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segunda-feira, 22 de março de 2021

A culpa é do juiz? - O Estado de S. Paulo

Carlos Pereira

O legislador constituinte escolheu juízes e procuradores para controlar o presidente [quem vai controlar os juízes e procuradores?]

Tem havido uma crescente insatisfação com uma suposta atuação excessivamente política do sistema de justiça brasileiro, em especial da sua Suprema Corte e do Ministério Público. É como se essas organizações de controle estivessem extrapolando suas funções estabelecidas pela Constituição. O descontentamento é tamanho que já voltam a aparecer movimentos de pedidos de impeachment de ministros do STF ou processos disciplinares contra procuradores da República. Juízes e procuradores nunca estiveram tanto em evidência ou foram tão criticados... 

Mas, é imprescindível lembrar que juízes e membros do Ministério Público se tornaram influentes na vida política não por consequência de usurpações unilaterais de poderes.  Esses poderes foram estrategicamente delegados pelo próprio legislador constituinte. A Constituição de 1988 consolidou a visão de que a atuação de juízes e promotores deveria ser autônoma e independente da vontade política. [só que ela, a cidadã, esqueceu de adaptar o artigo que estabelece harmonia e independência entre os Três Poderes ao fato de dois dos poderes serem controlados por um dos e por um órgão que nem poder é.]

Legisladores constituintes poderiam ter escrito regras e procedimentos específicos e detalhados com o objetivo de gerenciar os microfundamentos da atuação de juízes e promotores, diminuindo assim a sua autonomia e discricionariedade. Ao invés disso, preferiram escrever regras vagas e princípios gerais, deixando procedimentos sem uma clara especificação, delegando grande autoridade de ação e decisão para esses atores. 

Ao transferir ampla discricionariedade a juízes/promotores, os legisladores sabiam que estavam correndo riscos de que esse poder pudesse reverter contra os interesses dos próprios parlamentares. Mas, naquele momento, valia a pena à sociedade, ainda traumatizada pelo recente regime autoritário, pagar esse preço, pois existia um risco muito maior a ser enfrentado: a possibilidade de mau uso, e indiscriminado, de poderes pelo Executivo. 

A saída encontrada para esse dilema foi proteger os cidadãos, com o máximo de garantias possíveis, contra um presidente dotado de uma “caixa de ferramentas” de governo capaz de fazer valer suas preferências. Políticos são mais propensos a preferir estatutos de baixa discricionariedade para juízes e promotores quando o ambiente de monitoramento legislativo é suficientemente forte, já que eles preferem confiar em mecanismos ex post menos onerosos. Uma espécie de efeito substitutivo. 

Portanto, quando o Executivo se torna constitucionalmente poderoso através de um processo de delegação do próprio Legislativo, é de se esperar o desenvolvimento de sofisticadas redes de instituições de controle com a capacidade de restringir potenciais condutas desviantes do chefe do Executivo. 

A última barreira para a ampla dominância do presidente passaram a ser as instituições judiciais, que assim assumiram um papel de protagonismo na política. A Lava Jato, a investigação de familiares do atual presidente, ou mesmo a atuação individual e, em muitos casos, inconsistente de juízes da Suprema Corte representa a parte visível e mais impactante dessa escolha legislativa. 

Como tudo na vida, os sistemas políticos são moldados a partir de escolhas. É sempre um cálculo de perdas e ganhos que a sociedade está disposta a pagar e pretende auferir. Não existe solução ótima. O que muda com o tempo é a avaliação dos prós e contras e o entendimento dos riscos. Os movimentos e tentativas recentes de redução da discricionariedade política de juízes e procuradores podem ter o efeito de não apenas restringir a atuação destes, mas também o de potencialmente colocar a sociedade em situação pior que a atual, definida a partir da escolha do legislador constituinte de 1988. Afinal, com uma coleira fraca o “cachorro grande” pode causar estragos ainda maiores. 

Carlos Pereira - Professor, FGV - O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 22 de abril de 2015

Presunção de inocência x ampla defesa = excesso de recursos = impunidade

Tribunais de exceção

Prisão nos casos de réus condenados em segunda instância

O Brasil está passando por mais uma crise política, econômica e, sobretudo, ética. O escândalo da Operação Lava-Jato, de proporções hecatômbicas, tem levado a população às ruas para protestar contra a ousadia de políticos, agentes públicos e empresários envolvidos no triste episódio, que alçou o patamar da corrupção, num dos maiores episódios já ocorrido no planeta.

Invoca-se, nesse contexto, a necessidade de alteração legislativa, para que seja incluída previsão de prisão dos condenados em processos criminais logo após a prolação de sentença condenatória por juiz de primeiro grau, e antes mesmo do julgamento, em grau de recurso, da matéria por órgão colegiado de tribunal.

Essa proposta, entretanto, desconsidera e transgride o sistema constitucional brasileiro. De fato, a Carta de 1988, a chamada Constituição Cidadã, institui um sistema jurídico justo e moderno, reconhecido, em âmbito mundial, pelo expressivo avanço na área dos direitos e garantias fundamentais. É nesse cenário que se insere o princípio constitucional da presunção da inocência, aplicável ao direito penal, expressamente previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição, que preceitua, em norma cuja alteração é vedada ao próprio legislador constituinte: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". [curioso é que este principio não se aplica quando o acusado é policial, especialmente policial militar - ainda que oficial; temos casos de coronéis da PMERJ encarcerados em prisão de segurança máxima, sem que eventual sentença condenatória tenha transitado em julgado.
Na maior parte das vezes o encarceramento em tais condições ocorreu antes do primeiro julgamento.
E, mais grave, houve uma revogação 'branca' do CPPM que determina que oficiais PM devem ser presos - até trânsito em julgado de eventual sentença condenatória - em sla de Estado-Maior.]