Não foi apenas o fim orquestrado da Lava Jato. Há uma sequencia de
movimentos que revigoram a velha política (aqui incluídos executivo,
legislativo e judiciário), abafam o combate à corrupção e tornam o
Estado brasileiro cada vez mais ineficiente. Começando pela Lava Jato. A força tarefa não apanhou “apenas” alguns
casos de corrupção. Mostrou que o sistema operacional do Estado estava
dominado por diversos “quadrilhões” – associações de políticos,
empresários, advogados e, sim, membros do judiciário – com o objetivo de
roubar o setor público e distribuir o dinheiro entre eles, estivessem
na esquerda, no centro ou na direita.
Dizem que a Lava Jato exagerou, que a dupla Sérgio Moro e Deltan
Dallagnol não poderia ter mantido aquelas conversas hackeadas; que, em
busca de mais eficiência, romperam os limites do devido processo legal. É verdade que os dois não agiram pelas vias ortodoxas. Mas o que eram, e
continuam, agora reforçadas, as vias ortodoxas?
São os caminhos
tortuosos dos tribunais para anular processos, não pela prova da
inocência dos réus, mas pelo tempo de prescrição e supostos equívocos
formais.
O que é pior, o ativismo da Lava Jato ou os conchavos brasilienses entre
políticos, advogados e juízes?
Encontram-se nas festas de casamento,
são compadres entre si, almoçam e jantam nos bons restaurantes – à custa
de dinheiro público – e promovem os filhos nas suas carreiras.
Deputado
filho de deputado, advogado filho de juiz, que facilita a prática dos
“embargos auriculares”. Uma conversinha entre um uísque e outro.
Dia desses, um ministro de corte superior me disse que poderia
perfeitamente frequentar essa corte brasiliense e julgar com a devida
isenção os seus participantes. Não pode, é claro. Assim como um filho de juiz simplesmente não pode
advogar na corte do pai. Quer dizer, não poderia, mas advoga e ganha
bem. Como a Lava Jato poderia ganhar disso? Utilizando os métodos modernos de
combate à corrupção, usados em todo o mundo civilizado, que consiste em
reunir polícia, receita e ministério público, investigando e trocando
informações e – por que não? – partilhando com a imprensa, vale dizer,
com o público.
Tem algum inocente posto na cadeia pela Lava Jato? Mas tem culpado sendo
libertado pelos métodos transversos da velha ortodoxia. O triplex e o
sítio não existiram? Isso não importa. Importa desqualificar o processo e
o juiz. [nos parece que foi o juiz quem se desqualificou quando começou a usar seu cargo,para fazer política, seguir carreira - em seus devaneios se sentiu qualificado até para ser presidente da República.
Quando abandonou a magistratura e percebeu que lá comandava e no Executivo era comandando, iniciou um processo para as áreas do 'seu' ministério não estarem sujeitas à intervenções do seu Chefe = o presidente da República.
E a primeira vítima de sua pretensão foi a lealdade devida por um ministro de Estado ao presidente da República.
Esqueceu que um ministro que deseje impor limites à autoridade do seu chefe, pode assim proceder, após pedir demissão do cargo.]
E, assim, parece normal que deputado processado em dois casos no STF se
eleja presidente da Câmara. [motivo óbvio de sua eleição: teve votos e processado não é culpado;
Um exemplo: O filho do presidente, quando era apenas o filho de um candidato, começou a ser acusado de uma série de supostos delitos. O mandato do pai já está na segunda metade e os que o acusam não conseguem promovê-lo a culpado = faltam provas - que não são substituídas por ilações nem pelo desejo dos seus detratores.] Em uma das denúncias, correndo na Primeira
Turma, já há maioria para aceitá-la. Mas tudo parou por um pedido de
vistas do ministro Dias Toffoli.
A nova direção do Congresso diz estar alinhada com Bolsonaro na agenda
vacina, reformas e privatização. A agenda deveria ser essa mesmo. Mas
não é. A verdadeira inclui: auxílio emergencial [indispensável, dele depende a REDUÇÃO da fome de milhões de brasileiros que agora procuram, nas lixeiras, cascas de banana para alimentação de seres humanos.
Procurando com atenção encontram de onde tirar recursos (não esqueçam que a grana dos Fundos Eleitoral e Partidário - se usada para pagar auxilio emergencial e não para sustentar político e partidos - seria suficiente para pagar mais de 5.000.000 de auxílio a R$600,00) - ainda tem muita grana a ser desperdiçada, é só procurar. ] mas sem tirar dinheiro
de outros setores, especialmente da elite do funcionalismo e da
política, fim da prisão em segunda instância, liquidação da ficha limpa e
juiz de garantias, para atrasar ainda mais os processos.
Outro dia, o deputado Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro, disse
que a prisão em segunda instância nunca existiu no Brasil e que foi um
casuísmo para tirar Lula da disputa presidencial. Duplo erro: a prisão
em segunda instância era regra. Eliminá-la foi a exceção de alguns anos.
E Lula foi afastado por ser ficha suja.
Será que o líder não sabe mesmo ou está aí para confundir o público?
Esse pessoal acha que enunciar a agenda é o suficiente. Muita gente nos
meios econômicos acredita ou finge acreditar. Mas o fato é que sem a
pressão da sociedade, da imprensa livre e independente, dos políticos e
agentes públicos do bem, vamos continuar com vacina de menos e
ineficiência de mais.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 6 de fevereiro de 2021
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