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quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Quebrando o tabu: comentar Big Brother não é defesa de minorias - Gazeta do Povo

Madeleine Lacsko

Identitarismo Tóxico

Quebrando o tabu: comentar Big Brother não é defesa de minorias. A tese tóxica de que pessoas com vitiligo não são capazes de lidar com rejeição é um exemplo lapidar para você entender como o identitarismo funciona.

Começo pedindo mil desculpas se você gosta de Big Brother, eu tenho uma birra monumental. 
E não é pela baixa qualidade do entretenimento, mas porque precisaria piorar bastante para ser realmente boa diversão trash. O morno se vomita, gosto de quente ou frio. Vou exemplificar com casos reais para deixar ainda mais claro.

Esta é uma semana em que estou muito feliz porque um amigo que entende de ópera se dispôs a me explicar operetas de compositores húngaros. Estou maravilhada com a versão alemã de Gräfin Mariza. Também me diverti muito assistindo ao canal do Edinaldo Pereira no YouTube e vendo trechos de "A Casa dos Desesperados", de Sergio Mallandro. Para mim, ela é muito melhor que o Big Brother.

No meio disso tudo, acabei perdendo a paciência com esse mercado do identitarismo, que cria teorias malucas para que o parque de areia antialérgica possa se sentir revolucionário. Tudo tem limite. Para mim, o limite é quando eu perco a paciência e foi hoje. O site de bom-mocismo para elites metropolitanas Quebrando o Tabu conseguiu a façanha com uma postagem sobre Big Brother.

Parece para você uma defesa exagerada de minorias?
Pois eu te digo que é o oposto, como todo identitarismo. O único resultado é a proteção psicológica de filho de rico que quer se sentir revolucionário mas tem preguiça de fazer revolução. É uma postagem mais do que superficial ou negacionista, é perversa. A mensagem que passa para quem realmente tem problemas para lidar com rejeição é cruel, a pior possível: diz que fica cada vez pior e o único jeito é ninguém mais te rejeitar.

Pense no primeiro e no último fora que você levou na vida.
Independentemente de qual tenha sido o mais dolorido, com qual deles você teve mais facilidade para lidar? Pois é, nós aprendemos com erros e traumas, é isso o que mostra a psicologia. Obviamente o sofrimento também traz consequências ruins. E isso pode ser superado com ajuda, como comprova a psicologia.

O Quebrando o Tabu resolveu dizer a todas as meninas com vitiligo que serão eternamente rejeitadas e vão ficar cada vez mais feridas com isso. Passou uma mensagem tóxica e negacionista para lacrar. Eu vou fazer o oposto. Vou dar a informação que vem da ciência para que nós possamos estender a mão a quem sofre com rejeição ou com a própria aparência. Essas pessoas não estão sozinhas e a ciência já evoluiu o suficiente para que elas possam proteger sua saúde mental.

Há pessoas que sofrem demais com rejeição de qualquer tipo. Não são necessariamente as que são mais rejeitadas. Somos humanos, não tamagochis. É possível que uma pessoa sofra demais com rejeição sem passar tanto por isso e vice-versa. Ocorre que este sofrimento hoje é desnecessário. Já há diversas terapias comprovadas para aprender a lidar com rejeição.

Se é o seu caso ou se você conhece alguém nessa situação, sugiro a leitura do livro "The Coddling of The American Mind", do psicólogo Jonathan Haidt, que eu cito bastante e foi uma das leituras mais esclarecedoras que já fiz. Ele fala muito sobre uma terapia comum que ajuda demais quando a pessoa sofre demais com traumas reais, a Cognitivo-Comportamental. Também explica que é possível entender esse sofrimento e se libertar da paralisia ou descontrole a cada lembrança.

Pessoas que têm problemas com a aparência às vezes pensam que vão viver sofrendo eternamente a cada olhar torto.  
O ideal seria as pessoas não olharem feio para quem é diferente ou tem deficiência, mas é possível? Não. O olhar torto será constante, infelizmente. 
Ocorre que é possível proteger a saúde mental de quem passa por isso. Sugiro vivamente que leiam os livros do meu querido amigo José Luiz Tejon. É uma inspiração para quem sofre virar a mesa.

