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sábado, 6 de fevereiro de 2021

A velha política leva tudo - Carlos Alberto Srdenberg

Não foi apenas o fim orquestrado da Lava Jato. Há uma sequencia de movimentos que revigoram a velha política (aqui incluídos executivo, legislativo e judiciário), abafam o combate à corrupção e tornam o Estado brasileiro cada vez mais ineficiente. Começando pela Lava Jato. A força tarefa não apanhou “apenas” alguns casos de corrupção. Mostrou que o sistema operacional do Estado estava dominado por diversos “quadrilhõesassociações de políticos, empresários, advogados e, sim, membros do judiciário – com o objetivo de roubar o setor público e distribuir o dinheiro entre eles, estivessem na esquerda, no centro ou na direita.

Dizem que a Lava Jato exagerou, que a dupla Sérgio Moro e Deltan Dallagnol não poderia ter mantido aquelas conversas hackeadas; que, em busca de mais eficiência, romperam os limites do devido processo legal.  É verdade que os dois não agiram pelas vias ortodoxas. Mas o que eram, e continuam, agora reforçadas, as vias ortodoxas?  
São os caminhos tortuosos dos tribunais para anular processos, não pela prova da inocência dos réus, mas pelo tempo de prescrição e supostos equívocos formais.
O que é pior, o ativismo da Lava Jato ou os conchavos brasilienses entre políticos, advogados e juízes? 
Encontram-se nas festas de casamento, são compadres entre si, almoçam e jantam nos bons restaurantes – à custa de dinheiro público – e promovem os filhos nas suas carreiras. 
Deputado filho de deputado, advogado filho de juiz, que facilita a prática dos “embargos auriculares”. Uma conversinha entre um uísque e outro.

Dia desses, um ministro de corte superior me disse que poderia perfeitamente frequentar essa corte brasiliense e julgar com a devida isenção os seus participantes. Não pode, é claro. Assim como um filho de juiz simplesmente não pode advogar na corte do pai. Quer dizer, não poderia, mas advoga e ganha bem. Como a Lava Jato poderia ganhar disso? Utilizando os métodos modernos de combate à corrupção, usados em todo o mundo civilizado, que consiste em reunir polícia, receita e ministério público, investigando e trocando informações e – por que não? – partilhando com a imprensa, vale dizer, com o público.

Tem algum inocente posto na cadeia pela Lava Jato? Mas tem culpado sendo libertado pelos métodos transversos da velha ortodoxia. O triplex e o sítio não existiram? Isso não importa. Importa desqualificar o processo e o juiz. [nos parece que foi o juiz quem se desqualificou quando começou a usar seu cargo,para fazer política, seguir carreira - em seus devaneios se sentiu qualificado até para ser presidente da República.
Quando abandonou a magistratura e percebeu que lá  comandava e no Executivo era comandando, iniciou um processo para as áreas do 'seu' ministério não estarem sujeitas à intervenções do seu Chefe = o presidente da República. 
E a primeira vítima de sua pretensão foi a lealdade devida por um ministro de Estado ao presidente da República.
Esqueceu que um ministro que deseje impor limites à autoridade do seu chefe, pode assim proceder, após pedir demissão do cargo.]
 
E, assim, parece normal que deputado processado em dois casos no STF se eleja presidente da Câmara. [motivo óbvio de sua eleição: teve votos e processado não é culpado;
Um exemplo: O filho do presidente, quando era apenas o filho de um candidato, começou a ser acusado de uma série de supostos delitos. O mandato do pai já está na segunda metade e os que o acusam não conseguem promovê-lo a culpado = faltam provas -  que não são substituídas por ilações nem pelo desejo dos seus detratores.] Em uma das denúncias, correndo na Primeira Turma, já há maioria para aceitá-la. Mas tudo parou por um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli.
A nova direção do Congresso diz estar alinhada com Bolsonaro na agenda vacina, reformas e privatização. A agenda deveria ser essa mesmo. Mas não é. A verdadeira inclui: auxílio emergencial [indispensável, dele depende a REDUÇÃO da fome de milhões de brasileiros que agora procuram,  nas lixeiras,  cascas de banana para alimentação de seres humanos.
Procurando com atenção encontram de onde tirar recursos (não esqueçam que a grana dos Fundos Eleitoral e Partidário - se usada para pagar auxilio emergencial e não para sustentar político e partidos - seria suficiente para pagar mais de 5.000.000 de auxílio a R$600,00)  - ainda tem muita grana a ser desperdiçada, é só procurar. ] mas sem tirar dinheiro de outros setores, especialmente da elite do funcionalismo e da política, fim da prisão em segunda instância, liquidação da ficha limpa e juiz de garantias, para atrasar ainda mais os processos.

