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domingo, 29 de maio de 2022

O que sua intuição lhe diz? - Percival Puggina

A pergunta está no ar e me faz pensar muito sobre o que dizem as pesquisas e sobre o que milhões de brasileiros percebem observando as ruas e praças do país.

Em quem devo crer, se os números e curvas exibidos pelos veículos de mídia me dizem algo diferente daquilo que eu sinto e vejo? Numa opção assim, eu fico com minha intuição. Fico com o “relatório” dos meus sentimentos. E sei que conto para isso com apoio de um bom filósofo alemão chamado Shopenhauer que estudou minuciosamente essa forma de conhecimento, identificando-a como a que mais frequentemente usamos para orientar nossas ações.


 [Inserção efetuada Blog Prontidão Total]

Vamos aos exemplos.

A intuição sempre me disse que o STF de base petista iria abusar do poder que lhe está concedido pela Constituição porque é isso que o petismo sempre faz quando está no poder. Não deu outra. O STF quase bucólico dos anos petistas, que praticamente só condenou o publicitário Marcos Valério no mensalão, morreu em outubro de 2018, dando origem a esse cuja conduta observamos.

A intuição sempre me disse que o PSDB não fez sua prévia por não ter excesso de candidatos, mas por falta deles. É o que acabamos de assistir no apoio dos tucanos à candidata do MDB, que tampouco preparou alguém para carregar a legenda no futuro pleito.  Aliás, a intuição sempre me disse que a senadora pelo Mato Grosso do Sul suicidou-se politicamente ao crer que as câmeras das TVs fixadas na CPI da Covid a tornariam nacionalmente conhecida. Sim, fizeram isso. Mostraram-na como alguém que anda em muito más companhias. [também mostraram ser a candidata uma descompensada, descontrolada.]

A intuição sempre me disse que, por motivo diverso, João Dória morria politicamente a cada aparição na TV. Ele cometia o erro que os críticos de teatro chamam de overacting, erro do mau ator que exagera na representação. Estaria perfeito se fosse para representar um mau personagem dissimulando suas intenções. A intuição, aliás, sempre me disse que a Rede Globo, desde 2018, vem fazendo exatamente isso e só os tolos não veem. Não se pode confiar na intuição dos tolos.

A intuição sempre me disse que a candidatura de Sérgio Moro, apesar de empurrada pela “mídia tradicional”, para ficar com a expressão elitista do gentleman Alexandre de Moraes, não tinha espaço no mundo dos fatos. E não teve.

A intuição, por fim, sempre me disse e continua repetindo que o eleitor brasileiro não vai chamar de volta ao poder a organização criminosa apátrida, que saqueou o país, que o humilhou internacionalmente, que combate conservadores e liberais e está por trás de quase todas as ações destrutivas em curso na sociedade brasileira. [o POVO BRASILEIRO não deixará os ladrões voltarem à cena do crime.]

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

sábado, 23 de novembro de 2019

Professor de juridiquês - Merval Pereira





A estupefação que causou o voto de quatro horas do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, na abertura do julgamento sobre o compartilhamento de dados entre os órgãos de persecução penal (Ministério Público e Polícia) e os de investigação (Unidade de Inteligência Financeira- UIF, antigo Coaf -, e Receita Federal) foi provocada pela tentativa de sinuosamente voltar atrás sem deixar clara a mudança.

Tão obscuro o voto que teve que ser explicado mais tarde por uma nota oficial. Há pesquisas, como a do economista Felipe de Mendonça Lopes, da Fundação Getulio Vargas, que mostram que, com o televisionamento ao vivo dos julgamentos, os votos ficaram maiores em média 26 páginas, o que aumenta o tempo de leitura em cerca de 50 minutos.O ministro Luis Roberto Barroso definiu bem o momento: “Seria preciso chamar um professor de javanês”. Referia-se ao conto “O Homem que Sabia Javanês”, de Lima Barreto, sobre um vigarista que, sem saber nada do idioma, se apresentou como professor  de javanês a  um barão que colocara um anúncio em busca de alguém que lhe ensinasse a língua. [apesar da maioria se considerar 'supremo', situação que os alça à condição de divindade, os ministros permanecem humanos e apesar de não lhes faltar holofotes, o excesso de exposição os seduz.

