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domingo, 9 de fevereiro de 2020

Velhas doenças ainda ameaçam mais do que coronavírus - O Globo

Ana Lucia Azevedo, Célia Costa e Constança Tatsch

No Brasil, especialistas temem queda na atenção dada ao combate a dengue, zika, chicungunha, febre amarela e sarampo

A médica Patrícia Rosseti chega às 8h no Centro Municipal de Saúde (CMS) Píndaro de Carvalho Rodrigues, na Gávea, Zona Sul do Rio, e com mais duas pessoas atende a cerca de 50 pacientes todos os dias, muitos com dengue. Desde o início do ano, o CMS também realiza, pelo menos uma vez por dia, bloqueios vacinais contra o sarampo, quando pessoas do entorno de um paciente devem ser imunizadas.
Mas, nos corredores, conta a médica, os pacientes já se preocupam mais com o coronavírus: — Ficamos muito frustrados. Parece que você orienta as pessoas mas tudo fica do mesmo jeito — diz, em referência aos cuidados necessários para se combater o mosquito Aedes aegypti ou manter a carteira de vacinação em dia. Talvez o governo precisasse falar mais, incrementar as campanhas, divulgar mais os números. Até para nós fica difícil saber qual a realidade dos casos aqui no Rio, por exemplo.
Leia mais:Vacina contra zika criada pelos EUA mostra bons resultados em humanos
O pânico global em relação ao novo coronavírus pode ser grande, mas, para o Brasil, pelo menos nesse momento, muito maior é a ameaça de velhas doenças, garantem especialistas. Os vírus da dengue, da chicungunha, da febre amarela e do sarampo são aqueles que o brasileiro realmente deveria temer e contra os quais se proteger.
Vejo com pessimismo o cenário para dengue e chicungunha, apesar dos esforços do Ministério da Saúde. Enquanto não tiver saneamento básico, as doenças do Aedes aegypti vão nos acometer — destaca o virologista Pedro Vasconcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, que conclui: — Haverá um ano com mais casos, outros com menos, mas a tendência de crescimento será mantida.

Marzia Puccioni-Sohler, professora da UFRJ e da UniRio, lembra que o mosquito prefere água suja, mas, se encontrar oportunidade dentro das casas, vai infestá-las também. E não adianta cuidar da casa e ter esgoto a céu aberto na porta.
A chicungunha é uma doença incapacitante, causa limitações físicas, impede muitas pessoas de trabalhar. Embora o vírus seja menos comum, a parcela dos infectados que adoece é muito maior que a da dengue, por exemplo. Estima-se que 70% dos infectados desenvolvam sintomas, que nunca são brandos e podem se prolongar por meses, às vezes por anos. E 16% dos doentes podem apresentar complicações neurológicas. Já a dengue pode levar a doenças autoimune.Como toda novidade, o coronavírus desperta curiosidade e prende a atenção. Mas, para o Brasil, agora, problema mesmo são as nossas doenças conhecidas, que são graves— diz Marzia.

Para Ligia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em saúde pública e colunista do GLOBO, o coronavírus é “um desafio que se soma, e as estruturas da saúde já estão fragilizadas”. Segundo ela, para combater a dengue, por exemplo, seria necessário fazer um conjunto de ações, incluindo inquéritos sorológicos (pesquisa com uma amostra da população para saber se já teve dengue e qual tipo), além de desenvolver uma vacina, processo em que o Brasil “não está na vanguarda” pela “descontinuidade de investimentos”. — O coronavírus vai fazer sombra [às outras doenças] porque o mundo inteiro está apavorado e é uma ameaça que vem de fora, enquanto a dengue nos é familiar — afirma. — Na realidade, é quase uma competição de mau gosto entre os vírus.

Vacinas
Apesar das campanhas, o Brasil ainda não atingiu a cobertura vacinal adequada contra a febre amarela, e o vírus tem avançado para a Região Sul. Vasconcelos observa que, enquanto não tivermos a cobertura vacinal superior a 90% da população, haverá risco de o vírus voltar a se urbanizar. O sarampo, como a febre amarela, não precisaria mais existir se as pessoas se vacinassem, acrescenta: - Quem não se vacinou e tem medo de coronavírus deveria tomar as vacinas disponíveis e se livrar de perigos bem mais imediatos. São dessas doenças virais que temos que ter mais medo no Brasil — diz.