Tejon teve o rosto queimado com uma lata de cera que explodiu no quintal quando tinha 5 anos de idade. Não queria nunca mais sair de casa. Pessoas com marcas bem menores costumam ter uma postura encolhida, acanhada, tentam esconder quem são para que os outros não olhem estranho. Ele não. Descobri isso quando a queimadura dele e a minha distração constante se encontraram pela primeira vez. Eu estava preparando uma pauta, fui apresentada ao Tejon, que é professor em diversas universidades e palestrante talentosíssimo. Estava sentada olhando o computador, ele sentou-se ao lado e começou a me ajudar. Quem me conhece sabe que pode cair o mundo e eu continuo no livro ou no computador.

Depois de um tempão trocando ideias, olhei para ele pela primeira vez. "Você tem a cara queimada, Tejon?" - quando eu vi, já tinha saído e exatamente desse jeito. Morri de vergonha. Fui tentar corrigir. Ele gargalhou do meu embaraço. Então me contou toda a história dele, dos livros, de como esse acidente que marcou a aparência ajudou a forjar o caráter porque ele teve ajuda para lidar com o trauma. Acabei fazendo o prefácio de um dos livros dele, "Guerreiros Não Nascem Prontos".

O mais engraçado é que os identitaristas vivem falando do tal "lugar de fala". Para falar sobre como é ter vitiligo e levar um fora você precisa ter vitiligo e ter levado um fora. Em tese, eu não poderia comentar sobre isso. Mas, por que o Quebrando o Tabu pode? E sem nem ouvir quem tem vitiligo? Porque identitarismo é um produto de luxo, o freepass do grande defensor de fracos e oprimidos. Já eu, que sou fascista, prefiro ouvir quem tem vitiligo, como essa moça:

E por que uma publicação que diz defender minorias lança ao público uma teoria negacionista que prejudica a saúde mental dessas minorias? Porque o identitarismo não é defesa das minorias, é um produto de luxo para elites metropolitanas. E se prejudicar as minorias, não tem problema. Elite metropolitana não é minoria, então tudo bem. O pessoal é encostado, superficial e egoísta? É, mas não quer se sentir assim nem mudar. 
Então o Quebrando o Tabu ensina que ver Big Brother é ser revolucionário. Pronto!

Mas o revolucionário não pode ver Big Brother? E quem vê Big Brother não pode comentar que gostou o não do fora que o rapaz deu na moça? Claro que pode! Só não pode dizer que isso é fazer militância ou defender minorias porque não é. Trata-se apenas de ver entretenimento lixo e entreter-se conversando sobre ele com quem faz o mesmo.

Eu assumo que gosto mesmo de entretenimento lixo como DNA do Ratinho e a Casa dos Desesperados de Sergio Mallandro. Tenho direito, ué, qual o problema? 
O pessoal do Quebrando o Tabu tem vergonha de ser quem é, então precisa fingir que vê Big Brother porque defende minorias em programas de grande audiência. 
Eu vou dizer então que vejo Ratinho e Sergio Mallandro porque rejeito a universalização da visão eurocêntrica de entretenimento e prefiro produções latinoamericanas.

Se você está precisando fazer uma grana, não vou julgar. Termino o artigo com uma pequena aula sobre como ganhar a vida enganando otário que tem pai rico. Uma alternativa é começar a xingar todo mundo que vê Big Brother dizendo que estão contribuindo para uma massificação do entretenimento eurocentrado. É preciso descolonizar a indústria do espetáculo.

Big Brother é uma criação da holandesa Endemol. Além de propagar os valores e o estilo de entretenimento do colonizador, ainda faz com que as culturas originárias percam o espaço na grade de programação das emissoras de seus próprios países. Em vez de um Chico Anysio e um Jô Soares, temos dona Endemol branca de olhos azuis dando as cartas. Eu só vejo DNA do Ratinho por isso, porque sou uma revolucionária.

E como ganha dinheiro com isso? Simples, tem que mirar em quem é rico e mencionou ou curtiu qualquer coisa do Big Brother. Junta uma turma de desocupados precisando de grana igual você e começa a xingar a pessoa. Ela tem de ser fascista e nazista porque está perpetuando o modelo opressor de entretenimento do colonizador, impedindo que as próximas gerações valorizem a cultura local. Daí, você começa a oferecer consultoria de letramento em descolonização. Contratou, a gangue para de xingar. Se você for pessoa honesta, ao ganhar sua primeira bolada, compartilhe a comissão comigo. Obrigada.

Madeleine Lackso, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Deficiência na Educação barra o desenvolvimento

Não há país desenvolvido que não tenha passado por uma fase em que um grande contingente de jovens bens instruídos começou a entrar no mercado de trabalho. A partir desse momento, a produtividade da economia passou a crescer numa velocidade maior, subiu a renda da sociedade, ampliou-se o consumo, atraindo mais investimentos e, assim, instalou-se um círculo virtuoso alterando de forma estrutural o padrão de desenvolvimento do país.

