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sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Maconha e homofobia: os votos de Zanin no STF que irritaram a esquerda; entenda - O Globo

Há três semanas como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin tem incomodado a esquerda com a postura conservadora nas votações. Apenas nesta semana, o magistrado se posicionou contra à equiparação das ofensas à população LGBTQIA+ como injúria racial e contra à descriminalização da maconha para uso pessoal.

No início da semana, quando o STF aprovou a equiparação da homotransfobia, Zanin foi o único ministro a votar contra a medida. Durante o seu voto, o magistrado justificou seu posicionamento com argumentos técnicos e reiterou que considera o tema relevante. Por um aspecto técnico, no entanto, Zanin afirmou que o reconhecimento não foi "objeto da demanda e do julgamento" que equiparou a discriminação ao racismo. Desta forma, a equiparação não poderia ser feita através de embargos de declaração. O tema foi aprovado pela Corte por 9 votos a 1.

Já nesta quinta-feira, o ministro nomeado pelo presidente Lula (PT) votou contra a descriminalização da maconha para uso pessoal e apenas diferenciou a responsabilidade penal entre usuário e traficante
De acordo com Zanin, o critério objetivo para um usuário seria o porte de até 25 g de drogas. 
A definição também divergiu do voto do relator, ministro Gilmar Mendes, que considerou usuárias as pessoas flagradas com até 60g.

Para o magistrado, a descriminalização apresentaria "problemas jurídicos": Não tenho dúvidas que usuários são vítimas do tráfico e organizações criminosas, mas se o Estado tem dever de zelar pela saúde de todos, como diz a Constituição, a descriminalização poderá contribuir para o agravamento da saúde. A lógica é que com descriminalização aumente o uso — disse.

Também nesta semana, o ministro não reconheceu insignificância ao se posicionar a favor da manutenção da condenação de dois homens que haviam furtado um macaco hidráulico, dois galões para combustível e uma garrafa de óleo diesel, avaliados em R$ 100 . A Defensoria Pública da União havia se manifestado pelo princípio da insignificância pelo baixo valor do delito. Para pautar seu voto, citou um entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual as circunstâncias do crime de furto qualificado e a reincidência de um dos autores impedem a aplicação do princípio de significância.

Escala de tensão
Diante dos votos do ministro,
nomes da esquerda como a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) foram às redes sociais para criticar sua atuação.
"Lamentável o voto de Zanin. Descriminalizar a posse de drogas é essencial para combater o encarceramento em massa e a suposta "guerra às drogas", que afeta sobretudo pobres e negros. A próxima indicação de Lula ao STF deve representar as lutas democráticas e progressistas", escreveu a parlamentar.

Já Érika Hilton (PSOL-SP) aproveitou para dar um recado ao presidente Lula, que até o final do ano deve fazer outra indicação à Corte, com a aposentadoria de Rosa Weber: "Mais do que nunca: Precisamos de uma ministra negra e progressista no STF!"

Postura esperada
O conservadorismo do ministro foi noticiado pelo
GLOBO, antes mesmo de sua posse. Em reuniões com a bancada evangélica antes de sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado, o então advogado afirmava ser um homem cristão, contrário à descriminalização do aborto, por exemplo.

Tal posicionamento foi mencionado pelo magistrado em sua sabatina, quando se disse contrário à legalização das drogas:A minha visão, senador, é a de que a lei deve definir a atribuição do agente público. Então, o que é preciso ver sempre no caso concreto é se o agente público tem atribuição legal para realizar o ato de persecução, para realizar o ato que leva, por exemplo, à apreensão de drogas — afirmou, antes de prosseguir: — Então, não é uma questão de ser favorável ou não ao combate às drogas. Eu acho que a minha visão, efetivamente, é a de que a droga é um mal que precisa ser combatido. E, por isso, este Senado tem, inclusive, aprimorado a legislação com esse objetivo, acredito, de promover o combate às drogas e os temas que estão relacionados.