Outro dia, o deputado Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro, disse que a prisão em segunda instância nunca existiu no Brasil e que foi um casuísmo para tirar Lula da disputa presidencial. Duplo erro: a prisão em segunda instância era regra. Eliminá-la foi a exceção de alguns anos. E Lula foi afastado por ser ficha suja.
Será que o líder não sabe mesmo ou está aí para confundir o público?
Esse pessoal acha que enunciar a agenda é o suficiente. Muita gente nos meios econômicos acredita ou finge acreditar. Mas o fato é que sem a pressão da sociedade, da imprensa livre e independente, dos políticos e agentes públicos do bem, vamos continuar com vacina de menos e ineficiência de mais.

 Carlos Alberto Sardenberg, jornalista


Coluna publicada em O Globo - Economia 6 de fevereiro de 2021

 

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

A responsabilidade de Temer com as reformas




Sem avançar nas reformas estruturais, principalmente a da Previdência e a tributária, este governo legará ao próximo algo como uma moldura bonita, porém vazia



 Michel Temer perdeu uma preciosa chance política na última segunda-feira, durante encontro com líderes da base parlamentar governista, o primeiro desde que a Câmara dos Deputados reafirmou a validade do seu mandato presidencial pelos próximos 14 meses. A reunião foi sobre a agenda de mudanças essenciais à retomada da rota do desenvolvimento.  Tinha o presidente a oportunidade de demonstrar liderança no processo de negociações no Congresso. No entanto, acabou passando à sociedade uma mensagem ambígua, nada entusiasmadora, em relação às possibilidades de aprovação das reformas da Previdência Social e do sistema tributário. [Temer foi sincero e a sinceridade na maior parte das vezes desagrada;
não tinha o menor sentido Temer tentar passar uma mensagem que as reformas seriam facilmente aprovadas - é pacífico que o governo Temer sofreu nos últimos meses cerrado ataque representado pelas denúncias sem provas apresentadas pelo ex-acusador-geral da República, Rodrigo 'enganot' e com isso não encontrou condições que permitissem o andamento normal das reformas.
Alopra, praticamente no final do ano e às vésperas de um ano eleitoral, aprovar reformas ficou bem mais dificil e, acertadamente,Temer insistiu na necessidade das reformas serem aprovadas e deixou bem claro que vai fazer sua parte - tentar aprovar - e não logrando êxito a responsabilidade será da sociedade o que inclui, sem limitar, o Legislativo.
Ao processo de sabotagem conduzido pelo ex-procurador-geral se soma a sistemática política de críticas negativas formuladas por parte da mídia ao atual presidente da República]

Em resumo, disse que vai tentar, ressalvando que “se a sociedade” não quiser, “paciência”. Em contraste, foi mais claro e objetivo na “gratidão” aos que no Legislativo empenharam o próprio prestígio com o eleitorado para formar a maioria que o preservou na Presidência da República. “Quero deixar uma palavra de gratidão por tudo o que vocês fizeram, não pelo governo, mas pelo Brasil”, disse. “O Legislativo não é um apêndice do Executivo. É um órgão que trabalha junto com o Executivo e governa junto. Estamos fazendo um governo conjugado, dando um exemplo da força das nossas instituições. ”

Temer, de fato, não tem motivos para se queixar do Congresso. Hábil em negociações nos bastidores, recebeu tudo o que pediu aos parlamentares desde o afastamento de Dilma Rousseff, em maio do ano passado — inclusive uma inédita retificação do próprio mandato, por duas vezes nos últimos cinco meses. Seria lícito supor que, na última etapa do mandato no Palácio do Planalto, Temer se dedicasse integralmente ao acabamento de seu legado reformista, emoldurado na aprovação de limites aos gastos públicos, a reforma do ensino médio, as mudanças na legislação trabalhista e a renegociação da dívida dos municípios. Sem avançar na agenda de reformas estruturais na economia, principalmente na Previdência e no sistema tributário, sabem o presidente e todos os parlamentares governistas, este governo legará ao próximo algo similar a uma moldura bonita, porém vazia, na parede.

Isso porque, sem reformas, restará a realidade impositiva do aumento de tributos durante o próximo calendário eleitoral, com consequências diretas, objetivas, sobre a taxa de juros referencial (Selic). O efeito previsível disso tende a ser um novo adiamento na retomada das atividades econômicas, depois de um ciclo de recessão sem precedentes, no qual o Produto Interno Bruto recuou 8,6% durante 11 trimestres até 2016. É dever do presidente agir, rápido e com máxima firmeza, para liderar o Congresso na aprovação dessas medidas vitais ao país. É sua responsabilidade com a História.

