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sábado, 23 de julho de 2022

Política sem economia - Alon Feuerwerker

Análise Política

A dúvida do momento é quanto, e em que velocidade, Jair Bolsonaro vai angariar na contabilidade eleitoral em consequência da melhora no ambiente econômico e dos benefícios sociais aprovados pelo Congresso Nacional. O presidente apresenta duas desvantagens comparativas em relação a antecessores que operaram agrados econômicos pré-eleição: 1) o pacote atual é bem mais modesto que alguns precedentes (Planos Cruzado e Real) [cabe destacar que naquela ocasião nenhum dos antecessores candidatos, favorecidos pelos pacotes, tinha sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, por nove juízes e em três instâncias - o de agora foi  devidamente condenado, e apesar de descondenado por erro de CEP, não foi inocentado. e 2) uma forte barragem de opinião pública negativa a servir de muro de contenção à popularidade. [será que a 'barragem' é real, ou uma fake news criada pela mídia militante?  - divulgada, como tudo que é contra o presidente,  sem oposição, punição e/ou prazo de 12 horas para ser retirada do ar.]

Mas, mesmo lentamente, Bolsonaro vai ao menos impedindo a demolição pretendida pelos oponentes e estabiliza-se para ir ao segundo turno numa posição não previamente derrotada. Daí que o desafiante Luiz Inácio Lula da Silva tente, de última hora, operar o MDB para implodir a candidatura de Simone Tebet, cujos, até agora, pontinhos nas "pesquisas" acabam por vitaminar os adversários do petista a somar algo acima da barreira de metade mais um.

Lula está certo em tentar tudo para liquidar a fatura no primeiro turno. Trata-se, no mínimo, de unir o útil ao agradável. O agradável é não ter de negociar nada com ninguém além do já acertado na primeira rodada e não ter de enfrentar debates no mano a mano. O útil é não correr o risco de uma reviravolta impulsionada pelo combustível do antipetismo “de centro”. Que anda meio adormecido e sumido, encoberto pelo antibolsonarismo “de centro”, mas não foi eliminado. Está logo ali na prateleira para uma eventualidade.

O cenário ideal para Lula é riscar Simone Tebet da lista de candidatos e depois partir para cima do eleitor de Ciro Gomes. Boa parte do contingente, limitado mas relevante, de Ciro nas "pesquisas" diz que votaria no petista num eventual segundo turno e nem mesmo está seguro do voto no primeiro. É um mercado potencial para a mensagem do voto útil. Que virá com força para tentar lipoaspirar Ciro e eventuais outros, como lipoaspirou Geraldo Alckmin em 2018 na onda que tentou liquidar a fatura a favor de Bolsonaro no primeiro turno.

Mas isso é futurologia, o assunto do momento é quanto Bolsonaro vai faturar de intenção de voto por causa da redução do preço dos combustíveis e do pacote social. O mais interessante é notar que o povão e a opinião pública parecem rodar em universos paralelos, em frequências distintas. Os temas que mobilizam ambos andam distantes. É natural: quando está em jogo a sobrevivência material, ela tende a concentrar criticamente as atenções e motivações dos mais ameaçados. E a comunicação dos outros assuntos fica meio sem chão na grande massa.

Bolsonaro vem reduzindo a possibilidade de a oposição conectar economia e política na comunicação, pois tomou as iniciativas anti-inflacionárias que certamente a oposição tomaria, especialmente para os mais pobres. Sem esse nexo, a mensagem política meio que patina. Isso ajuda a explicar a atual resiliência bolsonarista, assim como a liderança do petista se explica pelo currículo e a identificação de Lula com os grupos de menor renda e historicamente preteridos. A dúvida é sobre quem vai furar primeiro a bolha do adversário. E se isso vai acontecer.