(.....)

Na semana passada, o secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, fez um alerta: se as metas de vacinação contra o sarampo não forem atingidas, o estado pode ultrapassar os 10 mil casos da doença. Em 2019, a cobertura vacinal foi de 74%, a meta é ultrapassar os 95%.
Já o enfrentamento da dengue é para evitar uma epidemia tão grave como a de 2008, quando foram registrados 235.064 casos e 271 mortes:
— Com a volta do sorotipo 2, há risco de epidemia. A maior preocupação é que, normalmente, o tipo 2 evolui para casos graves — diz o subsecretário estadual de Vigilância em Saúde , Alexandre Chieppe.  O Ministério da Saúde deve gastar R$ 140 milhões com equipamentos de proteção individual contra o coronavírus. Também estima despender entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões por mês com a instalação de 1.000 novos leitos de UTI. Mas garante em nota que as “ações para as demais doenças não vão deixar de acontecer’’.

Em O Globo, MATÉRIA COMPLETA 
 
 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

A China está próxima - Fernando Gabeira

Em Blog
 
Ainda adolescente comprei meu primeiro manual de jornalismo. Seu autor, Fraser Bond, trazia algumas boas lições práticas. Mas de uma de suas lições, jamais me convenceu. Bond dizia que a morte de um cão na sua rua é mais notícia do que um terremoto na China.  Nada estremece mais seu argumento do que a aparição do coronavírus em Wuhan, a sétima cidade da China, e casos já registrados em vários países do mundo. Ele usou o exemplo do terremoto porque certamente ainda não havia tanta integração no mundo quanto agora, o que transforma a segurança biológica numa agenda internacional inescapável.

O Brasil, como todos os outros países, está em alerta. Isso é essencial num momento em que não é novo. O surgimento de vírus devastadores tem sido uma constante, possivelmente pela degradação do meio ambiente.  É correto olhar para a China neste momento. No entanto, para não desapontar Fraser Bond, não podemos esquecer o que acontece perto do nós.  Foi com esse espírito que levantei semana passada algumas dúvidas sobre o que acontece em Rondônia, mais precisamente no Presídio Monte Cristo. Segundo as notícias, ali quase 100% dos prisioneiros sofriam de sarna. Mas recentemente a situação se agravou, e os prisioneiros têm uma doença que dá a eles a sensação de estarem sendo comidos por dentro.

Era necessário que o governo criasse um núcleo médico capaz de diagnosticar essa doença e tratá-la imediatamente.  Argumentar que são bandidos, escolheram esse caminho, é muito pobre não só do ponto de vista humano, como irresponsável diante da segurança biológica do país. [defendemos que as penas sejam severas, sejam cumpridas na integralidade, mas, se impõe que os prisioneiros sejam tratados como seres humanos - o que inclui, sem limitar, assistência médica.
Mas, tem um detalhe que não pode ser olvidado: 
enquanto algumas centenas  de prisioneiros padecem de moléstias em cadeias atulhadas, milhares de brasileiros, ou mesmo milhões padecem as portas dos hospitais aguardando vaga para um exame urgente ou mesmo um simples atendimento de emergência.

Hoje mesmo o DF-TV, noticiou que em Brasília - DF tem uma senhora que aguarda um exame neurológico na rede pública de saúde há 'apenas' quatro anos;
Saúde sob a responsabilidade do governador Ibaneis Rocha, a quem lembramos que ele está conseguindo ser pior que a soma do impiorável,  representado pelas administração Agnelo e Rolemberg e que exames de saúde são sempre urgentes, especialmente na área neurológica, cardíaca, cerebral, etc, etc. 
A administração Ibaneis Rocha, em todas as áreas, destacando SAÚDE, INSEGURANÇA PÚBLICA, EDUCAÇÃO, TRANSPORTES, etc, está conseguindo transformar o CAOS em CAOS CAÓTICO e o PIORAR o IMPIORÁVEL.

Já o prisioneiro Marcola - chefão do PCC e condenado a mais de 300 anos de prisão - parou parte de Brasília para ser submetido a uma colonoscopia - exame de urgência, importante para o diagnóstico do câncer.

