. No comunicado, o Copom também avisou que haverá uma "redução moderada" no ritmo de cortes em outubro.

Isso indica que na próxima reunião a Selic deve cair em 0,75%, para 7,5%. Haverá maior gradualismo daqui para frente, e não mais reduções de um ponto.



Respiro na economia
A inflação mais baixa desde o início do regime de câmbio flutuante, em 1999, é um alívio enorme na lenta recuperação que o país atravessa. Foi essa redução que permitiu o novo corte de juros pelo Banco Central, para 8,25%, e tem promovido aumentos reais na renda dos trabalhadores. O BC falou em política monetária “estimulativa” e aumentaram as chances de juros na casa de 6% no ano que vem.

O país vive dois momentos distintos. Na economia, há sinais cada vez mais fortes de recuperação, enquanto a política continua fonte de incertezas. A bolsa começou o dia em alta, quebrou recorde histórico, mas perdeu força e fechou pouco abaixo do topo. O mercado financeiro se anima com os números melhores da economia, mas também faz as contas do jogo político do ano que vem. O depoimento do ex-ministro Antonio Palocci pode dar novo impulso ao Ibovespa.

O Banco Central reduziu a Selic em 1 ponto e no comunicado afirmou que na próxima reunião o ritmo de cortes deve ser reduzido de forma “moderada”. Alexandre de Ázara, da Mauá Investimentos, enxerga pelo menos mais dois cortes de juros e não descarta a Selic em 6% no ano que vem. — O BC sugere um corte de 0,75 ponto na próxima reunião, em outubro, e outro de 0,5 ponto, em dezembro. E há chance de nova redução em janeiro, o que colocaria a Selic abaixo de 7% — disse.

A queda da inflação é impressionante e tem várias causas. No pior momento, chegou a 10,71%, em janeiro de 2016, e ontem caiu para 2,46% no acumulado em 12 meses, abaixo do piso de 3% da meta. Os alimentos estão dando uma contribuição importante e caíram pelo quarto mês seguido. Mas, além disso, há a recuperação da confiança no trabalho do BC e da equipe econômica, que segurou o dólar e conteve as expectativas, e também o efeito da recessão, que aumentou a capacidade ociosa da economia.

Essa redução dos preços tem provocado aumento da renda disponível das famílias, principalmente entre os mais pobres. Isso fica claro em levantamento feito pelo Procon de São Paulo, que mostrou que, em um ano, o custo da cesta básica caiu de R$ 701 para R$ 642. Uma queda de 9%. Ao mesmo tempo, lembrou o economista Fernando Montero, da Tullett Prebon, o salário mínimo subiu de R$ 880 para R$ 937. Se há um ano sobravam R$ 178 após a compra da cesta básica por quem ganhava o mínimo, hoje, sobram R$ 297.
No setor industrial, a Anfavea divulgou que a produção de veículos teve alta de 20% nos últimos 12 meses e revisou para cima sua estimativa deste ano, para 25%. De janeiro a agosto, as vendas subiram 5,3% em relação ao mesmo período do ano passado, e as exportações dispararam 56%. O emprego, que vinha em queda livre há quatro anos, agora tem uma ligeira alta. Para se ter uma ideia do impacto da recessão no setor automotivo, o número de empregados caiu de 157,6 mil, em 2013, para 126 mil, em 2016, e agora sobe para 126,3 mil. Se não há sinais de retomada forte nas vagas, dá para afirmar que parou de cair.

Na segunda-feira, o IBGE já havia divulgado o quarto crescimento consecutivo da produção industrial, que subiu 3,4% no período. Apesar da queda do setor no PIB do segundo trimestre, puxada pela construção civil, a indústria vem dando sinais de que está deixando o fundo do poço. É isso que mostra a taxa acumulada em 12 meses, que caía 9,6% em junho do ano passado e agora recua apenas 1,1%. Mês a mês, os números deste ano estão melhores do que os do mesmo período do ano anterior.
A economia segue em recuperação enquanto atravessa a tempestade política.

LADEIRA ABAIXO. Após o comunicado do Banco Central, o banco BNP Paribas revisou para 6,5% sua projeção para a Selic no ano que vem.

(...)

Fonte: Coluna da Míriam Leitão - Alvaro Gribel