O Brasil, por óbvio, não escapa à regra. A notícia ruim é que o país, outrora mais jovem que hoje e menos a cada dia que passa, tem sido inepto em educar a população e, assim, perde este chamado “bônus demográfico” de que várias sociedades se aproveitaram de forma competente.

O contingente da população entre 20 e 30 anos chegou a seu ponto máximo em 2010. E passou a decair inexoravelmente — tendência que está por trás da urgência da reforma na Previdência, retardada em excesso por leniência dos políticos. Afinal, haverá mais beneficiários do INSS do que contribuintes do sistema. Esta é a trajetória da insolvência. Outro indicador do envelhecimento médio da população é a proporção da faixa de 65 ou mais anos de idade em relação à população de até 14 anos: era 18,6% em 2000, estima-se que atingiu 36% este ano e chegará a 2030 em 76,3%.



Este fenômeno demográfico universal reduz os horizontes para o Brasil chegar ao estágio de país desenvolvido, porque o sistema educacional — inclusive o privado — não tem conseguido instruir jovens de forma que atendam às exigências do mercado de trabalho, em crescente sofisticação ditada pela revolução tecnológica.

O mais recente teste internacional Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), sigla em inglês, confirmou a má situação brasileira. Aplicado periodicamente entre alunos de 15 anos, de 70 países, o Brasil continua a ratear nas últimas colocações. Desta vez, somou 401 pontos, mais apenas que a República Dominicana, Argélia, Kosovo, Tunísia, Líbano e Peru.

Em relação ao Pisa anterior, os estudantes brasileiros caíram em Leitura e Matemática — na primeira disciplina, ficaram em 59ª colocação e, na segunda, 65ª. Em Ciência, o Brasil ficou estagnado em pouco mais que 400 pontos.  A comparação entre os rendimentos de escolas públicas e privadas mostra discrepâncias conhecidas: as particulares são melhores, mas não em relação às públicas federais. Porém, mesmo assim, o ensino privado sinaliza dificuldades. Seus estudantes obtiveram 477 pontos, tanto quanto os húngaros, situados no meio do ranking, 70ª posição.

O aspecto muito negativo destes resultados é que eles refletem a crise aguda do ensino médio brasileiro, a porta de saída do ensino básico para um curso superior, profissionalizante e/ou o mercado de trabalho. E a má preparação deste aluno não é novidade. Estabeleceram-se metas para as fases do ensino básico, num projeto que objetiva colocar a média do rendimento dos alunos brasileiros, em 2020, no nível em que os países desenvolvidos congregados na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estão hoje. As metas têm sido atingidas na fase preliminar do básico. Mas esses avanços são perdidos no ensino médio.


O resultado dramático de tudo isso está refletido em gráficos acima: a elevada evasão no ensino médio tem retrocedido, mas os 12% da população entre 15 e 17 anos ainda fora da escola são um índice elevado. E infelizmente ainda há grande contingente de “nem-nem” (nem trabalham, nem estudam), entre jovens na faixa de 18 a 24 anos. A força de trabalho do país, portanto, não está sendo reposta como deveria. O quadro tem melhorado, porém não o suficiente para dar tranquilidade quanto ao futuro.

Justifica-se, então, a linha da reforma do ensino médio enviada ao Congresso por medida provisória, para se ganhar tempo. O Legislativo tem feito mudanças, e o projeto precisa tramitar, independentemente de incompreensões de fundo ideológico.   O desafio é que haveria ainda duas décadas para fechar-se de vez a janela do bônus demográfico — quando a proporção de idosos ultrapassará a de jovens. Dá a medida do tempo que falta para o país alcançar o desenvolvimento — condição hoje circunscrita a bolsões regionais e até mesmo urbanos. A corrida é para que não ocorra o pior: um país velho, sem ter ficado rico.

Os pontos-chave
1
Países precisam instruir a população jovem,
para atingir o nível pleno de desenvolvimento
2
E como as pessoas envelhecem, um fato
inexorável, não se tem todo o tempo para isso

3

A vantagem de se contar com muitos jovens, o “bônus demográfico”, acaba cedo ou tarde

4
Por esta razão, preocupa que o ensino médio continue com um rendimento muito baixo

Fonte: Editorial - O Globo