Editorial - O Globo
 

domingo, 9 de julho de 2017

Traição à vista? Maia assume tom ‘institucional’ para se distanciar de Temer

Deputado muda agenda e ganha apoio para se viabilizar ao Planalto

Primeiro na linha sucessória da Presidência da República, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), já cerrou fileiras na tropa de choque do governo Michel Temer e, logo após a delação da JBS vir a público, chegou a se emocionar em defesa do presidente durante uma reunião no Palácio Alvorada para discutir a crise. Esse tempo ficou para trás. Nas últimas semanas, à medida que o esfacelamento do governo cresce e a perspectiva de tornar-se presidente da República começa a se tornar real, Maia passou a assumir uma postura que vem sendo qualificada por alguns como “institucional”. 
 Na prática, trata-se de uma postura de maior distanciamento do governo, sem ruptura. É também a demonstração pública de que tem condições de comandar o país até as eleições de 2018. Isso ficou evidenciado, por exemplo, quando defendeu em redes sociais na última sexta-feira a necessidade da aprovação de reformas da Previdência, tributária e de mudanças na legislação de segurança pública. Hoje, a grande preocupação do mercado é com o imobilismo que Temer vem demonstrando nas últimas semanas, especialmente em relação à reforma da Previdência.

Diferentemente do peemedebista, que liderou as articulações no Congresso para que o impeachment contra Dilma fosse aprovado, Maia, mesmo nos bastidores, não trabalha para derrubar Temer, segundo o relato de deputados e senadores próximos. Enquanto Temer montou um quartel-general no Palácio do Jaburu no qual discutia abertamente cargos e ministérios para derrubar Dilma, Maia não faz gestos explícitos. No entanto, o fluxo de deputados dos mais diversos partidos na residência oficial da Câmara não para de crescer. O entorno de Maia é unânime em garantir, no entanto, que ele não está conspirando contra Temer.  — Ele não foi mordido pela mosca azul, mas é humano, passa pela cabeça dele que pode ser presidente da República. E ele tem o dever institucional de desenhar esse cenário — disse um deputado do PMDB.

Recentemente alguns deputados notaram, no entanto, que a perspectiva de poder teria alterado a rotina de Maia na Câmara. Há duas semanas, ele avisou ao vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho (PMDB-MG), que ficaria mais nas articulações da reforma política e que deixaria o comando das sessões para ele e outros integrantes da Mesa. Essa mudança para ficar apenas articulando foi a senha para os demais de que ele estava “operando”.

Maia tem sua “candidatura” estimulada por parlamentares, em especial do DEM e do PSDB, além de alguns integrantes da oposição, especialmente no PCdoB. Um dos argumentos que incensam aliados é o de que sua eventual ascensão à presidência não mudaria o grupo que comanda o país. Quando confrontado, o próprio Maia já sinalizou que não faria mudanças significativas na equipe.


PRÓXIMO DA OPOSIÇÃO
Uma alteração que muitos consideram provável, no entanto, é a incorporação de pessoas ligadas ao PCdoB e até de alguns parlamentares do PT no segundo escalão de um eventual governo. Sem se posicionar explicitamente como alternativa, Maia tem no diálogo com todos os campos políticos o trunfo para não precisar dizer explicitamente a já martelada frase de Temer de que “alguém” precisaria unir o país.

Os mais entusiasmados com a estratégia dizem que o PMDB já estaria brigando pela Presidência da Câmara, com o líder Baleia Rossi (SP) e o atual ministro do Esporte, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), pleiteando a vaga.  Em meio ao aprofundamento da crise, uma das preocupações de Maia é receber a má fama de traidor. Ele foi eleito para o comando da Câmara com a ajuda de Temer:  Ele é o número dois no país e está cuidadoso. A pior pecha que se pode colocar em uma pessoa é a de traidor, ainda mais na política — disse um deputado que acompanhava Maia em viagem oficial à Argentina, na última quinta-feira.

Amanhã, Maia terá uma sinalização clara sobre seu destino próximo, quando o relator da denúncia contra Temer por corrupção passiva, Sergio Zveiter (PMDB-RJ), apresentar seu voto na Comissão de Constituição e Justiça, o passo anterior à decisão do plenário. Zveiter deve concordar com a admissibilidade da denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enfraquecendo ainda mais a situação de Temer na Câmara. A avaliação majoritária entre deputados é que o parecer terá papel decisivo para o resultado final.

Integrantes da cúpula do DEM tentam minimizar a passividade de Maia, afirmando que ele tem um estilo diferente de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, e não vai assumir a linha de frente da defesa do governo, mas que continua leal. Para deputados do PMDB, no entanto, ele está jogando parado:  — O não movimento do Rodrigo é um movimento — disse um peemedebista próximo do presidente da Câmara.

GOVERNO NÃO CRITICA MAIA
Apesar da mobilização crescente no meio político em torno do presidente da Câmara, auxiliares de Temer dizem que não há nenhum reparo a fazer no comportamento de Maia. Como prova de que o presidente da Câmara continua trabalhando a favor do governo, um auxiliar de Temer citou o fato de ele ter tomado café da manhã no Palácio do Jaburu, na última terça-feira, junto com o presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (SP). O objetivo do encontro seria manter o partido, que faz parte do chamado centrão, próximo ao governo.  — Ele tem sido corretíssimo. Tem é um enxame de mosca azul tentando picá-lo: moscas com bico de tucano, moscas com bico petista — afirmou um auxiliar de Temer.


