O Estado de S.Paulo
Quem mata uma menina pode matar as testemunhas e impor a versão de 'legítima defesa'
[uma pergunta que se impõe após a leitura do primeiro parágrafo:
o que a ilustre articulista e pessoas que tem opinião idêntica a dela - opinião contrária a que a polícia endureça no combate aos bandidos?
Talvez a resposta seja: moleza para os bandidos = policiais desarmados ou armados com estilingue (afinal Israel usa caças de última geração para matar civis palestinos desarmados) ou, no máximo, com revolver .38, e dez munição, enfrentem bandidos armados com fuzis.
Policiais morrem e ninguém faz nenhum protesto ou mesmo um gesto de solidariedade - uma criança inocente é covardemente assassinada (grandes possibilidades do disparo ter sido efetuado por traficantes, a eles cada criança morta é mais um ponto a favor deles, por fortalecer os que defendem a interrupção das ações policiais contra o tráfico) - e logo se apressam a responsabilizar a polícia e a condenar ação dura da PM contra bandidos.
Defender bandidos as vezes é ruim para o defensor, bandidos não costumam ser gratos.]
Há dor, indignação e desespero com a morte da pequena Ágatha, mas não se
pode dizer que haja surpresa. Não só a insegurança do Rio de Janeiro
continua desesperadora como há uma onda estimulada pelo discurso do
presidente da República e do governador do Estado, no sentido de que tem
de endurecer, custe o que custar. Mesmo que custe vidas de inocentes,
inclusive de crianças (desde que pobres e negras, bem entendido). Para
Wilson Witzel, “é apontar na cabecinha e pou”. Visava a bandidos, mas o
diminutivo acaba sendo macabro.
Assassinada com um tiro pelas costas, Ágatha é a quinta criança morta
neste ano no Rio em circunstâncias envolvendo policiais. Morre a
criança, liquida-se a família, acaba-se de vez com o amor-próprio de uma
comunidade inteira e multiplica-se a indignação no País todo e para
além das fronteiras, mas... nenhum desses crimes foi de fato
investigado, ninguém foi punido.
É nessa realidade que o Brasil quer aprovar o “excludente de ilicitude”,apelidado de “licença para matar”, porque livra a cara de policiais que
saiam matando os outros? O ministro Sérgio Moro diz que, pelo projeto
que enviou ao Congresso, isso só vale para “legítima defesa”, e em
serviço, e não tem nada a ver com o caso de Ágatha. Mas os limites são
tênues...[é claro e correto o entendimento do ministro Moro quando separa o caso Ágatha do projeto “excludente de ilicitude”, que se aplica não só a policiais e sim a qualquer pessoa que exerça o legítimo direito de defesa - seja o de autodefesa ou o de defesa de terceiros.
Ate agora, nada sustenta que partiu da polícia o tiro que vitimou a criança - exceto o tribunal formado pelos que são contra o trabalho policial, contra o direito da polícia de revidar quando agredida;
Mesmo que tenha partido da polícia, ocorreria o 'excludente de ilicitude', se a vítima fosse bandido, agredindo a polícia.
No caso, tivesse o tiro partido de uma arma dos policiais, seria considerado que Ágatha foi uma vítima inocente de um disparo efetuado por policial militar contra bandidos que estavam agredindo a guarnição.
O depoimento das testemunhas acusando o policial é fruto do receio de acusar traficantes - quantas horas aquele motorista que acusa a polícia, permaneceria vivo se acusasse um traficante? - e do desespero natural em uma tragédia que vitimou um criança.]
Radicalmente contra a medida, Nelson Jobim, o ex-presidente do Supremo e
ex-ministro da Justiça e da Defesa, diz que só a discussão, em si, já
“estimula a polícia a fazer, mais e mais abertamente, o que já faz”. Ele
explica que seria “legitimar a agressão por parte do poder público e
sem o controle da operação, que seria do próprio policial”. Ou seja,
corresponderia a outorgar ao policial “um poder discricionário”, porque é
ele quem controla a operação, a versão e o desfecho. [o ex-ministro Jobim deve estar saudoso do uniforme de general que usava quando era ministro da Defesa - apesar de ser civil.]
Outro ex-ministro do Supremo vai além: se o policial sabe que não corre
risco, que ficará impune e acaba atirando sem pensar até em crianças na
escola, brincando e passeando com pais e avós, esse policial pode pisar
ainda mais fundo nesse acelerador macabro. Se mata tão facilmente uma
menina com um tiro nas costas, [talvez o fato de ser ex, tenha levado o ex-ministro a esquecer que existe todo um protocolo a ser seguido para comprovar o 'excludente de ilicitude' = mais rígido do que o utilizado para comprovar legítima defesa = incluindo investigação policial , perícia criminal, MP e Poder Judiciário.] que dificuldade teria para matar também
as testemunhas? Basta alegar que elas o ameaçavam e foi tudo em legítima
defesa. Sem testemunhas, qualquer história ganha asas. Ainda mais se o
poder público autoriza, permite, até estimula. Barbárie.
Eliane Cantanhêde - MATÉRIA COMPLETA, em O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário