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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Efeitos colaterais - Nas Entrelinhas

Lucena (duas vezes), ACM (duas), Sarney (quatro) e Renan (quatro) presidiram o Senado mais de uma vez, mas nunca foram reeleitos na mesma legislatura; existe, porém, precedentes na Câmara

O primeiro impacto das eleições municipais na política nacional se dará nas disputas pelas Mesas do Congresso, principalmente a da Câmara. Do ponto de vista da composição das duas Casas, não houve grande mudança na correlação de forças, apesar dos suplentes que deverão assumir, porém, o desempenho dos partidos na eleição de prefeitos e vereadores, que estão na base da reprodução e renovação dos mandatos dos deputados, influencia — e muito — os humores dos congressistas. As articulações para o comando do Senado e da Câmara ganharam nova dinâmica já a partir desta semana.

A premissa a se resolver é a questão da reeleição na mesma legislatura, que a Constituição de 1988 proíbe. Um parecer da consultoria jurídica do Senado diz que o assunto é regimental e que, portanto, dependeria apenas de decisão dos senadores. [desde quando consultores jurídicos do Senado possuem poder para mudar a Constituição?  - interpretações criativas do texto constitucional,  para satisfazer conveniências, interesses e vaidades, são tão nocivas aos princípios democráticos, quanto é  o Supremo legislar, ação que  ofende o principio de harmonia e independência dos poderes = cada Poder  no seu quadrado.] Essa questão, porém, será dirimida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As articulações para que os ministros do Supremo lavem as mãos, como Pilatos, seguem o percurso que todos conhecem: as relações entre senadores e ministros, tecidas ao longo do tempo. Entretanto, não dá para apostar que o Supremo aceitará a mudança das regras de jogo, pelo precedente que abre.

Na hipótese de que a reeleição seja permitida, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), está com quase tudo dominado. Já se acertou com as bancadas do MDB e do PT. O seu problema é o grupo Muda Senado, que originalmente foi um esteio de sua vitória contra o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Na Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é contra a reeleição, caso isso seja permitido, não terá adversários capazes de derrotá-lo. Essa possibilidade lhe cairia no colo, pois quem trabalha abertamente para a reeleição é Alcolumbre.

No período republicano, foram poucos os presidentes da Câmara que se reelegeram na mesma legislatura: Sabino Barroso (1909-1914), Arnolfo Rodrigues de Azevedo (1921-1926) e Ranielli Mazzini (1958-1965), que, por duas vezes, assumiu a Presidência da República em situação de crise institucional. A primeira, na renúncia de Jânio, em 1961; a segunda, na deposição do presidente João Goulart, em 1964, mas acabou tendo de entregar o cargo para o marechal Castelo Branco. No Senado, nunca houve esse precedente. Embora Humberto Lucena (duas vezes), Antonio Carlos Magalhães (duas), José Sarney (quatro) e Renan Calheiros (quatro) tenham presidido a Casa mais de uma vez, nunca foram reeleitos na mesma legislatura.

Bolsonaro
Caso não seja mesmo permitida a reeleição na mesma legislatura, no Senado, o candidato mais forte à sucessão de Alcolumbre é o senador Eduardo Braga (MDB-AM), líder do governo na Casa. O circo pega fogo, porém, na Câmara, onde está instalada a disputa entre o líder do PP, deputado Arthur Lira (AL), e o líder do MDB, deputado Baleia Rossi (SP). O primeiro, é o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto, com objetivo de domar a Câmara, controlando a sua pauta. O fortalecimento do PP nas eleições municipais, nas quais saltou de 495 para 682 prefeituras, foi resultado da estratégia de aproximação com Bolsonaro desenvolvida pelo senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, e Arthur Lira, que, por isso mesmo, aumentou o seu cacife na disputa da Câmara junto ao Palácio do Planalto.

Do outro lado do balcão, Baleia Rossi, que também é presidente do MDB, candidato apoiado por Rodrigo Maia, amarga a perda de 261 prefeituras (caiu de 1.035 para 774). Entretanto, o MDB continua sendo o partido mais forte do país em termos de prefeitos, vereadores e número de votos. Além disso, para Baleia, o apoio do DEM foi robustecido pelo desempenho eleitoral dessa legenda, que aumentou o número de prefeituras de 266 para 459 (193 a mais). Seu problema é a resistência da esquerda, o que faz de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), mesmo com candidato avulso, um azarão. É óbvio que essa matemática não se reflete automaticamente na eleição da Câmara, mas mexe com os ânimos dos deputados, que se envolvem diretamente nas eleições municipais e captam os humores do eleitorado.