Integrantes do Palácio do Planalto também afirmam que o cronograma feito por Maia para a tramitação da denúncia na Câmara atende o governo, que tem pressa, mas que ele não pode interferir no funcionamento da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. A CCJ é presidida pelo deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), que passou a ter uma atuação independente depois que foi preterido para assumir o Ministério da Justiça.

Apesar de ressaltar a lealdade de Maia a Temer, um dirigente do DEM afirmou que a obrigação do presidente da Câmara em relação ao governo tem limite e disse que ele não pode ser cobrado, já que o relator da denúncia na CCJ é um deputado do PMDB, partido do presidente da República, e deve apresentar um parecer favorável à investigação. Zveiter é próximo de Rodrigo Maia, mas aliados dos dois afirmam que a única pessoa que tem influência sobre o relator é seu irmão, o desembargador Luiz Zveiter, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. — Ele carregou o caixão até aqui, mas não vai se enterrar junto. Ele já se expôs pra caramba depois da gravação da JBS, se expôs também defendendo as reformas, e chegou ao limite. Ele tirou o pé — disse um dos deputados mais próximos de Maia.

Fonte: O Globo
 
 

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Tucanos: entre o muro e a traição

'Precisamos ter tranquilidade e prudência neste momento', diz Maia

Primeiro na linha sucessória em caso de saída de Temer, presidente da Câmara defendeu aprovação das reformas e disse que 'em vez de potencializar, precisamos ajudar o Brasil a sair da crise' . O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), usou seu Twitter nesta sexta-feira, 7, para dizer que é preciso ter "muita tranquilidade e prudência neste momento". O deputado, que é o primeiro na linha sucessória em uma eventual saída do presidente Michel Temer (PMDB), está em Buenos Aires, na Argentina.   

"Precisamos ter muita tranquilidade e prudência neste momento. Em vez de potencializar, precisamos ajudar o Brasil a sair da crise", escreveu o presidente da Casa. "Temos que estabelecer o mais rápido possível a agenda da Câmara dos Deputados."    As declarações do deputado foram dadas um dia depois que o presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati, citou seu nome para fazer a "travessia" do governo, em caso de saída de Temer. "(Maia) É presidente por seis meses e tem condições de fazer, até pelo cargo que possui na Câmara", disse o tucano.  [no afã de garantir lado, Jereissati esquece que Temer sendo afastado o prazo máximo é de seis meses para Rodrigo Maia governar e de seis meses, muito provavelmente já no inicio de ano eleitoral, prazo insuficiente para efetivar as reformas mais necessárias.

E, se Temer renunciar - sonho dos traidores do Brasil - Rodrigo Mais ficará pouco mais de um mês na presidência.]

Diante da possibilidade de o processo contra Temer ser aceito pela Câmara, Maia atrai ainda mais as atenções do mundo político. Nos bastidores, por enquanto, apenas o DEM e o PSDB emitiram sinais de apoio a eventual novo governo Maia. Os partidos do chamado "Centrão" - como PP, PRP e PSD - ainda não deram sinais de desembarque do governo Temer em direção a Maia. 

Maia defendeu, também, a aprovação das reformas e disse que é necessário que o Congresso aprove outras, além da trabalhista. "Não podemos estar satisfeitos apenas com a reforma trabalhista. Temos Previdência, Tributária e mudanças na legislação de segurança pública", disse.  Ao chegar na Argentina nesta quinta-feira, Maia publicou uma foto ao ser recebido pelo presidente da Câmara dos Deputados do país, Emilio Monzó. O deputado não publicava no Twitter desde o dia 23 de junho. 

 Fonte: O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 26 de junho de 2017

Ledo engano

Reformas ficam para quando se resolver para onde vai (ou se vai até o fim) o governo Temer. Até lá o que se vê é o desmanche gradativo da base parlamentar.

O governo não tem outra saída a não ser trabalhar no modo auto-engano. É o que vem fazendo ao tentar se convencer de uma força que já não possui,  Planalto falando grosso (também no sentido da grosseria) com parlamentares rebeldes à pauta de interesse do Planalto e ao pretender convencer o chamado mercado que o destino das reformas trabalhista e previdenciária sofre percalços, mas está a salvo.

O ledo e voluntário engano pode até servir de “ganha tempo” ao governo, mas não nos obriga a aderir a ele. Agora se anuncia que a votação da reforma trabalhista no plenário do Senado, prevista para este mês, ficará “para julho”. Não é bem assim. Ficará para quando, e se, se resolver a crise de confiabilidade que erode as condições objetivas de Michel Temer para conduzir o país.

Tido como exímio articulador político-parlamentar, o presidente não tem conseguido resistir aos fatos e, assim como a inepta antecessora, vê a base de apoio se desorganizar a despeito das tentativas de aplicação das velhas fórmulas de retaliação mediante o manejo de cargos. Não deu certo com Dilma. Não dará certo com Temer, cuja perspicácia no ramo já deve ter-lhe informado que não há controle possível quando a realidade se impõe e decreta que chega uma hora que chega.

