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segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

“Pessoas que mijam de pé” - Gazeta do Povo

Vozes - Luiz Felipe Pondé

Gênero

Ativistas trans durante protesto na Espanha. - Foto: EFE / Daniel González

A bruxa está solta. Talvez devesse dizer "bruxe", para não ferir suscetibilidades progressistas. A verdade é que os debates de gênero estão atingindo níveis cada vez mais altos na escala do surto.  
Mesmo entres os progressistas, o pau (!!) come
Ou comem-se entre si como feras que se entre devoram dizendo que tudo é um benigno debate democrático.

Há muito que parte das humanidades, principalmente as de matriz americana, não serve para nada além de criar nichos temáticos que dominam os departamentos nas universidades e perseguem quem ousar ser um herege ou ousar dizer, por exemplo, a palavra "mulher" num ensaio.

Especialistas dirão que a expressão "pessoas que mijam de pé" permanece presa à matriz fascista da biologia. Mas, suspeito eu, a expressão "pessoas que menstruam" tampouco se libertou da mesma matriz maldita. Grande parte dos ensaios de humanidades hoje morre na segunda linha quando apresentam alguns desses sintomas, tipo "ilu isso", "ile aquilo" – você não sabe o que isso significa? Melhor para você. Não perca tempo.

O surto acadêmico ganha força porque tomou um espaço gigantesco entre essa categoria de inúteis chamados de "subcelebridades" – que vivem de engajar gente das redes para falar de nada ou mesmo de celebridades, a moçada do mundo artístico que nunca se destacou como gente que entende a realidade para além de seus fãs, suas letras musicais ou peças teatrais. Opinião é a coisa mais fácil de se dar, mesmo sobre nada.

Seguindo o espírito democrático de uma linguagem inclusiva, proponho que, para além de banir a palavra machista "mulher", que trai sua dependência semântica com esse território fascista chamado biologia, passemos a usar a expressão "pessoas que mijam de pé" no lugar do termo patriarcal "homem". Assim, incluímos homens biologicamente homens e mulheres trans que porventura mijem de pé.

Especialistas dirão que a expressão "pessoas que mijam de pé" permanece presa à matriz fascista da biologia. Mas, suspeito eu, a expressão "pessoas que menstruam" tampouco se libertou da mesma matriz maldita. Se avançarmos na investigação dessa herança semântica maldita da influência da matriz biológica reacionária, podemos tropeçar em outros exemplos.

Que tal "pessoas com útero" no lugar de mulher? Ou "pessoas com próstata" no lugar de homem? A diferença é que há um claro aspecto de visibilidade nas expressões "pessoas que menstruam" e "pessoas que mijam de pé" – tanto sangue quanto xixi pingam, aliás, como dizia Nelson Rodrigues (1912-1980) com relação ao desejo: "O desejo pinga".

Útero e próstata são órgãos visíveis apenas com o auxílio de procedimentos de medicina de imagem, o que poderia levar a dúvidas céticas quanto à autodeclaração dos indivíduos em questão. Será que você é mesmo portador de um útero ou de uma próstata?   
Melhor permanecer no âmbito do que pinga. 
Aliás, continuando na esfera de Nelson, dizer que o desejo pinga significa dizer que o desejo não seria uma entidade metafísica, mas sim, líquida e submetida à gravidade, como o sangue menstrual e o xixi.

Enfim, surtos são entidades infinitas nas suas manifestações linguísticas. Não precisa ter formação em Lacan (1901-1981), psicanalista francês que adorava truques de linguagem, assim como o filósofo Heidegger (1889-1976), que também inventava dialetos alemães inexistentes, para perceber que esses excessos identitários são tentativas de criar novos significantes – olhe no Google – para que crianças passem a nascer "faladas" por esses significantes.

Assim sendo, quando você nascer, seus paisou algo similar – já "falarão de você" como "pequena pessoa que menstruará" ou "pequena pessoa que mijará de pé"
Claro que ainda permanecerá a maldição fálica freudiana de que as pessoas que mijam de pé o fazem desde crianças, enquanto que as pessoas que menstruam só o fazem quando entram na puberdade.