Política - O Globo

 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Aborto - Livro critica ativismo judicial

Luciano Trigo

Livro critica o ativismo judicial na questão do aborto

Desde março de 2017, está em análise no Supremo Tribunal Federal a “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442”, na qual o PSOL pede, na prática, a descriminalização do aborto provocado pela gestante ou realizado com sua autorização. O PSOL argumenta que a criminalização do aborto “é um caso de uso do poder coercitivo do Estado para impedir o pluralismo razoável”, pois torna a gravidez um dever, sendo que, em caso de descriminalização, “nenhuma mulher será obrigada a realizá-lo contra sua vontade”.[o Estado não pode permitir que mães irresponsáveis, criminosas, movidas por interesses diabólicos, assassinem impunemente seus filhos no momento em que mais precisam do amparo, proteção e cuidados que só podem ser prestados pela 'assassina'.

Mais uma vez um partideco sem votos e sem programa, ansioso por governar pendurado na Justiça, tenta chamar  atenção.

Lembramos que este partido teve como um dos seus assessores um terrorista italiano especializado em queimar pessoas vivas - Achiles Lollo, o incendiário].

O jurista, professor de Direito e delegado aposentado Eduardo Cabete, autor ou coautor de mais de 50 livros na área jurídica, se debruçou sobre o tema e chegou à conclusão de que, tal como foi feita, acolhida e encaminhada, a demanda do PSOL é não apenas inconstitucional, mas um atentado à democracia, à divisão dos Poderes e ao próprio Estado de Direito. Este é o tema do recém-lançado livro “Judicialização do aborto – O Direito em caminhos tortos”. Nesta entrevista, Cabete apresenta seus argumentos e critica o ativismo judicial que vem sendo consagrado no Brasil, na discussão do tema.

Você escreve que a ADPF 442, proposta pelo PSOL e aceita pelo STF, é um atentado ao Estado democrático de direito. De que trata exatamente essa ADPF, e o que há de irregular ou ilegal nela?

EDUARDO CABETE: A ADPF 442 proposta pelo PSOL e aceita pelo STF constitui um atentado ao Estado Democrático de Direito porque é uma tentativa de burla do devido processo legislativo e da tripartição de poderes. O PSOL é um partido “nanico” quanto à representatividade popular. 
Há tempos tenta obter êxito na liberação do aborto pelas vias políticas adequadas no regime democrático de divisão de funções entre Legislativo, Executivo e judiciário. Nunca foi capaz de ter sucesso. Escolhe então a via de instrumentalização do STF para obter aquilo que, pelas vias legais e constitucionais ordinárias e corretas, não conseguiu. Tendo em vista que mais de 60% ou mesmo 80% da população brasileira, variando em pesquisas, é contrária ao aborto, não caberia ao STF sequer receber essa ação em estrito cumprimento e respeito à tripartição de poderes, à soberania popular e, consequentemente, à legalidade e constitucionalidade.

- Existe alguma possibilidade de liberação ou flexibilização do aborto no Brasil? Por quê? O que seria necessário para isso acontecer?

CABETE: A princípio pode-se dizer que seria, ao menos em tese, possível flexibilizar a legislação brasileira ou até liberar o aborto por uma descriminalização da conduta. Seria possível descriminalizar o autoaborto, o aborto consentido (art.124 do Código Penal) e o aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante (art.126 do CP). 
Por obviedade, não seria possível sequer cogitar de descriminalização do aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art.125 do CP), o que constituiria não só uma violência contra o nascituro, mas contra a própria mulher. Mas qual seria então o caminho legalmente aceitável para a liberação do aborto no Brasil, nos casos acima? Seria o cumprimento do devido processo legislativo, e não o uso de subterfúgios e invasões de esferas, com violação da divisão de poderes. [o ministro Barroso, faz algum tempo tentou usar um habeas corpus para liberar o aborto - óbvio que a ideia não colou.]Em suma, se um dia a população brasileira elegesse seus representantes políticos do Legislativo federal com a tendência de abolir os crimes de aborto acima mencionados, isso seria, ao menos a princípio, possível.