Fonte: Dora Kramer 

 

 

domingo, 4 de junho de 2017

A economia reage - PIB, investimentos e confiança dos empresários mostram que a crise política não freou a recuperação

O pesadelo acabou. Depois de encolher por oito trimestres consecutivos, o PIB, enfim, deu sinais de vida. 


 RECORDE Super-safra impulsionou desempenho do setor agropecuário, que teve melhor resultado em 20 anos (Crédito: AFP photo)

Na quinta-feira 1º, o IBGE informou que o País cresceu 1% no primeiro trimestre de 2017 em relação ao quarto trimestre do ano passado. Além de indicar a saída da recessão, o resultado trouxe um alento adicional: a economia foi capaz de resistir à crise política que se instalou em Brasília nas últimas semanas. Se, em um primeiro momento, a delação de Joesley Batista assinalava uma nova era de incertezas, não foi preciso muito tempo para a desconfiança se desfazer. Passado o susto, a Bolsa voltou a subir, o dólar se desvalorizou e uma leva de indicadores mostrou que a recuperação era mais consistente do que os derrotistas imaginavam. Em uma das principais demonstrações de descolamento do caos, o Banco Central decidiu seguir o ritmo de corte da taxa básica de juros, a Selic, e reduzi-la em 1 ponto. O temor inicial deu lugar a um sentimento comum: é preciso blindar a agenda econômica dos colapsos da política brasileira, tendo em vista que eles provavelmente não serão resolvidos a curto prazo.


Nos últimos meses, o noticiário econômico deu ao mercado financeiro muito pouco do que se queixar. A inflação teve consecutivas quedas e a previsão é de que chegue ao final do ano abaixo dos 4%. A taxa básica de juros, a Selic, deve baixar para um dígito, 8,5%. Até o desemprego, a pior herança da crise econômica gerada pelos governos anteriores, começou a dar sinais de arrefecimento: em abril, o País voltou a contratar e abriu quase 60 mil vagas. Por motivos como esses, os índices de confiança de consumidores e empresários voltaram aos mesmos patamares do final de 2014, quando a crise econômica ainda não havia estourado.

Descolamento
É consenso entre o empresariado que a economia brasileira está mais robusta. “As contas externas estão equilibradas, temos um nível de reserva significativo. Isso evita que a histeria de curto prazo se torne crise”, afirma Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central.


Agora, o crescimento de 1% no primeiro trimestre também anima o mercado já que, tecnicamente, o resultado tira o Brasil da recessão. O setor de destaque foi o agropecuário, que teve seu melhor resultado em 20 anos, impulsionado pela safra-recorde de 233,1 milhões de toneladas. Para que os próximos resultados sigam a mesma trilha, é importante que outros setores também melhorem o seu desempenho.

É o caso da indústria, que já cresceu 0,9% nos primeiros três meses do ano. O setor de serviços, que representa mais de mais de 70% do PIB, teve variação e puxou o resultado total para baixo. Entre as empresas, o plano de investimentos para 2017 já foi iniciado. Segundo um levantamento realizado junto a 45 empresas pelo jornal Valor Econômico, os aportes previstos para este ano totalizam R$ 117,5 bilhões. Para Antônio Carlos Pipponzi, presidente do conselho da Raia Drogasil, o cenário é de normalidade e o otimismo em relação à retomada econômica continua o mesmo. Presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), ele conta que a expectativa é que o setor cresça de 1,5% a 2,5% nos meses de maio e junho, impulsionado pelo saque das contas inativas do FGTS.

Entre empresários, economistas e trabalhadores, o sentimento é o mesmo: a economia vai decolar, ainda que, para isso, precise deixar a política para trás. Diante da possibilidade de uma segunda troca de comando no governo em apenas um ano, empresários e investidores viveram o início de um déjà-vu. Mas, no lugar do abatimento, veio a reação. “Houve um primeiro momento de cautela e temor de que a crise pudesse desencadear a retomada do quadro recessivo anterior, mas em 72 horas isso já tinha sido superado”, afirma Marcos Gouvêa de Souza, fundador e diretor-geral do Grupo GS& Gouvêa de Souza. “Existem alguns aspectos no País, a começar pelos 14 milhões de desempregados, que não podem permitir esse tipo de comportamento”. Especialistas concordam: a economia precisa amadurecer para além dos abalos políticos. “A estabilidade macroeconômica não pode ser sacrificada por crises”, diz Carlos Langoni.
Equipe econômica do governo Michel Temer tem se esforçado para mostrar que continua trabalhando na agenda de reformas
 
Reformas
O empresariado brasileiro parece estar cansado de fazer suposições sobre a governabilidade do País e os desígnios da Lava Jato. “O mercado trabalha com a hipótese mais sensata: a de que o Congresso também terá maturidade de seguir a agenda positiva tocada pelo Ministério da Fazenda, independentemente de quem estiver no poder”, diz Marco Maciel, economista-chefe da Bloomberg Intelligence para a América Latina. Para ele, o mais importante é que a agenda de reformas não pare.


