Indulto de Bolsonaro a Silveira é mais um insulto ao STF
"Diário Oficial da União
Publicado em: 21/04/2022 | Edição: 75-D | Seção: 1 - Extra D | Página: 1
Órgão: Atos do Poder Executivo
DECRETO DE 21 DE ABRIL DE 2022
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84,caput, inciso XII, da Constituição, tendo em vista o disposto no art. 734 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e
Considerando que a prerrogativa presidencial para a concessão de indulto individual é medida fundamental à manutenção do Estado Democrático de Direito, inspirado em valores compartilhados por uma sociedade fraterna, justa e responsável;
Considerando que a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações;
Considerando que a concessão de indulto individual é medida constitucional discricionária excepcional destinada à manutenção do mecanismo tradicional de freios e contrapesos na tripartição de poderes;
Considerando que a concessão de indulto individual decorre de juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis;
Considerando que ao Presidente da República foi confiada democraticamente a missão de zelar pelo interesse público; e
Considerando que a sociedade encontra-se em legítima comoção, em vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição, que somente fez uso de sua liberdade de expressão;
D E C R E T A:
Art. 1º Fica concedida graça constitucional a Daniel Lucio da Silveira, Deputado Federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de abril de 2022, no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes previstos:
I - no inciso IV do caput do art. 23, combinado com o art. 18 da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983; e
II - no art. 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
Art. 2º A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Art. 3º A graça inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos.
Brasília, 21 de abril de 2022; 201º da Independência e 134º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Presidente da República Federativa do Brasil"
Agora vamos à narrativa, à versão, apresentada pela repórter do jornal O Globo:Sim, o indulto pessoal, ou graça, é uma previsão constitucional. Não, Bolsonaro não está pensando nisso, e sim em insultar, desta vez de forma frontal, o Judiciário. Está conclamando seus seguidores à guerra, e a batalha final todos sabem qual é: a eleição.
As primeiras reações colhidas junto a ministros do STF foram de cautela. “Vamos analisar”, repetiram três deles. Também ressaltaram que a graça é uma previsão legal e que o perdão à pena de prisão, segundo a súmula 631 do STJ, extingue “os efeitos primários da condenação, mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais”. Ou seja: cassação de mandato e inelegibilidade permaneceriam.
Isso é o de menos diante do quadro desenhado. Tanto Bolsonaro quanto Silveira já estão usando o indulto como demonstração de força do presidente perante o Judiciário. Bolsonaro seria “quem manda” ou quem “fala por último”, nas louvações desencadeadas nas redes sociais após o anúncio do perdão. Isso quando o decreto do capitão não é travestido de Justiça divina, porque o grau de fanatismo nas hostes bolsonaristas só aumenta quanto mais se aproxima o pleito.
Se os representantes das instituições anuírem ao indulto que é, na verdade, uma afronta a uma decisão praticamente unânime do STF, qual o limite para a escalada de Bolsonaro em usar prerrogativas do cargo para desrespeitar os demais Poderes?
Sempre haverá um mecanismo legal à mão de um protoditador disposto a minar a democracia por dentro. Desde o primeiro dia de seu mandato, com uma chuva de decretos, Bolsonaro deixou claro que não respeitaria limites em nenhuma área da vida nacional.
A jurista Eloísa Machado, da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, pesquisadora sobre o STF, lembrou que cabe ao próprio Supremo o controle judicial sobre o indulto, inclusive sobre sua razoabilidade. Ela lembrou que o próprio Alexandre de Moraes, relator do processo contra Silveira, também relatou a súmula que trata disso e elencou situações que ferem essa razoabilidade. Outros juristas salientam que seria inconstitucional conceder perdão antes da condenação transitada em julgado.
É necessário que a resposta do Supremo seja tão célere quanto a canetada de Bolsonaro. O “vamos analisar” não pode ser uma ação de semanas, porque a escalada do presidente em confrontar abertamente o Judiciário já alcançou muitos picos que foram tolerados e amaciados à base de cartinhas mentirosas de desculpas.
E se Dilma Rousseff, em 2012, tivesse publicado um decreto perdoando as penas de José Dirceu, José Genoino e outros petistas no dia seguinte ao julgamento do mensalão, como reagiria a sociedade? E como reagiriam os ministros do STF? Não é falso paralelismo, pois se trata de situação idêntica: perdão a aliado político em seguida a um julgamento do plenário da mais alta Corte do Brasil.
Bolsonaro não está nem aí para Silveira. Usa o aliado como estandarte de sua guerra ao Judiciário, que mira o não reconhecimento do resultado da eleição daqui a alguns meses.
Ou os representantes das instituições entendem de uma vez por todas a tempestade que está se armando há tempos ou terão de tentar tirar os invasores quando eles já estiverem no nosso “capitólio”, seja ele qual for. E ainda sem saber se contarão com as Forças Armadas ou não, já que os limites foram há muito tempo violados.
Vera Magalhães, jornalista - O Globo