Mas esse detalhe temporal, biológico, diferencial e patriarcal, seguramente gerará muito espaço para mestrados, doutorados, bolsas, seminários, concursos com cotas, enfim, todo um novo nicho em que o surto semântico contemporâneo com relação à velha tara humana com o sexo seguirá seu curso histérico.

Nesse terreno, as escolas são as câmaras de tortura das crianças, e os pais, os idiotas que aplaudem.

Luiz Felipe Pondé, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


terça-feira, 6 de setembro de 2022

Quem são os católicos ultraconservadores que vão às ruas por Bolsonaro

Monarquistas, anti comunistas e radicais, eles são pouco numerosos, mas mobilizam um eleitorado fiel ao presidente da República 

 católicos conservadores

Conservadorismo em alta: apoio a Bolsonaro e contra a pauta progressista Evandro Éboli/VEJA

O radicalismo religioso segue como uma anomalia que resiste aos ventos modernizantes do século XXI, freando as liberdades individuais onde germina e revelando seu lado mais sombrio quando desemboca na política. Ele se pronuncia em diversos pontos do globo com as nuances de cada cenário. No Brasil, grupos radicais de variadas vertentes religiosas, que andavam num segundo plano desde os anos de 1980, pós-ditadura militar, despertaram com renovada capacidade de articulação quando o então candidato à presidência Jair Bolsonaro surgiu no cenário, abraçando a pauta conservadora posta à mesa por essas lideranças. Aglutinadas dentro e fora da igreja neste caso, em torno de organizações e institutos -, elas são adversárias da agenda progressista, rechaçando educação sexual nas escolas e direito ao aborto, entre outros tópicos.

Bolsonaro elegeu-se impulsionado por esta mescla de política e religião, tendo aí os evangélicos proeminência incomparável e ascendente. Mas outra força menos vistosa vem avançando a passos largos, ganhando ousadia e é essencial para embalar Bolsonaro nas eleições de 2022: são os chamados católicos fundamentalistas (terminologia adotada na academia). “Esse estrato do catolicismo tem enorme capacidade para orientar e fidelizar o voto, e o presidente o quer por perto”, avalia o especialista Victor Gama, da PUC-MG. Neste sete de setembro, eles estão nas ruas organizando atos públicos, como rezas, e gritando palavras de ordem contra o progressismo que consideram “marxismo cultural”.

VEJA identificou 43 desses grupos, alguns constituídos antes, outros bem recentemente, durante a era Bolsonaro – todos fora das igrejas, embora com laços umbilicais com elas e contando com a crescente inclusão de quadros religiosos que recrutam nos seminários. No passado nem tão distante assim, funcionava cada um por si, mas agora formam uma rede que extrapola até as fronteiras nacionais, dão cursos aos montes e tem canais no YouTube com milhões de seguidores e visualizações, onde disparam com verve raivosa sua visão ultra conservadora e francamente bolsonarista, com direito a pitadas de fake news.

Os vídeos, de linguagem didática, se manifestam a favor do voto impresso e disseminam a inaceitável balela antivacina, engrossando as milícias digitais do bolsonarismo, com as quais mantêm proximidade. Um dos porta-vozes desta corrente que exerce maior magnetismo é o padre Paulo Ricardo, da paróquia Cristo Rei, no Mato Grosso: ele é a favor de armar a população e já posou empunhando um fuzil ao lado de Olavo de Carvalho (astrólogo e guru do bolsonarismo a quem outros da turma são chegados). Eles começaram a aparecer na internet depois dos protestos de 2013, mas foi no atual governo que ganharam envergadura”, diz o historiador Rodrigo Coppe.