Alon Feuerwerker, analista e jornalista político 

 

segunda-feira, 18 de abril de 2022

A suprema falta de isenção - Editorial

Gazeta do Povo
 
Que uma deputada de oposição ao governo expresse publicamente sua preocupação com a possibilidade de o atual governante conseguir a reeleição e questione como ele pode ser derrotado faz parte do jogo político. 
Que um membro do Poder Judiciário – pior ainda: alguém que faz parte do órgão responsável por supervisionar as eleições se refira a esse governante (ainda que de maneira oblíqua) como “inimigo”, no entanto, é inaceitável. Mas foi justamente isso o que ocorreu durante a Brazil Conference, evento realizado na Universidade Harvard, dias atrás, e que convidou praticamente todas as forças que almejam o Planalto, com exceção do próprio governo.[o capitão não foi convidado, por ser o tal evento um convescote dos derrotados.] 

O ministro do STF Luís Roberto Barroso.

O ministro do STF Luís Roberto Barroso.
“Nós somos muito poderosos. Nós somos a democracia. Nós é que somos os poderes do bem”, afirmou Luís Roberto Barroso durante evento na Universidade Harvard. -  Foto: Carlos Alves Moura/SCO/STF

A deputada Tábata Amaral (PSB-SP), em debate que fazia parte da programação do evento, afirmou, em comentário dirigido ao diretor regional da Fundação Ford, Átila Roque, que “não é óbvio que a gente já derrotou Bolsonaro” e deu como certo um aumento da violência politicamente motivada tanto em caso de vitória quanto de derrota do presidente em outubro. Depois da resposta de Roque, que compartilhou do exercício de futurologia da deputada, o ministro do STF e do TSE Luís Roberto Barroso disse que “é preciso não supervalorizar os inimigos. Nós somos muito poderosos. Nós somos a democracia. Nós é que somos os poderes do bem”. Ainda que não tenha havido menção específica a Jair Bolsonaro ou a bolsonaristas na resposta, ela é indissociável do contexto da pergunta. [Comentário: o supremo ministro ignorou que em 2019, o Conselho Nacional de Justiça (à época, presidido por Dias Toffoli) aprovou a Resolução 305, que disciplina a atuação de magistrados nas redes sociais. Dentre outras coisas, a norma recomenda que eles evitem “expressar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar o conceito da sociedade em relação à independência, à imparcialidade, à integridade e à idoneidade do magistrado”. Além disso, a resolução recomenda aos juízes “evitar expressar opiniões ou aconselhamento em temas jurídicos concretos ou abstratos que, mesmo eventualmente, possam ser de sua atribuição ou competência jurisdicional”.
O princípio por trás da resolução é claro:
o respeito ao princípio da impessoalidade e o zelo pela imparcialidade do Judiciário. Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) estar acima do CNJ, as regras de boas práticas para o Judiciário, a princípio, deveriam ser cumpridas pela mais alta Corte do país. Com frequência cada vez maior, porém, os ministros do STF têm expressado suas opiniões políticas, inclusive sobre casos que tramitam no próprio tribunal.
 
Só nos resta perguntar: até quando os supremos ministros vão ter incentivos para alimentar o pensamento - raras vezes contrariado pelos fatos - de que podem tudo?]

Barroso compromete ainda mais a credibilidade das cortes superiores e de seus integrantes, que passam a ser vistos como agentes políticos, com lado definido, e não como detentores da postura imparcial esperada da Justiça e de todos os juízes

O próprio conteúdo da intervenção de Barroso já é questionável. Verdade seja dita, ele acerta quando diz que o STF é “muito poderoso”. A corte, em muitos aspectos, especialmente os relacionados à pandemia, se estabeleceu como uma espécie de “governo paralelo”. E todos os acontecimentos recentes envolvendo desde a destruição da Operação Lava Jato até inquéritos como os das fake news e os dos “atos antidemocráticos” deixam claro que os tribunais superiores se veem acima da Constituição, das leis, da própria jurisprudência, dos bons princípios jurídicos e até da realidade dos fatos. 
 
E justamente por isso é impossível que Barroso possa descrever a si mesmo e as cortes que integra como a incorporação da democracia. Supremo, STJ e TSE têm contribuído para o apagão da liberdade de expressão no Brasil e para a relativização de várias liberdades democráticas. Dias Toffoli já disse que o Supremo era o “editor de uma nação inteira” e exercia um “poder moderador”. Foi o próprio Barroso quem primeiro ofereceu justificativas para censurar o aplicativo Telegram no Brasil – ironicamente, em sua resposta o ministro afirmou que, em sua juventude, as grandes preocupações de sua geração incluíam “como acabar com a censura”.

Mas ainda mais grave é que um magistrado que até fevereiro deste ano presidiu a instância máxima da Justiça Eleitoral, e ainda faça parte dela, se refira a um grupo específico como “inimigos” e, ao descrever a si mesmo como os “poderes do bem”, deixe implícito que os outros seriam os “poderes do mal”. Barroso não afirmou que o real adversário eram as trapaças eleitorais (das quais as fake news são uma parte) vindas de todos os lados do espectro político, e que o trabalho do TSE era coibi-las independentemente de onde viessem; em vez disso, ele personalizou a questão, endossando o discurso da deputada que atribui todos os males a apenas um grupo.

Com isso, Barroso compromete ainda mais a credibilidade das cortes superiores e de seus integrantes, que passam a ser vistos como agentes políticos, com lado definido, e não como detentores da postura imparcial esperada da Justiça e de todos os juízes. 
Nega-se, assim, a boa prática jurídica segundo a qual o juiz se pronuncia apenas nos autos dos processos que julga, e atendo-se a seu conteúdo. Esta loquacidade, no entanto, não é nova; já vem de alguns anos o fenômeno que fez dos ministros do Supremo estrelas midiáticas que opinam sobre absolutamente tudo, seja por iniciativa própria, seja respondendo a questionamentos da imprensa ou como os da deputada Tábata Amaral. E, cumprindo o ditado popular, de tanto falarem seria óbvio que, mais cedo ou mais tarde, os ministros acabariam comprometendo sua independência e idoneidade, para usar dois termos presentes na Lei Orgânica da Magistratura.

Compare-se, por exemplo, a atividade opinativa frequente dos ministros do Supremo com a discrição de membros de outras cortes supremas mundo afora, como a norte-americana.  
E isso nada tem a ver com excesso ou falta de transparência: um tribunal não é menos transparente quando seus membros não se pronunciam sobre questões que não lhes dizem respeito, ou sobre temas e pessoas que podem vir a julgar. 
Essa reserva, pelo contrário, apenas reforça a autoridade moral da corte, que fica erodida quando seus integrantes enveredam pela atuação político/partidária, tanto por palavras quanto por ações.
Editorial - Gazeta do Povo
 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Futurologia - Alon Feuerwerker

Análise Política

O balanço das eleições municipais está bastante focalizado no desempenho dos partidos, o que é natural quando a preocupação maior é conectar o que se passou agora com o que vai se passar daqui a dois anos. Então lá vai um exercício de futurologia.

O Congresso Nacional, mais dia menos dia, vai tomar medidas que estabilizem a relação dívida/PIB, e o país não escorregará para a retomada inflacionária. Mas, depois de voltar ao patamar em que estava antes da pandemia, a economia vai crescer lentamente, devido antes de tudo às baixas taxas de investimento e à fraqueza do mercado interno.

Jair Bolsonaro chegará em 2022 bastante competitivo para ocupar uma vaga no segundo turno, e aí vai depender da amplitude da frente que se formar contra ele na reta final. Neste ponto, será ajudado pela dificuldade de unir a direita não bolsonarista e a esquerda.

Essa união aconteceu no Rio, em em menor grau em Fortaleza e em Belém, mas foi exceção. E o principal entrave é cristalino: os partidos precisam cuidar de sobreviver, ainda mais com o progressivo garrote da cláusula de barreira.