Votos longos, findam por despertar a atenção, ainda que lavrados em javanês, e ser o centro delas, mais cristaliza de forma até exagerada uma aura de supremo.]

A utilização de métodos econométricos deu a ele a certeza de que a mudança de composição do plenário do Supremo não tem nada a ver com o aumento do tamanho dos votos, mas sim a transmissão ao vivo. Já houve quem propusesse o seu fim, mas parece uma decisão impossível de ser revista, devido à cobrança sempre maior da transparência das decisões, não necessariamente clareza.

 Quanto à obscuridade da linguagem, lembrei-me de um ciclo de palestras que coordenei este ano na Academia Brasileira de Letras sobre a influência do barroco em nossa cultura. Um dos aspectos abordados pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim foi justamente o juridiquês, esse idioma parecido com o português, salteado com termos em latim, que nos acostumamos a ouvir durante a transmissão dos julgamentos pela televisão.

Jobim criticou as transmissões, avaliando que com elas os votos ficaram mais longos. Mas ressaltou a vantagem da transparência do processo decisório do Supremo, não obstante o Brasil continue sendo o único país do mundo que televisiona os julgamentos de seu Supremo ao vivo, em tempo real. A Corte Suprema dos Estados Unidos realiza suas reuniões a portas fechadas, e somente o acórdão é divulgado, sem a especificação das eventuais divergências entre seus membros. E nenhum deles vai à imprensa criticar a decisão da maioria ou dar seu voto divergente.

 Mas, voltemos ao juridiquês. Para Jobim, o uso radical da linguagem mais culta e o excesso de erudição têm o objetivo de “transmitir potência no discurso”. Nelson Jobim acredita que o formalismo da linguagem jurídica já virou piada, mas “ainda assim, insistimos em usar o juridiquês no Brasil”.  Para ele “a ornamentação lingüística” sinalizaria um jurista mais preparado, “pois quem se afasta se torna grande e incompreensível”. Jobim definiu assim o falar empolado: “Comunicação sem clareza é uma forma eficaz de esconder ignorância no assunto sobre o qual se fala”.  Leu, ao encerrar a palestra, um trecho do conto “Teoria do medalhão”, do patrono da ABL Machado de Assis, destacando a seguinte frase: “Falar difícil é fácil. O difícil é falar fácil”.

O tema favorece debates intermináveis, e na quarta-feira tomou conta das redes devido ao longo e obscuro voto do presidente Dias Toffoli. Em um grupo de que participo na internet vieram diversas citações muito úteis para se ter uma idéia de como se deve falar.  Diz Ludwig Wittgenstein, respeitado filósofo da linguagem: "tudo o que pode ser dito, pode ser dito claramente; e o que não pode ser dito claramente, deve relegar-se ao silêncio".

No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, outra definição de Wittgenstein da linguagem: “Devemos atribuir um significado às palavras que usamos se desejamos falar com algum significado e não por simples tagarelice, e o significado que atribuímos às palavras deve ser algo do qual todos já tenham conhecimento.”. Outro, Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão, das maiores autoridades em hermenêutica, o estudo das palavras, afirma que "aquele que fala uma linguagem que mais ninguém fala, rigorosamente não fala". O sociólogo alemão Niklas Luhmann, considerava a argumentação jurídica um "acréscimo de redundância".


Merval Pereira, colunista - O Globo

domingo, 29 de setembro de 2019

Um banho de decência - Gaudêncio Torquato

Blog do Noblat

Choque de gestão 



O brasileiro está insatisfeito com os serviços públicos. Segurança? Um desastre – tanta morte por bala perdida, como no Rio. Educação? Piada. Weintraub, aliás, gosta de chiste. Mobilidade urbana? Um atraso – as massas se comprimem nos transportes públicos. Saúde? Um caos nos corredores de hospitais superlotados.