O alvo dos ataques são sempre figuras avessas ao seu ideário, parte delas egressa de hostes mais progressistas da própria igreja católica. Após recomendar a seus fieis o livro Teologia e os LGBT+, do jesuíta Luís Oliveira Lima, o padre Júlio Lancelotti conheceu a fúria fundamentalista em uma enxurrada de mensagens que o classificavam de comunista, herege e clamavam por sua expulsão da igreja. [Respeitosamente, recomendamos ao padre Julio Lancelotti a leitura da Carta de São Paulo aos Romanos, (cf. 1, 24-32), (cf. 1, 26-28), 1Cor 5, 11.13),  (1Cor 6, 9-10),  e de   (Mt 5, 28) (Mt 25, 11-13;25, 27-29;  25, 41-46) ( Mt 15, 19-20 Mc 17, 21-22;), (Lc 18, 11), e fechando com CHAVE DE OURO esta Catequese, por favor leiam: Estes seis pecados ficaram “fora de moda”...]

Há pouco mais de um mês, representantes desses grupos escalaram um novo e perigoso degrau, fora das redes. Descontentes com a pregação de um padre de Fortaleza, Lino Allegri, que durante a missa cutucou a gestão bolsonarista da pandemia, decidiram comparecer à paróquia de camiseta da Seleção Brasileira, interrompendo a homília aos gritos de “comunista!”. “Eles são incapazes de conviver com a diversidade de pensamento”, lamenta o padre Lino. em seguida, policiais militares foram convocados para garantir a segurança na porta da igreja.

Faróis do conservadorismo católico, o Centro Dom Bosco (CDB), baseado no Rio de Janeiro, e o Instituto Plinio Correia de Oliveira, a antiga TFP, em São Paulo, formam gente e lançam livros para divulgar seu pensamento país afora. No Dia da Consciência Negra, o Dom Bosco mobilizou sua tropa para encerrar uma missa de tradições africanas em uma paróquia do Rio. “Por definição, não existe catolicismo moderno ou progressista, ele é sempre conservador. Essas vertentes atuais não passam de falsificações”, desfia sua filosofia o presidente do CDB, Pedro Affonseca.

Monarquistas, os católicos radicais vêm se enfronhando nos gabinetes. Apoiaram com sucesso a eleição de dois deputados do PSL fluminense (Márcio Gualberto, estadual, e Chris Tonietto, federal) e se fazem ouvir por meio da Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana, que costuma conduzir padres ao Planalto para benzer o presidente da República. A maioria se opõe ao Concílio Vaticano II, instituído na década de 60 com o objetivo de atualizar e aproximar a Igreja Católica de um mundo em transformação. Para os radicais, a cátedra de Pedro está vazia desde Pio XII, o último dos papas antes do Concílio, e não é bem representada por Francisco.

O recrutamento de novos adeptos tem se profissionalizado nos últimos tempos, com alto poder de atração sobretudo entre jovens seminaristas. “Eles atuam como uma espécie de escola subterrânea”, define Dom Joaquim Mol, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. “Os seminaristas se submetem ao processo formativo normal, enquanto deixam-se moldar por esse pessoal para, depois de ordenados, aplicarem o tradicionalismo e o fundamentalismo”. Esses grupos em geral orbitam em torno de uma mesma organização conservadora internacional, a Leadership Internacional, nos Estados Unidos, e têm laços com Steve Bannon, o enrolado ex-estrategista chefe da Casa Branca de Donald Trump que transformou um mosteiro fincado em uma gigantesca propriedade em Trisulti, perto de Roma, em quartel-general e escola de formação da extrema direita católica.

Acolhe ali ordens conservadoras como a de Malta e a do Santo Sepulcro. Dia desses, Bannon, que apelidou o presidente brasileiro de “Trump dos trópicos”, encontrou, em uma conferência conservadora no Texas, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), seu fã de carteirinha, aproveitando a oportunidade para desancar as urnas eletrônicas. No pleito perdido por Trump, aliás, católicos integrantes do grupo católico se plantaram em frente à embaixada americana em Brasília para rezar por sua reeleição, que não vingou. Religião e política, tudo junto e perigosamente misturado.