Entretanto, na realidade, há óbices de natureza jurídica para sequer cogitar essa liberação. 
Acontece que o Brasil é submetido a todo um sistema que é absolutamente incompatível com a tolerância ao abortamento
Em rápida síntese, a Constituição tutela o “direito à vida”, sem permitir “discriminações de nenhuma natureza”, o que é claramente impeditivo de graduações ou classificações para estabelecer qual vida é mais ou menos humana, qual vida é descartável. Além disso, o conhecido tratado sobre direitos humanos do Pacto de São José da Costa Rica determina, com evidência semântica, a proteção da vida humana “desde a sua concepção”. Há também tratado a respeito dos direitos humanos das crianças e adolescentes, que prima pela proteção integral, “antes” e após o nascimento. Tal normativa internacional é ratificada formalmente pelo Brasil com força de norma supralegal. Na legislação ordinária, o aborto é considerado crime, de modo que a vida intrauterina é um bem jurídico-penal. Na área cível, os direitos do nascituro são garantidos pelo Código Civil. A pretensão de liberação do aborto, ainda que por via legislativa escorreita e não por meios evasivos, seria, portanto, inviável, diante de todo um sistema jurídico que norteia o tratamento do nascituro, por normas constitucionais, convencionais e ordinárias.

- O STF instalou um procedimento de audiências públicas prévias ao efetivo julgamento do caso. Qual a importância dessas audiências? A população brasileira está ciente do processo que está em curso?

CABETE: A instalação de audiências públicas é um mecanismo interessante de participação popular direta na discussão de temas a serem julgados pela Corte Suprema. Essas audiências em si nada têm de criticáveis. O problema está no fato de que a Corte instalou essas audiências e permitiu que entidades que praticam abortos ou fornecem meios para a prática de abortos no Brasil ou, no mínimo, fazem anúncios de meios abortivos no Brasil, diante da legislação em vigor – atuassem como “Amicus Curiae”, o que é um disparate e revela uma enorme parcialidade, dando a impressão de que, infelizmente, as audiências públicas não foram realizadas para aclarar os argumentos diante da Corte, mas tão somente para dar uma aparência de imparcialidade e de disposição de ouvir argumentos conflitantes.

Quanto à ciência da população brasileira sobre o caso, pode-se dizer que com os atuais meios de comunicação, inclusive internet, há ao menos um conhecimento superficial da questão. O problema é que a própria iniciativa da ação se dá, obviamente, por uma militância específica, minoritária, mas muito barulhenta. A grande maioria da população brasileira, que não comunga dessa visão liberatória do aborto, acaba alijada da discussão porque não é engajada em movimentos ou ativismos. Isso se tornou muito visível nas próprias audiências públicas, nas quais entidades pró-aborto superaram numericamente as entidades e indivíduos contrários. Isso é paradoxal, pois o número de brasileiros contrários ao aborto é extremamente superior aos favoráveis, e tais pessoas estão sub-representadas nessa discussão. São uma maioria calada, oculta e até mesmo constrangida ou oprimida por uma “espiral de silêncio” ou um “efeito silenciador do discurso”.

- Em que medida esse caso reflete o estado das relações entre os poderes no Brasil? A que você atribui essa relação tumultuada? De quem é a culpa? E qual deve ser o papel do Legislativo nessa questão, daqui pra frente?