 Esplanada dos Ministérios, em Brasília (Governo do Brasil/Divulgação)

Difícil apontar algo de boa qualidade. O país precisa de um gigantesco choque de gestão. Governadores, prefeitos, a hora é essa: ponham sua administração na UTI. 
 [o governador do DF tentou inovar e se deu mal;
quando assumiu julgava que a culpa do mau atendimento hospitalar era da direção dos hospitais e unidades de saúde e assim, a cada denúncia da imprensa de uma morte na porta dos hospitais, ele demitir o diretor da unidade de saúde onde ocorreu o óbito.

Só no Hospital de Ceilândia, ele efetuou demissão de vários diretores. Resultado: ficou sem ter quem quisesse assumir o cargo.
Só assim, ele descobriu - em uma crise de excesso de inteligência para entender o óbvio - que o mau atendimento nem sempre é culpa da direção ou mesmo dos funcionários e sim da falta de medicamentos, de funcionários, de médicos, enfermeiros e técnicos, da falta de estrutura.

Só que o atendimento de SAÚDE PÚBLICA no DF continua um CAOS CAÓTICO.

E o governador tenta mascarar, enquanto nos jornais locais das emissoras de TV do DF são mostrados casos de mau atendimento nos hospitais públicos, nos intervalos dos noticiários são apresentadas peças publicitárias elogiando o 'excelente' atendimento prestado pela SAÚDE PÚBLICA do DF.

Usa nosso dinheiro mau, inclusive desperdiçando o que poderia ser usado para melhorar a saúde, na divulgação de mentiras.] 
Convoquem secretários, cobrem mudanças, deem carta branca para novos métodos, exijam resultados. O eleitor está de olho: ou reelege ou bota para fora. 

Sigam o exemplo de Zaratustra, o protagonista que Nietzsche criou para dar unidade moral ao cosmo. O profeta vivia angustiado à procura de novos caminhos e recitava em seus solilóquios: “Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas.” Decifrador de enigmas, arrumou a receita para as grandes aflições“Juntar e compor em uni­dade o que é fragmento, redimir os passados e transformar o que foi naquilo que poderá vir a ser”.

A imagem do filósofo alemão, na fábula em que apresenta o conceito do eterno retorno, cai bem na atual administração pública.  A orquestra institucional pede novos arranjos para preparar o amanhã, resgatar a esperança perdida. É a bandeira a ser desfraldada, pois a sociedade recusa a velha política. A tarefa requer arrojo para enfrentar dissabores e pressões políticas. Muitos não queimam gorduras, preferem remendar cacos de vaso quebrado. O velho Brasil não consegue enxergar novos horizontes.

O que pode mudar, ser desobstruído ou melhorado? Se Vossas Excelências fecharem os olhos, a descrença só aumentará.
O fato é que os Poderes da República têm um apreciável PIB de compadrio político sob o cobertor público e resvalando no Custo-Brasil. As políticas, inclusive as sa­lariais, são disformes e ineficientes.  

A gestão de resultados é um resquício quase imperceptível nas plani­lhas de um Estado caro e paquidérmico. Junte-se à pasmaceira o colchão social do distributivismo para se flagrar a cara de um País atrasado. A administração pública parece uma árvore sem frutos.  A sociedade exige uma virada de mesa. O cardápio está pronto: viagens de servidores, participação de empresas estatais em eventos, gastos publicitários, cartões corporativos, nepotismo. Todo centavo gasto em grandes avenidas e pequenas veredas merece uma varre­dura.

A palavra de ordem do momento: transparência total.
Parafraseando Luiz Inácio, “nunca antes na história desse País” se percebeu tanta irritação com políticos e governantes. Se é falácia dizer que a Amazônia é o pulmão do mundo, como denunciou Jair Bolsonaro na ONU, é também falácia dizer que as instituições estão sólidas. Ora, as tensões entre os Poderes subiram ao pico da montanha.

Senhores governantes, tenham coragem para ousar. Cirurgia profun­da na gestão pública. Sob pena de a esfera privada (oikos, em grego) continuar a invadir a esfera pública (koinon). Não permitam que a fome particular conti­nue a devorar o cardápio do povo.

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político. 

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