A equipe econômica do governo tem se empenhado para mostrar que segue trabalhando. A primeira das quatro votações previstas para a reforma trabalhista no Senado deve acontecer na próxima semana, no dia 6. O setor do varejo, que ainda sofre com os impactos da crise, é um dos mais interessados na sua aprovação. Ela, afinal, regulamenta o trabalho intermitente e deve facilitar o regime de contratação. A reforma da previdência, essencial para que o governo consiga realizar o ajuste fiscal, ainda não tem data para votação, mas o governo já retomou os esforços para obter os votos necessários. Segundo o relator da reforma na Câmara, o deputado Arthur Maia (PPS-BA), o projeto tem hoje o apoio de mais de 280 dos 308 deputados necessários. “Se continuar a aprovação das reformas, o clima acalma, o câmbio melhora mais um pouquinho. Se parar, a situação vai se deteriorar”, diz o economista Samuel Pessoa, chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV).

MATÉRIA COMPLETA em ISTO É

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Reformas, sem Temer

Agora é encontrar logo um novo Presidente  - [será? quem? para piorar o que já está ruim?]

O processo de recuperação da economia brasileira consiste na saída da recessão, já obtida, e na volta do crescimento, ainda por ver. Esse movimento se baseia, no essencial, em cinco políticas. A primeira é monetária: a forte redução dos juros posta em prática pelo Banco Central
A segunda se faz pela votação das reformas trabalhista e da Previdência.
A terceira trata do ajuste de contas da União, estados e municípios, já encaminhada com a aprovação do teto de gastos públicos, mas dependente da reforma da Previdência e da lei de recuperação dos governos estaduais.
A quarta perna do processo está nas concessões e privatizações, principal via para a retomada dos investimentos.
O quinto movimento é a reorganização e saneamento da administração pública, incluindo as estatais e bancos públicos. Exemplo maior: a recuperação da Petrobras.
 
Tudo isso depende de uma complexa combinação de fatores econômicos, políticos e da confiança dos agentes, dos grandes operadores no mercado financeiro até o pequeno empresário. (E cito este exemplo porque, na última quinta, quando estourava o caso Temer/JBC, eu tratava de uma compra com o proprietário de um comércio de móveis. Ele estava desolado, triste mesmo. Dizia: "justo agora, parecia que estava melhorando, eu acabo de alugar uma nova loja".)
 
E se a crise permanecer por muito tempo? Isso quer dizer o seguinte: e se Michel Temer, abatido politicamente, conseguir resistir nos tribunais e manter-se no Planalto por alguns meses? O que acontece com as cinco políticas listadas acima?  A inflação muito baixa autoriza o Banco Central a continuar derrubando juros. Mas a desconfiança na continuidade da política econômica significa desconfiança na capacidade do governo de equilibrar as contas públicas. Assim, a perspectiva passa a ser de piora do déficit e da dívida do governo. Consequência: sobe a taxa de juros no mercado. Devedores duvidosos pagam juros mais caros. Gastando mais com juros, as contas do governo pioram ainda mais e lá se vai a coisa. Isso reduz o espaço para o BC reduzir juros.
 
Nem é preciso falar da votação das reformas. O atraso ou, no limite pior, o cancelamento tem o mesmo efeito de gerar descrença no equilíbrio do setor público, sem o qual nada avança.Idem para o ajuste dos estados, que depende da votação de lei de recuperação no Congresso. Os leilões de concessões e privatizações não precisam do Congresso. Já existem as regras básicas, que podem ser ajustadas pela administração. Aliás, já foram feitos leilões bem sucedidos de concessão de linhas de transmissão de energia elétrica.
 
Ocorre que o sucesso aqui depende da boa participação do capital estrangeiro, já que o nacional anda escasso ou enrolado na Lava Jato. E a vinda de capital estrangeiro depende, primeiro, da oferta de boas oportunidades, e, segundo, da manutenção das regras do jogo. Há oportunidades. Já a confiança no jogo...A quinta política, reorganização da administração pública, também não depende do Congresso, mas de um governo forte e atuante. Claro que não se aplica ao governo Temer.Tudo considerado, as forças políticas unidas em torno daquelas cinco políticas - simplificando, o pessoal das reformas e ajuste das contas públicas - precisa de um duplo arranjo. Primeiro, manter de pé a agenda de reformas. Pode atrasar o cronograma de votações, o que, aliás, é inevitável, mas precisa ter algumas datas marcadas. E segundo, claro, encontrar um novo presidente. Isto feito, o pessoal arranja um jeito de substituir Temer, certamente pela via da eleição indireta no Congresso.
 