CABETE: Este caso é certamente um dos vários exemplos de conflitos desnecessários entre os poderes. 
O STF já criou crime por analogia, sem legislação adequada, no caso da homotransfobia e aplicação, por força jurisprudencial, da Lei de Racismo. Isso é algo inédito em um Estado Democrático de Direito que respeite o Princípio da Legalidade Estrita. Criar crimes por analogia, permitir analogias prejudiciais ao indivíduo na seara penal, é coisa que somente se vê em regimes totalitários, sendo exemplo histórico a aceitação dessa espécie de procedimento pela “Doutrina Penal Nazista” entre os anos de 1933 e 1945, assim como na legislação do regime comunista soviético. 
Isso com uma diferença importante: na Alemanha e na União Soviética não foi o Judiciário que se arvorou em legislador por conta própria, mas o regime é que lhe propiciou essa atividade atípica. Ali não havia uma invasão pelo Judiciário de atribuições de outros poderes, mas toda uma conjuntura social, política e da dogmática jurídica que atribuía essa possibilidade esdrúxula aos juízes.

O Legislativo deve, pelos meios adequados legalmente, saber impor limites, freios aos eventuais abusos do Judiciário, inclusive por meio do chamado recurso ao “backlash”, reeditando, se necessário, eventual legislação indevidamente alterada pelo Judiciário. Isso nada mais é do que impor a prática do regime de “freios e contrapesos” natural à tripartição dos poderes idealizada por Montesquieu há muito tempo e ainda de extrema utilidade para evitar abusos de qualquer dos poderes estatais, os quais se limitam entre si.

Há, enfim, uma atividade inadequada do STF, mas seria também inadequado ou até mesmo injusto apontá-lo como “culpado” desse estado de coisas, ao menos de forma isolada e não devidamente qualificada. Acontece que a judicialização da política tem sido uma tendência de forte corrente de pensamento, inclusive na área jurídica, o que certamente influencia os ministros da Suprema Corte, mergulhados num caldo cultural equivocado. Nessa situação pode ser que o STF, por meio de seus componentes, nem sequer tenha consciência do mal que produz à democracia, à legalidade, à constitucionalidade e à própria legitimação dos poderes, inclusive do próprio Judiciário.

Como esse episódio se relaciona com o fenômeno do “ativismo judicial”?

CABETE: É exatamente essa Judicialização da política que retrata uma face típica do chamado “ativismo judicial”. O “ativismo judicial” é um verdadeiro oximoro ou uma expressão autofágica. Afinal, o “ativista” deve necessariamente ser engajado em alguma “causa”, comprometido não somente em sua consciência, mas em atos exteriores de militância. Ora, isso é absolutamente incompatível com a necessária imparcialidade do julgador! Por isso a expressão “ativismo judicial” é contraditória, formada por palavras inconciliáveis. Como pode analisar e decidir de forma imparcial quem milita na causa a ser julgada?

Vemos hoje Ministros do STF se manifestando previamente em redes sociais e meios de comunicação de massa, externando sua posição política, ética, filosófica e jurídica a respeito de temas em julgamento naquela Corte. Mais que isso, se associando a movimentos de militância, por exemplo, pela legalização do aborto e fazendo palestras pelo país afora, com frases de efeito vazias e prenhes de ideologia como “as mulheres não são úteros a serviço da sociedade”, de maneira que não se vislumbra sequer um esforço para ao menos “parecer” imparcial, quanto mais para sê-lo efetivamente. A sobriedade e o caráter reservado, tão caros à figura de um magistrado, parecem ter se esvanecido na atualidade, de modo que se pode afirmar que o Judiciário como instituição se encontra em uma verdadeira crise de identidade que se pode classificar até mesmo como patológica.

O combate ao ativismo judicial, após sua infiltração nos meios culturais, sociais, políticos e jurídicos de forma extremada, não só no Brasil, mas no mundo, é algo bastante complexo. Assim como essa doutrina se foi desenvolvendo e penetrando o meio jurídico aos poucos e em diversos flancos, não é possível enfrentá-la e a ela se opor de forma simples. Não há caminho curto, nem fórmula mágica.  A demonstração de insatisfação popular é importante, mas não suficiente. Também é insuficiente a reação de políticos ou ocupantes de cargos públicos no executivo. Nada disso basta.