Diante da verdade apresentada, cabe a pergunta: 
priorizar o atendimento em presídios (até mesmo levando presos de importância a clínicas para exames) ou aos milhões que padecem as portas dos hospitais?]
Os presídios, mesmo os de segurança, não são ilhas totalmente isoladas. Neles, trabalham funcionários em turnos diferentes. Isto significa que se relacionam com as suas famílias. Além disso, há visitas, advogados, inúmeras pessoas que ficam expostas a um perigo. Como estou em outra parte do Brasil no momento, tenho mais perguntas do que respostas sobre essa doença no presídio de Roraima. Não vi notícias sobre o exame desses presos, o possível diagnóstico da doença. 
É um agravamento da sarna? 
Outra doença completamente diferente?
O que dá a eles a sensação de serem comidos? 
Seria uma bactéria? 
Tem nome? É preciso examinar as pessoas que trabalham no presídio?

Nossas demandas sobre uma política de segurança biológica ainda são centradas na transparência. Chernobyl foi um caso típico de negação das regras do jogo. A China também às vezes é acusada de não revelar as verdadeiras dimensões de algumas doenças.  Lembro-me de que na aparição dos primeiros casos de Aids no Brasil, falava-se que era localizado e atacava apenas a minoria. Felizmente, superamos essas limitações e chegamos a uma política nacional respeitada até fora do país. Mas o front é muito diversificado. Durante alguns anos, enfrentamos a dengue. Depois apareceram a chicungunha e a zika, esta bastante pesquisada depois de uma passagem assustadora no Nordeste.

Menos falada, a chicungunha também é uma doença séria. Entrevistei alguns atingidos por ela, em Sergipe. Fiquei impressionado com as queixas sobre dores, algumas estendendo-se por um ano.  Apesar de suspeitas, não se pode afirmar ainda que o coronavírus surgiu na crista de algum desequilíbrio ambiental. Mas é evidente que uma política ambiental destrutiva quase sempre vem ao lado de um desinteresse pela segurança biológica.  No Brasil, Paulo Guedes acha que a degradação ambiental é produzida pela pobreza. Mas, na verdade, é a pobre compreensão do problema pelo governo que pode agravar a crise ambiental. Da mesma forma, quando se fala em princípio de precaução, aqui a ideia é de um velho que sai de guarda-chuva num dia ensolarado.

Mas não é isso, o mundo mudou, ficou muito mais perigoso, interligado. O velho professor de jornalismo não sabia disso na sua época. Ignorar essa realidade hoje só torna o mundo mais perigoso ainda. No entanto, o momento já é também de esperar que, além da transparência, os governantes sejam julgados por sua capacidade de antecipação.  Não se pode comparar a doença no presídio com um coronavírus na China. Mas o alarme na segurança biológica não deve se prender a algum vírus devastador e misterioso.

Fernando Gabeira, jornalista - Blog do Gabeira

Artigo publicado no jornal O Globo em 26/01/2020

sábado, 26 de março de 2016

"O drama da microcefalia é mais chocante do que a morte", diz especialista


Professor de medicina social na UnB acredita que quantidade de investimentos em pesquisas e de pessoas debruçadas sobre o tema levará à descoberta da vacina para a zika. 

Mas destaca que o controle passa por saneamento e destino adequado

Especialista em medicina social e tropical, Pedro Luiz Tauil tem esperanças de que, em médio prazo, uma solução para o surto de zika e de microcefalia que assola o país seja encontrada. Apesar de assustado com o número de casos da malformação confirmados, o médico acredita que a quantidade de investimentos em pesquisas em todo o mundo e de pessoas debruçadas sobre o tema trará logo uma vacina para o vírus e uma solução no combate ao mosquito Aedes aegypti. Em entrevista ao Correio, o médico detalha as técnicas em andamento para o combate ao mosquito e destaca que sempre houve preocupação do Estado com a dengue, mas que os casos de microcefalia, cada vez mais comprovadamente associados ao zika vírus, são devastadores e têm acelerado estudos para o desenvolvimento de vacinas. 