Não é fácil, mas há claros movimentos nessa direção. Quando PSDB, DEM e agregados se uniram em torno de Temer e seu PMDB, não estavam aderindo a Michel Temer, mas a uma oportunidade de encaminhar reformas e ajustes, tirar o país da recessão e apresentar-se na eleição de 2018 com a carta da volta do crescimento. Ora, o objetivo continua esse o mesmo. O jogo político também - criar condições para o avanço das reformas no Congresso - mas as cartas foram misturadas de novo. O lance agora é encontrar um novo presidente o mais rápido possível, para fazer exatamente a mesma coisa que Temer fazia - sem os encontros com Joesley, sem assessores que vira-e-mexe correm com malas de dinheiro e vão em cana.
 
Não é simples, mas não há outra saída para as forças políticas que entraram na agenda das reformas. Ou conseguem organizar isso ou o tsunami arrasta todos eles, uma vez que não podem simplesmente aderir ao Fora Temer, Fora Reformas. Esse campo já está ocupado. Portanto, só lhes resta o mote: Reformas, sem Temer. Os políticos agem mais por necessidade do que por virtude. Tem gente que já percebeu isso. Não é que estrangeiros andaram comprando ações nesta semana?
 
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
 
 
 

sexta-feira, 28 de abril de 2017

As reformas propostas por Temer prejudicam os pobres?

Muitos dos críticos das propostas acreditam que elas prejudicarão os brasileiros mais vulneráveis. É o que alimenta movimentos de resistência, como a greve geral convocada para 28 de abril 

Centrais sindicais e frentes de movimentos sociais prometem iniciar, nesta sexta-feira, 28 de abril, uma greve geral grande o bastante para deter as reformas econômicas propostas pelo governo federal. Não se pode negar a necessidade de reformas no país. O déficit da Previdência saltou de R$ 29 bilhões no primeiro trimestre de 2016 para R$ 40 bilhões no primeiro trimestre deste ano. O rombo, neste ano, deverá chegar a R$ 274 bilhões, segundo as projeções do Tesouro Nacional. Trata-se de um crescimento de 80% sobre o déficit já preocupante de R$ 152 bilhões registrado em 2016. O desequilíbrio nas contas da Previdência é agravado pela crise financeira e pelo alto desemprego. 

No terreno da criação de empregos, o Brasil também tem problemas – o peso dos encargos sobre o empregador e o grande número de ações na Justiça do Trabalho distanciam o país das economias mais dinâmicas. Apesar disso, as reformas, ao menos no formato apresentado pelo governo, encontram forte resistência entre a população e no Congresso, mesmo entre aliados.

Um argumento difundido entre os críticos é que as reformas trabalhista e previdenciária, assim como a lei que regulamenta a terceirização, prejudicarão principalmente os pobres. A esse respeito, ÉPOCA ouviu dois estudiosos do tema: o cientista social Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), e o economista Marcelo Neri, pesquisador na Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

 ÉPOCA – Qual é o impacto das reformas propostas pelo governo sobre os brasileiros pobres?
Clemente Ganz Lúcio –  A regra proposta tem um impacto: exclui os mais frágeis. Estimamos que um terço da população com mais de 55 anos, ao chegar aos 65, não terá cumprido 25 anos de contribuição [o mínimo para requerer a aposentadoria]. São pobres, que transitam entre ocupações precárias, entre os mercados formal e informal. Numa vida laboral de 30, 40, 50 anos, não acumulam 25 anos de contribuição. E o sistema não compensa isso com assistência. O governo poderia dizer: aqueles que não tiverem aposentadoria terão uma assistência. Mas não, ele diz o contrário. 


Os miseráveis terão alguma assistência, aos 68 anos. E os que não chegam a ser miseráveis ficarão desassistidos. Diz o governo: “Ah, se ele tem 20 anos de contribuição, pode na velhice trabalhar mais cinco e chegar aos 25 de contribuição”. Os dados nos dizem que 80% daqueles que seguem trabalhando com mais de 65 anos ficam na informalidade. Qual é a chance de esse cidadão, que não conseguiu cumprir o tempo de contribuição mínimo ao longo da vida, conseguir na velhice uma inserção no mercado formal? Qual é o sentido de fazer uma reforma que promove a exclusão? Uma reforma da Previdência deveria contemplar o financiamento e a gestão do sistema. É um absurdo se concentrar só nas definições paramétricas [ou seja, de dados baseados em probabilidades, como o envelhecimento da população].

(...) 

ÉPOCA – Como a reforma da Previdência afeta os mais pobres?
Marcelo Neri - A discussão da Previdência é muito afeita à classe C, mas não à classe E e muito menos à chamada classe E2, que seriam os pobres e os extremamente pobres. Estamos falando dos 10% da população com renda mensal até R$ 223 por pessoa. Os custos da Previdência não afetam tanto os mais pobres e os benefícios dela afetam por um aspecto muito simples: sem a reforma, [o governo] não vai ter dinheiro para fazer nada.