Ou seja, a formação de uma frente antibolsonarista depende bastante de as diversas facções terem espaços razoáveis de sobrevivência. Não será trivial.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

terça-feira, 26 de maio de 2020

As consequências da crise – Editorial - O Estado de S. Paulo

A palavra “crise”, amplamente empregada para significar qualquer ruptura abrupta e radical, tem origem médica. Nos cânones de Hipócrates ou Galeno o vocábulo grego krisis designa “o ponto de inflexão em uma doença rumo à recuperação ou à morte”. Curiosamente, o termo é derivado da terminologia moral e jurídica: krinein – “separar, decidir, julgar” – da raiz protoindo-europeia krei – literalmente “peneirar”, e daí “discriminar, distinguir”. Na maior crise da nossa era estes sentidos se interpenetram. As perdas em vidas e empregos são catastróficas e os riscos de uma “geração perdida” são reais. Mas conhecendo-os é possível discernir oportunidades de transformação para melhor.

Em números compilados pelo Fórum Econômico Mundial o impacto é sem precedentes: 500 milhões de pessoas podem despencar na pobreza; 
a produção global deve encolher 3%; o comércio, de 13% a 32%; os investimentos estrangeiros, de 30% a 40%; 
mais de 80% dos estudantes estão fora das escolas; e 34% dos adultos experimentam efeitos adversos sobre sua saúde mental.

Após consultar 350 analistas de risco, o Fórum divisou quatro zonas críticas: os riscos das transições econômicas e mudanças estruturais; os riscos de paralisia e retrocesso na agenda do desenvolvimento sustentável; 
os traumas decorrentes das rupturas sociais; 
e os riscos derivados da adoção abrupta da tecnologia.

A recessão econômica domina os temores. “Uma dívida crescente provavelmente onerará os orçamentos públicos e os balanços empresariais por anos, as relações econômicas globais podem ser fraturadas, economias emergentes correm o risco de mergulhar em uma crise mais profunda, enquanto os negócios podem enfrentar condições cada vez mais adversas nos padrões de consumo, produção e competição.”

Essas rupturas podem ter amplas reverberações ambientais, sociais e tecnológicas. “Omitir os critérios de sustentabilidade na recuperação ou retornar a uma economia de emissões intensivas de carbono ameaça perturbar a transição para a resiliência climática do baixo carbono”, desencadeando um “ciclo vicioso de contínua degradação ambiental, perdas de biodiversidade e mais surtos de doenças infecciosas zoonóticas”.

Além das ameaças à saúde pública, o bem-estar individual e social deve ser perturbado pela automação acelerada da força de trabalho. O colapso das economias mais vulneráveis pode ter consequências humanitárias pavorosas. E há os riscos crescentes para a liberdade individual, educação e prosperidade da geração mais jovem.  A digitalização abrupta pode criar novas oportunidades de trabalho, mas também precipitar os riscos de insegurança cibernética, fragmentação digital e desigualdade. A desconfiança da tecnologia e os desvios na sua utilização podem ter efeitos duradouros sobre a sociedade.

Mas o Fórum deixa claro que estas conjecturas não são exercícios de futurologia. “Ao contrário, elas nos lembram da necessidade de ação proativa hoje para moldar o ‘novo normal’ desejável.” O choque foi brutal, mas despertou sentimentos de solidariedade que, se canalizados na reativação das economias, podem “embutir mais igualdade social e sustentabilidade na recuperação, acelerando, antes que freando, o progresso rumo aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável de 2030”. Mas, para tanto, os riscos precisam ser manejados.


Historicamente não há qualquer padrão determinista para o desfecho de uma pandemia. As interpretações sobre a pior de todas, a Peste Negra, por exemplo, são ambivalentes: 
se para muitos historiadores ela recrudesceu aspectos mórbidos da cultura medieval tardia, para outros ela precipitou o processo que levaria à Renascença – para outros ainda, passado o choque, ela não produziu transformações duradouras. Plausivelmente as três tendências – à indiferença, ao progresso e ao retrocesso – interagiram entre si. Agora não é diferente. O mundo saiu do controle e escapou das nossas mãos. Há o risco de que elas não o recuperem mais – mas ainda está ao seu alcance apanhar essa massa crítica para moldar um futuro melhor. 

Editorial  - O Estado de S. Paulo