“É uma coisa que choca as pessoas.” Para o professor, que dedicou grande parte da carreira à epidemiologia e ao controle da malária, da dengue e da febre amarela, o combate mecânico aos criadouros não é a solução mais efetiva, mas é o que pode ser feito neste momento para conter a epidemia. “Eliminar o mosquito é uma tarefa muito difícil. Precisamos de inovações. E, enquanto elas não vêm, o que tem de ser feito é o combate mecânico mesmo.” Entretanto, Tauil ressalta que o controle das viroses transmitidas pelo mosquito passa por saneamento básico, abastecimento adequado de água e destinação correta dos resíduos sólidos.
O Brasil já teve um controle maior do Aedes aegypti?
Em uma época onde a população urbana era muito menor. Nós tínhamos 50% da população em área rural e 50% em área urbana, isso na década de 1950, 1960. Como conseguimos eliminar o mosquito? Aliás, nós e mais 17 países da América. Foi uma campanha interamericana e, a partir de outros países que não conseguiram eliminar, como os Estados Unidos, o México, a Venezuela e alguns do Caribe, os outros se reinfestaram, com exceção da Ilha de Páscoa, no Chile, e o Canadá. A maioria está reinfestada, tanto que a chicungunha começou na América Central, em 2014. A complexidade da vida urbana é muito grande. Hoje, 85% da população brasileira vive em área urbana, e o fluxo foi tão intenso e rápido que fez com que a maioria dos municípios não conseguisse fornecer à população condições dignas de habitação e saneamento. Com isso, cresce a quantidade de Aedes. Recentemente, li que encontraram o Aedes até na Nova Zelândia, coisa que eles não tinham.


E qual é a principal dificuldade?
Primeiro, a expansão de prédios. Segundo, a falta de saneamento em favelas, cortiços e invasões. O cuidado básico nesses locais seria um bom fornecimento de água e destino adequado de dejetos. Terceiro, a indústria moderna privilegiou a confecção das embalagens descartáveis que, quando não recicladas, viram criadouros. Nunca tivemos tantos carros produzidos e o subproduto, os pneus, ninguém sabe o que fazer com ele. Houve uma solução, que era usá-los na confecção de massa asfáltica, mas pararam porque estava muito caro. E um quarto motivo é a segurança. As cidades são inseguras e as pessoas têm medo. O dono da casa não quer deixar o agente de saúde entrar para fiscalizar. E certos lugares que são inalcançáveis, como as favelas controladas pelo crime organizado.


O caminho de tentar eliminar as doenças com o combate ao mosquito é ineficaz?
Não. É uma das opções. Agora, estamos trabalhando em inovações para o controle desse mosquito. A primeira técnica, que acho bem promissora, é australiana. Eles introduzem no mosquito uma bactéria, a Wolbachia. Ela impede que o mosquito infectado viva infectante. Ela interrompe o ciclo impedindo que o vírus passe para o estômago e para as glândulas salivares. Está sendo testado em vários países: Singapura, Tailândia, China, Austrália. No Brasil, estamos trabalhando em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, em Tubiacanga, na Ilha do Governador e em Jurujuba, em Niterói (RJ). Em 20 semanas, cerca de 80% dos mosquitos foram substituídos por esses com a bactéria. Eles são produzidos em laboratório e liberados na natureza. Essa bactéria faz com que você conviva com o mosquito sem contrair as doenças, porque elas serão bloqueadas dentro dele. A segunda técnica é inglesa. Ela utiliza mosquitos transgênicos, que, mesmo fecundando as fêmeas, a prole não se desenvolve, morre como larva. Essa é está sendo utilizada no Brasil, em Juazeiro e em Jacobina, na Bahia.


Essa, utilizada na Bahia, pretende eliminar o mosquito?
Sim, nesse método, você elimina o mosquito, no outro você convive com ele. Em São Paulo, quando teve uma epidemia de dengue, construíram uma fábrica desses mosquitos em Campinas e estão testando em Piracicaba. Esse método é polêmico: você não pode parar de liberar esse mosquito na natureza, o que exige uma produção permanente, e o fato de ele ser transgênico pode fazer com que ele tenha uma outra adaptação. E a terceira técnica é a dos mosquitos irradiados com radiação gama proposta pela Agência Nuclear da ONU. Assim, ficam estéreis. Nessa você tem que jogar quatro mosquitos irradiados para um. Em alguns lugares, 10 para um, para competir com os mosquitos naturais.

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