Política - Revista VEJA


quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Perigo lá fora? - Resumo da Nova Ética

Guilherme Fiuza

Tem um perigo lá fora e todos devem ficar em casa. Quem sair coloca não só sua própria vida em risco, mas também – e principalmente – a dos outros, porque o perigo é contagioso
 
O perigo está no mundo todo, então a solução é simples, porque é a mesma para todas as pessoas em todos os lugares: não circule
Uma pessoa andando sozinha ao ar livre é um ser incompreensivo, insensível e abjeto.
O herege moderno. Deve ser imediatamente detida e recolhida exemplarmente, com a energia necessária, e o mundo aprenderá a ver uma mulher sozinha algemada e arrastada por vários homens armados como uma imagem redentora, um emblema da salvação, um manifesto humanista. A coletividade quando resolve ser ética e levar sua empatia até as últimas consequências ninguém segura. É o maior espetáculo da Terra. E aqueles ali, circulando amontoados?  
 
Olha! Tem mais ali! Lá também! Pra cima deles! Pega! Prende! Esfola! Não? Por que, não? Eles não estão colocando vidas em risco? Ah, eles estão indo trabalhar para servir aos empáticos que estão fazendo o distanciamento social perfeito em suas residências espaçosas, coberturas e sítios? Ufa. Então pode, né?
 
Claro. Para podermos parar o mundo com segurança é preciso abastecer os que estão parados, senão eles morrem de fome e não poderão nem tirar foto do seu isolamento ético. Fica resolvido assim: fotografamos as mais lindas quarentenas (a da Lady Gaga ficou sensacional) e não fotografamos a muvuca nos ônibus, para não confundir o público e não prejudicar a mensagem da nova ciência sanitária. 
É muito importante que ninguém se confunda. Com o pessoal das belas quarentenas bem abastecido pelo pessoal dos ônibus e dos trens fica tudo bem e ninguém morre de fome. 
E os que não trabalham em casa de rico e precisam buscar informalmente a sua sobrevivência a cada dia nas ruas? 
Aí a mensagem da nova ciência é clara: quem mandou ser informal? Agora aguenta. Mas isso não é desumano?
 
Segundo a nova ciência, desumano é caminhar na praia. Fica assim: o governo (você) se endivida para dar dinheiro de graça para uma parte desses informais e o resto fica aglomerado nas periferias esperando que a sorte lhes caia do céu, porque na nova agenda de higienização social não tem lugar para gente desorganizada. 
Por falar em higiene, além do distanciamento profilático você vai inocular uma substância que te protege do perigo. Protege você e os outros. Ou, mais exatamente, protege os outros de você. Quem não se inocular está colocando vidas em risco. Lembra dessa parte? Então não se esqueça nunca mais dela.

Este será para sempre o chamado irrecusável de todas as medidas que a nova ética te mandará tomar e você obedecerá, porque é um cidadão consciente, empático e moderno. Mas considerando-se que o perigo não se revelou fatal para a imensa maioria das pessoas, não seria suficiente os que forem vulneráveis ou que assim desejarem se protegerem com a substância inoculável e tocarem todos a vida em frente? Não. Os não-inoculados são um perigo para os inoculados. Mas a substância não protege os inoculados contra o perigo? Claro que protege, mas na dúvida melhor não arriscar. Dúvida? Que dúvida?

Apareceram inoculados infectados.
Ok, mas se o inoculado pode se infectar, consequentemente pode transmitir, por que determinar a inoculação de todos? Cala a boca e dá o braço. Ok. Mas é seguro mesmo, né? É. E as pessoas jovens e saudáveis que tiveram reações graves e eventualmente letais exatamente após se inocularem?

Provavelmente foi coincidência, devia ser a hora delas. A hora de todos um dia chega. Ah, ok. E como foi possível atestar a segurança sem o tempo de observação que todas as outras substâncias imunizantes na história demandaram? Muita grana. Hein? Isso mesmo que você ouviu: dessa vez tinha muito dinheiro envolvido, e os caras são bons demais, entende? Os caras são feras. Eu vi numa palestra do Bill Gates que... Ok. Não precisa continuar. Já entendi. Viva a ciência e a ética.

Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


terça-feira, 7 de setembro de 2021

Bolsonaro ameaça STF: ‘temos que acabar com as prisões políticas’ - Quem são os católicos ultraconservadores que vão às ruas por Bolsonaro

Veja - Política

Sem citar nomes, presidente pede que Luiz Fux 'enquadre' ministro Alexandre de Moraes

O presidente Jair Bolsonaro subiu muitos decibéis no discurso político neste feriado de Sete de Setembro e a milhares de apoiadores na Esplanada dos Ministérios ameaçou o Supremo Tribunal Federal (STF) e exigiu que o presidente da Corte, Luiz Fux, “enquadre” o ministro Alexandre de Moraes, relator de barulhentos inquéritos que atingem a base bolsonarista, investigada pelo suposto financiamento de atos antidemocráticos e por divulgação massiva de fake news. A manifestantes que ocupam desde cedo a região em frente ao Congresso Nacional, Bolsonaro atacou o que chamou deprisões políticasdeterminadas pelo Poder Judiciário e disse que, se Moraes não for contido, a Suprema Corte “pode sofrer aquilo que nós não queremos” – sem explicar exatamente o que seria o que “nós não queremos”.

“Nós não mais aceitaremos que qualquer autoridade, usando a força do poder, passe por cima da nossa Constituição. 

Não mais aceitaremos qualquer medida, qualquer ação ou qualquer certeza que venha de fora das quatro linhas da Constituição. 

Nós também não podemos continuar aceitando que uma pessoa específica da região dos Três Poderes continue barbarizando a nossa população”, discursou ele, sem mencionar nominalmente nem Fux nem Moraes. Além de conduzir investigações que assombram o governo, Alexandre de Moraes também foi o responsável por decretar a prisão de aliados bolsonaristas como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o ex-deputado e mensaleiro Roberto Jefferson (PTB-RJ), ambos por ataques e ameaças à integridade física de juízes do Supremo. 

Jair Bolsonaro voltou a falar em ‘ultimato” e disse que “não podemos admitir que uma pessoa turve a nossa democracia. Não podemos admitir que uma pessoa coloque risco à nossa liberdade”.

“Não podemos aceitar mais prisões políticas no nosso Brasil. Ou o chefe desse poder enquadra o seu ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos, porque nós valorizamos, reconhecemos e sabemos o valor de cada poder da República. Nós todos na Praça dos Três poderes juramos respeitar a nossa Constituição. Quem age fora dela se enquadra ou pede para sair”, completou o presidente de cima de um caminhão de som.

Enquanto proferia seus ataques, o ex-capitão recebia da plateia gritos de ‘fora Alexandre’, ‘fora STF’ e ‘eu autorizo’, uma interpretação enviesada do artigo 142, da Constituição. Este artigo, interpretado erroneamente por apoiadores do presidente como um aval para que as Forças Armadas intervenham em outros poderes, afirma que “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

“Temos em nossa bandeira escrito ordem e progresso. Não queremos ruptura, não queremos brigar com poder nenhum. Não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade”, continuou. Aos seus apoiadores, o presidente disse, sem citar nome, que um ministro “perdeu as condições mínimas de continuar dentro daquele tribunal” e anunciou que nesta quarta-feira pretende se reunir com o Conselho da República, colegiado responsável por pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio e “questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas”. “Amanhã [quarta] estarei no Conselho da República, juntamente com ministros, juntamente com o presidente da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, com essa fotografia de vocês para mostrar para onde nós todos devemos ir”, afirmou.

Durante o rápido trajeto entre o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente, e a Esplanada dos Ministérios, local das manifestações, Bolsonaro fez uma transmissão em suas redes sociais e disse que o povo precisaria lutar para que o futuro político brasileiro não se iguale a ditaduras da América Latina. “Tenho certeza que cada um de vocês tudo fará para que sua liberdade seja garantida. Exemplo nós temos aqui na América Latina, onde relaxaram nesse quesito, achando que a sanha ditatorial daqueles que ocupavam o poder naquele momento nunca iam chegar até vocês. Chegou lá. Não vai chegar aqui. Bora, p…”, afirmou de cima da carroceria de uma caminhonete.


