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sábado, 6 de fevereiro de 2021

A velha política leva tudo - Carlos Alberto Srdenberg

Não foi apenas o fim orquestrado da Lava Jato. Há uma sequencia de movimentos que revigoram a velha política (aqui incluídos executivo, legislativo e judiciário), abafam o combate à corrupção e tornam o Estado brasileiro cada vez mais ineficiente. Começando pela Lava Jato. A força tarefa não apanhou “apenas” alguns casos de corrupção. Mostrou que o sistema operacional do Estado estava dominado por diversos “quadrilhõesassociações de políticos, empresários, advogados e, sim, membros do judiciário – com o objetivo de roubar o setor público e distribuir o dinheiro entre eles, estivessem na esquerda, no centro ou na direita.

Dizem que a Lava Jato exagerou, que a dupla Sérgio Moro e Deltan Dallagnol não poderia ter mantido aquelas conversas hackeadas; que, em busca de mais eficiência, romperam os limites do devido processo legal.  É verdade que os dois não agiram pelas vias ortodoxas. Mas o que eram, e continuam, agora reforçadas, as vias ortodoxas?  
São os caminhos tortuosos dos tribunais para anular processos, não pela prova da inocência dos réus, mas pelo tempo de prescrição e supostos equívocos formais.
O que é pior, o ativismo da Lava Jato ou os conchavos brasilienses entre políticos, advogados e juízes? 
Encontram-se nas festas de casamento, são compadres entre si, almoçam e jantam nos bons restaurantes – à custa de dinheiro público – e promovem os filhos nas suas carreiras. 
Deputado filho de deputado, advogado filho de juiz, que facilita a prática dos “embargos auriculares”. Uma conversinha entre um uísque e outro.

Dia desses, um ministro de corte superior me disse que poderia perfeitamente frequentar essa corte brasiliense e julgar com a devida isenção os seus participantes. Não pode, é claro. Assim como um filho de juiz simplesmente não pode advogar na corte do pai. Quer dizer, não poderia, mas advoga e ganha bem. Como a Lava Jato poderia ganhar disso? Utilizando os métodos modernos de combate à corrupção, usados em todo o mundo civilizado, que consiste em reunir polícia, receita e ministério público, investigando e trocando informações e – por que não? – partilhando com a imprensa, vale dizer, com o público.

Tem algum inocente posto na cadeia pela Lava Jato? Mas tem culpado sendo libertado pelos métodos transversos da velha ortodoxia. O triplex e o sítio não existiram? Isso não importa. Importa desqualificar o processo e o juiz. [nos parece que foi o juiz quem se desqualificou quando começou a usar seu cargo,para fazer política, seguir carreira - em seus devaneios se sentiu qualificado até para ser presidente da República.
Quando abandonou a magistratura e percebeu que lá  comandava e no Executivo era comandando, iniciou um processo para as áreas do 'seu' ministério não estarem sujeitas à intervenções do seu Chefe = o presidente da República. 
E a primeira vítima de sua pretensão foi a lealdade devida por um ministro de Estado ao presidente da República.
Esqueceu que um ministro que deseje impor limites à autoridade do seu chefe, pode assim proceder, após pedir demissão do cargo.]
 
E, assim, parece normal que deputado processado em dois casos no STF se eleja presidente da Câmara. [motivo óbvio de sua eleição: teve votos e processado não é culpado;
Um exemplo: O filho do presidente, quando era apenas o filho de um candidato, começou a ser acusado de uma série de supostos delitos. O mandato do pai já está na segunda metade e os que o acusam não conseguem promovê-lo a culpado = faltam provas -  que não são substituídas por ilações nem pelo desejo dos seus detratores.] Em uma das denúncias, correndo na Primeira Turma, já há maioria para aceitá-la. Mas tudo parou por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli.
A nova direção do Congresso diz estar alinhada com Bolsonaro na agenda vacina, reformas e privatização. A agenda deveria ser essa mesmo. Mas não é. A verdadeira inclui: auxílio emergencial [indispensável, dele depende a REDUÇÃO da fome de milhões de brasileiros que agora procuram,  nas lixeiras,  cascas de banana para alimentação de seres humanos.
Procurando com atenção encontram de onde tirar recursos (não esqueçam que a grana dos Fundos Eleitoral e Partidário - se usada para pagar auxilio emergencial e não para sustentar político e partidos - seria suficiente para pagar mais de 5.000.000 de auxílio a R$600,00)  - ainda tem muita grana a ser desperdiçada, é só procurar. ] mas sem tirar dinheiro de outros setores, especialmente da elite do funcionalismo e da política, fim da prisão em segunda instância, liquidação da ficha limpa e juiz de garantias, para atrasar ainda mais os processos.

Outro dia, o deputado Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro, disse que a prisão em segunda instância nunca existiu no Brasil e que foi um casuísmo para tirar Lula da disputa presidencial. Duplo erro: a prisão em segunda instância era regra. Eliminá-la foi a exceção de alguns anos. E Lula foi afastado por ser ficha suja.
Será que o líder não sabe mesmo ou está aí para confundir o público?
Esse pessoal acha que enunciar a agenda é o suficiente. Muita gente nos meios econômicos acredita ou finge acreditar. Mas o fato é que sem a pressão da sociedade, da imprensa livre e independente, dos políticos e agentes públicos do bem, vamos continuar com vacina de menos e ineficiência de mais.

 Carlos Alberto Sardenberg, jornalista


Coluna publicada em O Globo - Economia 6 de fevereiro de 2021