É aí que a derrota dos candidatos apoiados por Bolsonaro no primeiro turno pesa na balança. Fragiliza sua relação com os partidos do Centrão, entre os quais o PSD de Gilberto Kassab. Se tivesse mais senso estratégico, Bolsonaro não teria se envolvido, como se envolveu, no primeiro turno. Nada garante que não repita o erro no segundo turno, correndo risco de ter o apoio rejeitado pelos candidatos com quem tem afinidade. Mesmo no caso de Crivella, no Rio, seu apoio pode ser desastroso, pois as primeiras pesquisas mostram que o eleitorado de esquerda e centro-esquerda já desembarcou na candidatura de Eduardo Paes (DEM), e a eleição está praticamente perdida. Além disso, envolver-se diretamente na disputa pelo comando da Câmara é um jogo perigoso. Por exemplo, custou muito caro para a ex-presidente Dilma Rousseff, que foi derrotada por Eduardo Cunha (MDB-RJ), de quem era inimiga figadal. Ele abriu o processo de impeachment da ex-presidente da República, antes de ser afastado do cargo e preso por causa do Petrolão.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Quando o Supremo sai de seu quadrado, vira bancada, como a do boi ou a da bala - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo -  O Globo 

O quadrado do Supremo

Brasil não precisa que a corte entre numa guerra da vacina 

[Tem coisas que só acontece, ou não, no Brasil. Tivemos, ou melhor,  não tivemos, a 'batalha de Itararé';
Agora temos a guerra da vacina - uma vacina que ainda não existe.]

Com quase 158 mil mortos, depois de três ministros da Saúde, da cloroquina, da gripezinha e de outras tolices do curandeirismo político, o Brasil não precisa que o Supremo Tribunal Federal entre numa guerra da vacina. Países andam para trás. Passado mais de um século da Revolta da Vacina, o Brasil regrediu. Em 1904 o presidente Rodrigues Alves foi um campeão do progresso, inflexível na manutenção da ordem. Ao seu lado estava o médico Oswaldo Cruz, enfrentando políticos, jornalistas e militares, mais interessados num golpe de Estado que na saúde pública.

O presidente Jair Bolsonaro decidiu fazer da pandemia um instrumento de sua propaganda. Salvo poucos parlamentares excêntricos, alguns dos quais partiram para outra melhor, o Congresso manteve-se longe dos debates pueris. Pelo andar da carruagem, Bolsonaro está chamando o Supremo Tribunal Federal para a rinha: “Entendo que isso [não] é uma questão de Justiça, é uma questão de saúde acima de tudo. Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar a vacina. Isso não existe. Nós queremos é buscar a solução para o caso”.

O capitão tem direito às suas opiniões, mas o fato é que as atribuições do Judiciário estão definidas na Constituição e compete ao Supremo Tribunal Federal interpretá-la. Bolsonaro tem uma relação agreste com a Corte, e em maio passado ouviu-se seu brado de “vou intervir”. Viu que não tinha mandato nem cacife para isso. Pode-se discutir se o presidente Luiz Fux fez bem ao dizer que a obrigatoriedade da vacina acabaria chegando a seu tribunal. O Supremo não está aí para avisar que vai decidir um litígio. Ele simplesmente decide. A Corte não é um assembleia para debate político nem uma consultoria (apesar de alguns de seus ministros gostarem do papel de consultores). É uma Corte onde os 11 ministros votam. 

O quadrado constitucional do Supremo é específico. Seu poder emana de sua independência, e essa independência emana do distanciamento. Quando sai do quadrado, vira bancada, como a do boi ou a da bala. Os 11 ministros podem decidir, à luz do Direito, se uma vacina pode ser ou não obrigatória. Numa dimensão, quem não se vacina pode contrair febre amarela, sarampo ou Covid. Noutra, socialmente relevante, pode propagá-la. Onde acaba o direito de não se vacinar e começa a prerrogativa de contagiar?[NÃO PODEMOS ESQUECER que o rebelde que não se vacinou,  contaminou outro rebelde que também não se vacinou!!!]

A criação de um Fla X Flu com Bolsonaro de um lado e o Judiciário de outro pode atender aos interesses do capitão, mas é uma inconveniência constitucional. Quando o Supremo decidiu que os governadores tinham autoridade para criar regras de isolamento social, ajudou a salvar milhares de vidas.[? - dois exemplos da coerência e funcionalidade da suprema decisão: um shopping em São Paulo tem metade em um municipio e a outra metade em outro - um dos municípios mandou fechar e o outro permitiu abrir. Resultado: no centro do shopping as lojas de um dos lados do corredor central abriram, as do outro lado não puderam abrir.

No DF, o Ibaneis no inicio da pandemia mandou fechar tudo e Valparaíso, em Goiás, não fechou nada. Do DF se vai a pé para a cidade goiana e vice-versa. Imagine a zona que se instalou. A propósito: quando o Ibaneis não quer usar máscara, atravessa a fronteira e vai para Goiás

Verdade que quando ele invoca de não usar máscara, tira  o acessório e vai passear com um séquito nas UPAs.] 

 Vale lembrar que, à época, um dos paladinos da liberdade era o ministro-médico Osmar Terra. Ele achava que a pandemia mataria menos gente que a gripe sazonal. Tudo indica que a obrigatoriedade da vacinação irá ao plenário do Supremo. Os ministros deverão decidir e argumentar com base no Direito e na Constituição. Quanto menos bate-bocas fora do quadrado, melhor para todo mundo. Um dia a Corte se reúne, cada ministro vota, a televisão mostra, e o caso está decidido.

Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista