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terça-feira, 24 de setembro de 2019

Barbárie - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Quem mata uma menina pode matar as testemunhas e impor a versão de 'legítima defesa'

[uma pergunta que se impõe após a leitura do primeiro parágrafo:

o que a ilustre articulista e pessoas que tem opinião idêntica a dela - opinião contrária a que  a polícia endureça  no combate aos bandidos?

Talvez a resposta seja: moleza para os bandidos = policiais desarmados ou armados com estilingue (afinal Israel usa caças de última geração para matar civis palestinos desarmados) ou, no máximo, com revolver .38, e dez munição, enfrentem bandidos armados com fuzis.

Policiais morrem e ninguém faz nenhum protesto ou mesmo um gesto de solidariedade - uma criança inocente é covardemente assassinada (grandes possibilidades do disparo ter sido efetuado por traficantes, a eles cada criança morta é mais um ponto a favor deles, por fortalecer os  que defendem a interrupção das ações policiais contra o tráfico) - e logo se apressam a responsabilizar a polícia e a condenar ação dura da PM contra bandidos.

Defender bandidos as vezes é ruim para o defensor, bandidos não costumam ser gratos.]

Há dor, indignação e desespero com a morte da pequena Ágatha, mas não se pode dizer que haja surpresa. Não só a insegurança do Rio de Janeiro continua desesperadora como há uma onda estimulada pelo discurso do presidente da República e do governador do Estado, no sentido de que tem de endurecer, custe o que custar. Mesmo que custe vidas de inocentes, inclusive de crianças (desde que pobres e negras, bem entendido). Para Wilson Witzel, “é apontar na cabecinha e pou”. Visava a bandidos, mas o diminutivo acaba sendo macabro.

Assassinada com um tiro pelas costas, Ágatha é a quinta criança morta neste ano no Rio em circunstâncias envolvendo policiais. Morre a criança, liquida-se a família, acaba-se de vez com o amor-próprio de uma comunidade inteira e multiplica-se a indignação no País todo e para além das fronteiras, mas... nenhum desses crimes foi de fato investigado, ninguém foi punido.

É nessa realidade que o Brasil quer aprovar o “excludente de ilicitude”,apelidado de “licença para matar”, porque livra a cara de policiais que saiam matando os outros? O ministro Sérgio Moro diz que, pelo projeto que enviou ao Congresso, isso só vale para “legítima defesa”, e em serviço, e não tem nada a ver com o caso de Ágatha. Mas os limites são tênues...[é claro e correto o entendimento do ministro Moro  quando separa o caso Ágatha do projeto “excludente de ilicitude”, que se aplica não só a policiais e sim a qualquer pessoa que exerça o legítimo direito de defesa - seja o de autodefesa ou o de defesa de terceiros.
Ate agora, nada sustenta que partiu da polícia o tiro que vitimou a criança - exceto o tribunal formado pelos que são contra o trabalho policial, contra o direito da polícia de revidar quando agredida;
Mesmo que tenha partido da polícia, ocorreria o 'excludente de ilicitude', se a vítima fosse bandido, agredindo a polícia.
No caso, tivesse o tiro partido de uma arma dos policiais, seria considerado que Ágatha foi uma vítima inocente de um disparo efetuado por policial militar contra bandidos que estavam agredindo a guarnição.
O depoimento das testemunhas acusando o policial é fruto do receio de acusar traficantes - quantas horas aquele motorista que acusa a polícia, permaneceria vivo se acusasse um traficante? - e do desespero natural em uma tragédia que vitimou um criança.]

Radicalmente contra a medida, Nelson Jobim, o ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Justiça e da Defesa, diz que só a discussão, em si, já “estimula a polícia a fazer, mais e mais abertamente, o que já faz”. Ele explica que seria “legitimar a agressão por parte do poder público e sem o controle da operação, que seria do próprio policial”. Ou seja, corresponderia a outorgar ao policial “um poder discricionário”, porque é ele quem controla a operação, a versão e o desfecho. [o ex-ministro Jobim deve estar saudoso do uniforme de general que usava quando era ministro da Defesa - apesar de ser civil.]

Outro ex-ministro do Supremo vai além: se o policial sabe que não corre risco, que ficará impune e acaba atirando sem pensar até em crianças na escola, brincando e passeando com pais e avós, esse policial pode pisar ainda mais fundo nesse acelerador macabro. Se mata tão facilmente uma menina com um tiro nas costas, [talvez o fato de ser ex, tenha levado o ex-ministro a esquecer que existe todo um protocolo a ser seguido para comprovar o 'excludente de ilicitude' = mais rígido do que o utilizado para comprovar legítima defesa = incluindo investigação policial , perícia criminal, MP e Poder Judiciário.] que dificuldade teria para matar também as testemunhas? Basta alegar que elas o ameaçavam e foi tudo em legítima defesa. Sem testemunhas, qualquer história ganha asas. Ainda mais se o poder público autoriza, permite, até estimula. Barbárie.


Eliane Cantanhêde - MATÉRIA COMPLETA, em O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 23 de março de 2015

Entre a família de um policial chorar e a de um bandido, que chore a do bandido

A cada 34h, policiais de folga matam um em SP

Policiais civis e militares de folga mataram 255 pessoas no Estado de São Paulo em 2014 - uma a cada 34 horas. O dado, somado ao total de casos com policiais em serviço, aponta que 963 pessoas foram mortas por agentes de segurança no ano passado. Do total de homicídios, um em cada cinco foi registrado em decorrência de ação policial.

Desde 1992, ano do massacre de 111 presos no Carandiru, a polícia não matava tanto - naquele ano, foram 1.428 mortos. O dado completo - com as mortes de folga praticadas por PMs -, embora seja publicado no Diário Oficial do Estado, é omitido das estatísticas de criminalidade oficiais da Secretaria da Segurança Pública (SSP). Os dados, mantidos no site da pasta, mostram apenas os casos decorrentes de ações de policiais civis em folga: 21 ocorrências.

O total de mortes cometidas por agentes fora do horário de trabalho cresceu 17% na comparação com 2013, que registrou 218 ocorrências - as mortes em serviço aumentaram 107%. [os bandidos estão assaltando mais e, felizmente, dão azar, ao escolherem suas vítimas não sabem que são policiais de folga, mas, armados - direito inerente ao policial - e que reagem e sempre do confronto um bandido a menos;

só que também nesses assaltos é comum morrerem policiais, mas, a imprensa não tem interesse em divulgar que policiais também são mortos por bandidos.]

Por meio da Lei de Acesso à Informação, o jornal O Estado de S. Paulo obteve dados de 783 ocorrências relacionadas à atividade policial. São os casos registrados originalmente como "morte decorrente de investigação policial". Parte delas, entretanto, foi convertida para homicídio - praticado pelo agente de folga.


Registros
Entre esses casos está o retratado no Boletim de Ocorrência 4.208/14, do 24º Distrito Policial (Ponte Rasa), na zona leste. O fato aconteceu na Estrada Itaquera-Guaianases, em 28 de abril do ano passado. Um policial disse que ia ser roubado em um semáforo e reagiu, matando o suposto assaltante. [certamente a vítima agia de forma suspeita, forçando o policial a uma reação em defesa de sua própria vida; é comum, estarmos parados em semáforos e pessoas se aproximarem em atitude que força a dedução de que vão nos assaltar.]

O próprio registro, entretanto, mostra que o suspeito estava desarmado e os policias plantaram uma arma na cena do crime para justificar o homicídio. "Uma pessoa passou uma arma que estava em sua cintura aos outros dois, os quais passaram a aproximar-se do corpo do indivíduo desconhecido (o assaltante). Na sequência o soldado, o qual havia recebido a arma ao chegar próximo do corpo se abaixou e a sujou de sangue", diz o boletim.

Os policiais civis questionaram qual seria o motivo desse gesto. O PM autor dos disparos teria respondido "que era para que a ocorrência ficasse mais redonda, ou seja, sem rebarbas que poderiam causar-lhe problemas futuros", segundo o BO.

Parte dos registros obtidos pela reportagem relata casos de policiais presentes em estabelecimentos comerciais que estavam sendo assaltados, como lan houses, padarias e postos de gasolina. Mas há também ações de agentes de folga diante de assaltos a seus familiares. [traduzindo: se o policial está presente em uma lan house ou algum outro estabelecimento comercial que está sendo assaltado, ele deve reagir; mas, sendo a vítima do assalto um familiar do policial, não deve haver reação.E´isto mesmo???]

Um desses casos aconteceu, segundo o registro, em 6 de maio, na Rua Padre Virgílio Campello, em Itaim Paulista, zona leste. A mulher de um policial havia descido do carro do casal para abrir o portão de seu condomínio quando três homens, que estariam armados, abordaram-na.

O PM "desembarcou do veículo, se identificou como policial e lhes deu voz de prisão, ocasião em que resistiram à prisão e efetuaram disparos em sua direção, e que, por isso, passou a repeli-los, atingindo dois deles", diz o boletim. Um dos suspeitos morreu. O terceiro fugiu. [onde o policial errou? deveria concordar em ser assaltado junto com sua esposa e deixar que os bandidos descobrissem que era policial e o executassem?]


Controle
Para a socióloga Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, "não conseguimos romper com práticas institucionalizadas". "Quando o policial chega na rua, o que ele escuta é ‘esquece tudo que você ouviu na academia, aqui é a vida real’. Um segmento da polícia ainda entende o enfrentamento como uma forma de controle do crime." Essa postura explicaria em parte o aumento do número de morte em decorrência da ação policial. [exatamente socióloga Samira: na academia tudo é muito correto, perfeito; nas ruas, no dia a dia, na real, se o policial vacilar, morre.

Em quase 100% das ocorrências envolvendo policiais de folga a iniciativa sempre parte do bandido; ele é que decide o momento de iniciar a ação criminosa, felizmente, muitas vezes o policial consegue compensar o atraso e o bandido é abatido.]

Segundo ela, esse uso da força letal é uma ideia equivocada. "O senso comum acredita que essa é a forma de controlar. Mas os indicadores de criminalidade mostram que o enfrentamento não reduz o crime. No ano passado, por exemplo, a letalidade aumentou muito: houve uma pequena redução em homicídios, mas nos demais indicadores o aumento foi expressivo", diz. De fato, o total de roubos registrados pela polícia cresceu 20,6% no Estado em 2014 em comparação com 2013.


Respostas
A SSP não explicou por que os dados sobre a morte em decorrência da ação policial estão publicados de forma incompleta no site. "São consideradas mortes em decorrência de intervenção policial aquelas em que um membro da PM ou da Polícia Civil reage legitimamente a uma agressão levando um suspeito a óbito", diz a SSP, em nota. "Não entram nas estatísticas de morte em decorrência de intervenção policial os casos em que policiais cometem homicídios comuns. Também não são considerados os casos em que policiais reagem a assaltos ou outros crimes sem antes se identificar."

As informações são do jornal o Estado de São Paulo