 

Bolsonaro chegou aos atos de Sete de Setembro depois de ter sobrevoado o local das manifestações de Sete de Setembro em um helicóptero. No momento do sobrevoo, houve gritos de apoio ao presidente e um buzinaço de caminhoneiros, que tiveram autorização para estacionar os veículos ao longo de uma via próxima. Milhares de manifestantes em favor do presidente estão concentrados na região, mas o local mais disputado é o último alambrado que impede a passagem dos manifestantes para o Supremo Tribunal Federal.

Quem são os católicos ultraconservadores que vão às ruas por Bolsonaro

Monarquistas, anti comunistas e radicais, eles são pouco numerosos, mas mobilizam um eleitorado fiel ao presidente da República 

O radicalismo religioso segue como uma anomalia que resiste aos ventos modernizantes do século XXI, freando as liberdades individuais onde germina e revelando seu lado mais sombrio quando desemboca na política. Ele se pronuncia em diversos pontos do globo com as nuances de cada cenário. No Brasil, grupos radicais de variadas vertentes religiosas, que andavam num segundo plano desde os anos de 1980, pós-ditadura militar, despertaram com renovada capacidade de articulação quando o então candidato à presidência Jair Bolsonaro surgiu no cenário, abraçando a pauta conservadora posta à mesa por essas lideranças. Aglutinadas dentro e fora da igreja neste caso, em torno de organizações e institutos -, elas são adversárias da agenda progressista, rechaçando educação sexual nas escolas e direito ao aborto, entre outros tópicos.

Bolsonaro elegeu-se impulsionado por esta mescla de política e religião, tendo aí os evangélicos proeminência incomparável e ascendente. Mas outra força menos vistosa vem avançando a passos largos, ganhando ousadia e é essencial para embalar Bolsonaro nas eleições de 2022: são os chamados católicos fundamentalistas (terminologia adotada na academia). “Esse estrato do catolicismo tem enorme capacidade para orientar e fidelizar o voto, e o presidente o quer por perto”, avalia o especialista Victor Gama, da PUC-MG. Neste sete de setembro, eles estão nas ruas organizando atos públicos, como rezas, e gritando palavras de ordem contra o progressismo que consideram “marxismo cultural”.

VEJA identificou 43 desses grupos, alguns constituídos antes, outros bem recentemente, durante a era Bolsonaro – todos fora das igrejas, embora com laços umbilicais com elas e contando com a crescente inclusão de quadros religiosos que recrutam nos seminários. No passado nem tão distante assim, funcionava cada um por si, mas agora formam uma rede que extrapola até as fronteiras nacionais, dão cursos aos montes e tem canais no YouTube com milhões de seguidores e visualizações, onde disparam com verve raivosa sua visão ultra conservadora e francamente bolsonarista, com direito a pitadas de fake news.

Os vídeos, de linguagem didática, se manifestam a favor do voto impresso e disseminam a inaceitável balela antivacina, engrossando as milícias digitais do bolsonarismo, com as quais mantêm proximidade. Um dos porta-vozes desta corrente que exerce maior magnetismo é o padre Paulo Ricardo, da paróquia Cristo Rei, no Mato Grosso: ele é a favor de armar a população e já posou empunhando um fuzil ao lado de Olavo de Carvalho (astrólogo e guru do bolsonarismo a quem outros da turma são chegados). Eles começaram a aparecer na internet depois dos protestos de 2013, mas foi no atual governo que ganharam envergadura”, diz o historiador Rodrigo Coppe.

O alvo dos ataques são sempre figuras avessas ao seu ideário, parte delas egressa de hostes mais progressistas da própria igreja católica. Após recomendar a seus fieis o livro Teologia e os LGBT+, do jesuíta Luís Oliveira Lima, o padre Júlio Lancelotti conheceu a fúria fundamentalista em uma enxurrada de mensagens que o classificavam de comunista, herege e clamavam por sua expulsão da igreja. [Respeitosamente, recomendamos ao padre Julio Lancelotti a leitura da Carta de São Paulo aos Romanos, (cf. 1, 24-32), (cf. 1, 26-28), 1Cor 5, 11.13),  (1Cor 6, 9-10),  e de   (Mt 5, 28) (Mt 25, 11-13;25, 27-29;  25, 41-46) ( Mt 15, 19-20 Mc 17, 21-22;), (Lc 18, 11), e fechando com CHAVE DE OURO esta Catequese, por favor leiam: Estes seis pecados ficaram “fora de moda”...]

Há pouco mais de um mês, representantes desses grupos escalaram um novo e perigoso degrau, fora das redes. Descontentes com a pregação de um padre de Fortaleza, Lino Allegri, que durante a missa cutucou a gestão bolsonarista da pandemia, decidiram comparecer à paróquia de camiseta da Seleção Brasileira, interrompendo a homília aos gritos de “comunista!”. “Eles são incapazes de conviver com a diversidade de pensamento”, lamenta o padre Lino. em seguida, policiais militares foram convocados para garantir a segurança na porta da igreja.

Faróis do conservadorismo católico, o Centro Dom Bosco (CDB), baseado no Rio de Janeiro, e o Instituto Plinio Correia de Oliveira, a antiga TFP, em São Paulo, formam gente e lançam livros para divulgar seu pensamento país afora. No Dia da Consciência Negra, o Dom Bosco mobilizou sua tropa para encerrar uma missa de tradições africanas em uma paróquia do Rio. “Por definição, não existe catolicismo moderno ou progressista, ele é sempre conservador. Essas vertentes atuais não passam de falsificações”, desfia sua filosofia o presidente do CDB, Pedro Affonseca.

Monarquistas, os católicos radicais vêm se enfronhando nos gabinetes. Apoiaram com sucesso a eleição de dois deputados do PSL fluminense (Márcio Gualberto, estadual, e Chris Tonietto, federal) e se fazem ouvir por meio da Frente Parlamentar Católica Apostólica Romana, que costuma conduzir padres ao Planalto para benzer o presidente da República. A maioria se opõe ao Concílio Vaticano II, instituído na década de 60 com o objetivo de atualizar e aproximar a Igreja Católica de um mundo em transformação. Para os radicais, a cátedra de Pedro está vazia desde Pio XII, o último dos papas antes do Concílio, e não é bem representada por Francisco.

O recrutamento de novos adeptos tem se profissionalizado nos últimos tempos, com alto poder de atração sobretudo entre jovens seminaristas. “Eles atuam como uma espécie de escola subterrânea”, define Dom Joaquim Mol, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. “Os seminaristas se submetem ao processo formativo normal, enquanto deixam-se moldar por esse pessoal para, depois de ordenados, aplicarem o tradicionalismo e o fundamentalismo”. Esses grupos em geral orbitam em torno de uma mesma organização conservadora internacional, a Leadership Internacional, nos Estados Unidos, e têm laços com Steve Bannon, o enrolado ex-estrategista chefe da Casa Branca de Donald Trump que transformou um mosteiro fincado em uma gigantesca propriedade em Trisulti, perto de Roma, em quartel-general e escola de formação da extrema direita católica.

Acolhe ali ordens conservadoras como a de Malta e a do Santo Sepulcro. Dia desses, Bannon, que apelidou o presidente brasileiro de “Trump dos trópicos”, encontrou, em uma conferência conservadora no Texas, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), seu fã de carteirinha, aproveitando a oportunidade para desancar as urnas eletrônicas. No pleito perdido por Trump, aliás, católicos integrantes do grupo católico se plantaram em frente à embaixada americana em Brasília para rezar por sua reeleição, que não vingou. Religião e política, tudo junto e perigosamente misturado.

VEJA - Política