É uma ilusão pensar que a mera ocupação de cargos políticos por pessoas que compreendam o mal do ativismo judicial exacerbado poderá por cobro a esse problema. Na verdade, esse é um erro fatal, de quem não compreende minimamente a gravidade, a complexidade e dimensão do problema. Esse erro é comum não somente quanto ao ativismo judicial, mas em relação a muitos outros temas como os caminhos da educação, o enfrentamento da opressão e das insanidades do “politicamente correto” etc. Há necessidade de uma profunda revisão dessa doutrina de forma crítica em várias frentes: cultural, social, política e jurídica. Sem uma mudança das mentalidades e da aceitação acrítica do ativismo, sem a percepção real da sociedade e também dos intelectuais quanto a essa influência deletéria do ativismo, será impossível reverter o quadro atual.

Cabe ao intelectual denunciar as mazelas desse ativismo, mas também apontar os argumentos racionais, legais, lógicos e práticos que demonstram suas consequências deletérias. Trata-se de um trabalho de convencimento, de criação de uma massa cultural que não admita mais essas espécies de abusos que desvirtuam o regime democrático. Muitas vezes a atuação de uma pessoa – um popular, um intelectual, um jurista, um jornalista etc pode parecer e mesmo ser praticamente inócua. Entretanto, há que ofertar nosso testemunho histórico de não aceitação passiva desse fenômeno, entre outros vários. Há que, dentro de nossos estreitos limites, poder afirmar que, ao menos, diante dessas situações absurdas, não nos quedamos calados, intimidados ou simplesmente acomodados.

- A defesa do aborto não estaria garantida pela liberdade de expressão? Qual deve ser a fronteira para isso?

CABETE: Não resta a menor dúvida de que a defesa da descriminalização do aborto está garantida pela liberdade de pensamento e expressão. 
Não se pode impedir a discussão deste ou de qualquer outro assunto, por mais polêmico que seja. Deixo isso bem claro e evidenciado em meu livro. 
O que não é possível é admitir como “Amicus Curiae” (literalmente “amigo da Corte”) alguém ou alguma entidade que, na vigência da legislação atual – inobstante o intento de que seja alterada no futuro – simplesmente comete crimes e contravenções, inclusive em território nacional. O que não é admissível é que julgadores atuem de forma claramente parcial e até mesmo se envolvam na defesa de uma das teses a serem discutidas numa ação. Isso, aliás, é motivo de impedimento para que o julgador atue em determinado caso, senão de suspeição.
O limite da discussão está exatamente nisso. Discutir a questão, pensar e expressar suas opiniões não é algo passível de limitação de qualquer natureza. Não é possível, porém, praticar condutas que configuram ilícito penal e pretender que isso seja englobado pela liberdade de expressão. Pugnar a descriminalização de uma conduta é muito diverso de cometer ou colaborar para o crime que é ainda previsto na legislação.
Aceitar quem comete o crime na vigência da lei a ser discutida como alguém a opinar sobre a questão é algo incompreensível. Defender a liberação do aborto é totalmente diferente de praticar atos abortivos ou fornecer meios a terceiros para que o pratiquem na vigência do nosso Código Penal. Além disso, quem pode defender a descriminalização do aborto ou mesmo a continuidade de sua criminalização são as pessoas comuns, nunca os magistrados encarregados de proferir o julgamento da questão! Esses são limites lógicos, éticos e jurídicos que não podem ser ultrapassados. Somente uma sociedade doente e/ou inepta é incapaz de perceber essas mínimas condições para que qualquer questão possa ser debatida e decidida com justiça.

Luciano Trigo, escritor -Gazeta do Povo - Vozes

sábado, 6 de julho de 2019

Itamaraty, STF e a ideologia de gênero

Consolidando uma mudança política que começou em março deste ano, o Itamaraty está orientando os diplomatas brasileiros a afirmar que o país entende as menções a “gênero” em documentos internacionais na concepção tradicional de “sexo biológico”. A posição reflete crescentes questionamentos à disseminação da ideologia de gênero em fóruns internacionais, nos últimos 30 anos, e também a inflexão que as urnas ditaram ao rumo do Brasil em vários campos. Ainda assim, nos bastidores, já há quem se prepare para questionar as medidas do Ministério das Relações Exteriores perante o Supremo Tribunal Federal (STF), com base no recente julgamento que criminalizou a “homotransfobia”. [a propósito, o STF para suprir uma inexistente omissão do Congresso Nacional, mais uma vez ignorou o principio legal de que a analogia só pode ser usada quando favorecer o réu;
salvo nossa evidente ignorância jurídica ao equiparar a homotransfobia ao racismo, o Supremo utilizou o principio da analogia para punir o réu.]

O tema é delicado tanto pela dificuldade que alguns têm de compreender – até cremos que de boa fé – que o combate à ideologia de gênero não significa ser a favor da violência ou da discriminação contra quem quer que seja, quanto pela tentativa de controle judicial da política externa, que envolve discussões técnicas pouco usuais no Brasil. Em relação ao primeiro ponto, é preciso destacar, mais uma vez, que a ideologia de gênero é um conjunto de ideias, sem lastro científico, que busca dissociar por completo a expressão de gênero dos seres humanos de seu substrato biológico. De acordo com essa visão, que surge na obra de feministas radicais no final da década de 1940 e se espalha pelos fóruns internacionais a partir da década de 1980, o desejo e a vontade individuais passam a ser soberanos para definir a “identidade de gênero” dos indivíduos.
Diante desse quadro, é mais que razoável, e plenamente democrático, que um governo eleito possa executar um giro na política externa.

Opor-se a esse conjunto de ideias, como fazem filósofos e cientistas respeitáveis em todo o mundo, não significa, de forma nenhuma, compactuar com a violência, o preconceito e a discriminação contra pessoas transgênero, que devem ser protegidas de acordo com a dignidade inerente a todos os seres humanos. Da mesma maneira, não é possível aceitar a narrativa que ativistas querem vender a qualquer custo: a de que essas ideias seriam o único instrumental possível para orientar políticas de combate à discriminação, especialmente de mulheres, ao redor do mundo. Não é preciso aderir a esta ou aquela visão de “gênero” para condenar violações de direitos de mulheres e meninas em fóruns internacionais, nem para conceber ações para melhorar a vida dessas pessoas. Afinal, entre 1945 e 1995, quando a ONU falava apenas em sexo, e não em gênero, nem por isso deixava de se preocupar com esses temas.


Veja Também:

    O perigo cada vez maior do ativismo judicial
 

Ocorre que já se argumenta que a decisão do STF que criminalizou a “homotransfobia” entendeu que o conceito de discriminação na Constituição Federal abrange também a população “LGBTI+”, de modo que o novo posicionamento do Itamaraty seria inconstitucional. Essa posição, porém, além de ignorar o que foi exposto acima e as dificuldades próprias do controle de constitucionalidade da política externa, ignora que as linhas mestras da ideologia de gênero nunca foram transformadas em direito internacional. É verdade que o Brasil aderiu com força ao vocabulário de “gênero” no passado, mas nunca houve consenso sobre o tema devido à oposição de vários países.

Diante desse quadro, é mais que razoável, e plenamente democrático, que um governo eleito possa executar um giro na política externa nesse campo. Embora o acórdão do STF ainda não tenha sido publicado e não se saiba com exatidão qual fundamentação, com poder vinculante, o tribunal adotará, é espantoso que um ministro como Celso de Mello, que capitaneou o julgamento, aceite um conjunto de conceitos filosóficos altamente discutíveis como determinante e normativo. Revela um pendor autoritário que alguns grupos já pensem em se mover contra o Itamaraty com base nessa decisão. Mas ainda mais espantoso e autoritário seria se, com base nisso, o STF decidisse manietar as relações exteriores do Brasil.



Editorial - Gazeta do Povo