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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A Lava-Jato não impede as reformas

Parlamentares, prefeitos, governadores, ministros, presidente, no mandato ou fora, poderão alegar que não sabiam das tramoias

Vamos imaginar a seguinte situação: o Congresso aprova integralmente esse combo de projetos que anistia a prática do caixa dois em todas as eleições passadas; estabelece regras de abuso de autoridade para juízes, promotores e policiais; e introduz uma reforma política que beneficia os grandes partidos.

O que acontece?
Primeiro, a Lava-Jato já era. Considerem, por exemplo, as delações da Odebrecht, talvez a maior doadora de campanha, mais generosa com os maiores partidos, ou seja, aqueles com maior chance de governar. Há duas questões aí: uma, a origem do dinheiro doado, se legal (lucros normais) ou ilegal, fruto dos cartéis e preços superfaturados; e, duas, como o partido recolheu esse dinheiro, se por meio de doação registrada nos tribunais eleitorais ou como caixa dois ou, afinal, ninguém é de ferro, como recursos embolsados na física.

Ora, se o caixa dois ficar legalizado, boa parte dos problemas dos políticos estará resolvida: os advogados terão que simplesmente concentrar a maior parte do dinheiro em doações legalizadas no tribunal eleitoral ou no caixa dois. Vai sobrar pouco para as propinas. Reparem ainda: mesmo que se prove que uma empreiteira doou dinheiro roubado de estatais, o político beneficiado pode dizer que não sabia dessa origem maligna. E por que então deixou essa grana no caixa dois? Porque era mais fácil gastar o dinheiro assim. Sabe como é a confusão das campanhas eleitorais.

Posso imaginar o advogado exibindo um sorriso de condescendência diante do juiz: além de tudo, meritíssimo, como o senhor deve saber, caixa dois não era crime na ocasião e, mesmo que fosse, estaria anistiado; e meu cliente não tinha como saber que os recursos de uma empresa tão prestigiada na época poderiam ser ilegais.  De quebra, o advogado poderia insinuar uma ação por abuso de autoridade contra as autoridades que insistissem em seguir com o processo.

Já devem ter percebido que a manobra toda livra a cara dos políticos, mas não das empresas, de seus executivos e dos funcionários de estatais que participaram da roubalheira.
Pode-se cair na seguinte situação: a Odebrecht confessa em delação para reduzir penas e prejuízos — que participou e organizou cartéis; cobrou preços superfaturados; distribuiu esse dinheiro por fora de sua contabilidade oficial; circulou esses recursos ilegais em contas não declaradas no Brasil e no exterior; não declarou renda às Receitas e autoridades monetárias de vários países, incluindo Estados Unidos, onde estão pegando pesado contra essas empresas e bancos que as ajudam.

Considerando que funcionários de estatais sabiam disso tudo e pegaram parte do dinheiro na física, também estarão condenados.  Só sobra uma boa linha de defesa para os políticos. Deputados, senadores, governadores, prefeitos, ministros, presidente, no mandato ou fora dele, poderão alegar que não sabiam das tramoias e que, de novo, caixa dois era limpo.

Para colocar algum político em cana, policiais e promotores precisarão demonstrar que ele, político, pessoalmente, organizou o cartel, a concorrência, o pagamento da propina e que levou vantagem direta, dinheiro no bolso ou um apartamento, uma fazenda etc.  Isso ainda teria de ser provado no detalhe, com provas materiais definitivas, tipo um documento assinado pelo ministro mandando fazer algo ilegal, e não apenas com a doação premiada de empresários e funcionários. O político poderá dizer: “Meritíssimo, também estou impressionado com essa roubalheira; como as autoridades não nos advertiram disso?”

Tudo considerado, poderíamos chegar ao seguinte resultado: sim, houve roubalheira, mas em nome da governabilidade e do andamento das reformas, foi preciso resgatar o funcionamento do sistema político.  Há sinais de que estão armando algo assim. Se acontecer, é certo que livra muita gente do governo Temer, inclusive, talvez, o próprio presidente. Mas não decorre daí que se recupera a governabilidade. Como um governo e líderes assim resgatados poderão tocar um complexo programa de reformas? Com que moral?

Dirão, mas a alternativa, a continuidade da Lava-Jato e suas congêneres, pode derrubar boa parte do governo Temer e de sua base parlamentar, o que, obviamente, acabaria com a votação das reformas.  Sim, o processo seria paralisado. E o país, a sociedade, teria de encontrar outras lideranças para tocar o necessário programa de reformas. Se não aparecerem, teremos mais uma década ou mais perdidas.

Mas será possível que não tem mais ninguém?  De todo modo, parar a Lava-Jato é a pior saída. Apenas se estaria adiando o acerto de contas com o amplo sistema de corrupções e privilégios — esse, sim, o sistema que bloqueia o avanço do país.

Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista