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domingo, 3 de setembro de 2023

O CNJ afasta e investiga a juíza - Elio Gaspari

Guimarães Rosa avisou: as pessoas não morrem, ficam encantadas

 O Conselho Nacional de Justiça resolveu abrir um processo disciplinar contra a juíza Janaína Cassol Machado, afastando-a da 1ª Vara Federal de Florianópolis. Aconteceu o seguinte: No dia 18 de abril a juíza Cassol realizou a audiência de custódia de uma cidadã que havia sido presa (não existia mandado). Ela determinou que a prisão se tornasse domiciliar. Instada a expedir um alvará de soltura, respondeu: “Não haverá expedição de alvará de soltura pois não está sendo determinada a soltura da custodiada, mas sim mantida a sua preventiva com recolhimento em regime domiciliar, não se submete este Juízo a nenhuma outra documentação exigida, uma vez que a mesma se encontra detida por cumprimento de ordem de prisão preventiva emanada deste Juízo Federal Substituto e só está recolhida no Instituto Oscar Stevenson por conta de outro descumprimento por parte da Polícia Federal, uma vez que foi determinada a manutenção da custodiada na sede da Polícia Federal”.

Quando outra magistrada pediu uma cópia da ordem de prisão, bem como da ordem de recolhimento domiciliar, que deveria estar cadastrada no banco de dados das medidas penais, o BNMP, nenhum dos dois documentos existia. Havia apenas a decisão da juíza Cassol, com um ofício. O registro no BNMP é obrigatório, e o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, foi claro no relatório que resultou na sindicância e no afastamento da juíza: “O cumprimento não pode ficar condicionado à vontade da magistrada.”

A cidadã presa no dia 18 só foi liberada no dia 28. Salomão foi adiante, com uma citação do jurista Lourival Serejo: “O juiz prudente é aquele que ‘pensa antes de decidir, que avalia as consequências de seus atos, de suas decisões; que não admite a primeira versão do fato que lhe chega como verdadeira’; e que sopesa ‘os impactos exógenos das suas decisões’”.

No dia 14 de setembro de 2017, autorizada pela juíza Janaína Cassol, a delegada da Polícia Federal Érika Marena prendeu Luiz Carlos Cancillier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, e seis outros servidores. Eram todos acusados de uma fraude milionária, matematicamente impossível.  
No dia 29, depois que outra magistrada havia revogado a prisão, ela limitou seus movimentos no campus.

Na manhã de 2 de outubro, Carlos Cancillier matou-se.

O olhar da PF e de Moraes
Quem leu com atenção o relatório da Polícia Federal que instruiu a decisão do ministro Alexandre de Moraes mandando prender a cúpula da PM de Brasília, pode perceber que as investigações correram numa linha que documenta o corpo mole da segurança no dia 8 de janeiro. Coisa minuciosa, documentada com a precisão dos minutos.

Tratando do caso dos PMs, o documento é claro: “A ‘falha’ operacional não decorreu de deficiências dos serviços de inteligência da PMDF.
O que ocorreu, em verdade, foi omissão dolosa por parte dos denunciados que, com unidade de desígnios, aceitaram os resultados visados pela turba antidemocrática e aderiram ao intento criminoso dos insurgentes.

Os agentes de segurança pública denunciados poderiam ter atuado para impedir os resultados lesivos verificados em 08 de janeiro de 2023, pois obtiveram informações sobre os riscos inerentes aos atos.”

A linha de defesa dos generais e coronéis que se julgam protegidos pela teoria do “apagão” foi triturada no caso dos PMs. Eles precisam de bons advogados.

Corda esticada
Até a semana passada, o ministro Fernando Haddad mantinha sua posição de defesa do déficit zero nas contas públicas até o final de 2024. Era uma posição compreensível. Se ele afrouxasse a corda, abriria a porteira. A ministra do Planejamento chegou a dizer que “o futuro a Deus pertence”.

A partir de agora os çábios serão obrigados a apresentar explicações para esclarecer um futuro previsível, com o qual o Padre Eterno nada tem a ver, para justificar uma meta inalcançável sem cortes de gastos.

As receitas extras de R$ 168 bilhões são um sonho.

(...) 

Dois antecessores de Cid e Bolsonaro
O tenente-coronel Mauro Cid e seu chefe, Jair Bolsonaro, encrencaram-se porque um e outro desconheceram as lições de um chefe militar e de um notável ajudante de ordens.

O chefe militar foi o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de 1936 a 1945. Ele precisava recrutar um ajudante de ordens e pediu que a cada dia um candidato o acompanhasse ao sair do ministério. Veio o primeiro, Dutra disse-lhe que iriam para sua casa, em Ipanema. A certa altura o general disse ao motorista que seguisse em direção à Zona Norte. O capitão, polidamente, corrigiu-o.

No dia seguinte veio o segundo, e a cena repetiu-se. O capitão ficou calado. Dutra nomeou-o.

Em 1977 o capitão Juarez Marcon, ajudante de ordens do general João Baptista Figueiredo, acompanhava o chefe numa visita à Bahia. Eles embarcaram num navio da Marinha, o mar estava encapelado e Figueiredo, fardado, conversava na popa. Marcon andou até ele, pediu-lhe o quepe e voltou para onde estava.

Quando lhe perguntaram por que pegou o quepe, ele respondeu: “Porque o navio está jogando muito. Se o general cair na água, não faltará quem se atire para socorrê-lo. Se cair só o quepe, quem terá que se jogar serei eu.”

(...)
 
Folha de S. Paulo - Jornal O Globo - Elio Gaspari, colunista
 
 

sábado, 16 de janeiro de 2021

Bolsonaro colhe uma derrota que poderá abreviar o seu mandato - Blog do Noblat

Ricardo Noblat

O Brasil só teria a ganhar com isso

Políticos de faro aguçado e olhar de águia, alguns com mandato e outros sem, detectaram nos últimos dias o crescimento do número de deputados federais e de senadores favoráveis à abertura de um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Isso poderá se dar enquanto Rodrigo Maia (DEM-RJ) ainda for presidente da Câmara – e faltam apenas 16 dias para que deixe de ser. Ou então se o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato de Maia e da oposição ao governo, sucedê-lo no cargo.

[os inimigos do Bolsonaro não se conformam com o fato de que desde janeiro 2019, acordam todo dia e o presidente está  firme e forte.

Aliás, pesquisas da popularidade do capitão continuam sendo realizadas, só que não são divulgadas - o motivo é que a divulgação da popularidade presidencial segue a máxima do ex-ministro Rubens Ricupero - "Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde." -   e divulgar pesquisa com o capitão crescendo não está, na ótica de seus inimigos,  entre o que é faturável.]

Bolsonaro, como qualquer presidente da República até mesmo na época da ditadura militar, coleciona derrotas. O Presidente pode muito, não tudo. Mas ele só faz perder desde que decidiu tratar a Covid-19 como se não passasse de uma reles gripezinha. Não procedeu assim somente por ignorância, embora no seu caso a ignorância seja abissal, também por cálculo. Acreditou que o vírus seria detido matematicamente depois de infectar 70% dos brasileiros. [Bolsonaro defende a imunidade de rebanho, que existe, sendo reconhecida por cientistas, o inconveniente é que o custo é caro - por depender de elevado número de contágios. 
De qualquer modo a frase sobre o que o presidente acreditou - acima, negritada - não teve e nem terá (a pandemia será controlada antes) oportunidade de se concretizar = o número de brasileiros infectados não alcançou, nem alcançará, sequer 5%. Assim, o percentual de 70% é absurdo. Além de que a vacina, ou vacinas, somada ao número de contagiados, ajudará no alcance da imunidade coletiva.] Acima de tudo, o importante era salvar a economia.

Que morressem, portanto, os que tivessem de morrer – e Bolsonaro jamais imaginou que morreria tanta gente que não fosse apenas velha e sofresse de outras doenças. [em 2020, em dez meses e quinze dias, morreram de doenças cardiovasculares mais de 350.000 pessoas. Este ano, já morreram mais de 17.000.] O kit de drogas ineficazes recomendado por ele era para dar tempo ao tempo.O vice-presidente Hamilton Mourão disse mais de uma vez que a situação estava sob controle rigoroso – só não sabia por quem. Depois de livrar-se de Luiz Mandetta na Saúde e de Sérgio Moro na Justiça, Bolsonaro achou que controlava todas as ações.

Quebrou a cara, como agora deve ter percebido. Ocorre que quebrou a cara a um preço para além do suportável pela maioria dos seus governados. Líder político algum desdenha da morte sem ser punido, e ele desdenhou. Pagará caro por isso. Bom que pague. Por mais que fale que o Supremo Tribunal Federal o impediu de combater o coronavírus,  - como só ontem falou mais de 20 vezes em 53 minutos de palanque que lhe ofereceu Luiz Datena em seu programa na BAND, é difícil que consiga novos adeptos. [Bolsonaro apenas aponta um fato. Aliás o presidente, sabiamente, destacou
o feito, ou malfeito, do STF, ainda em abril passado,  quando marchou até a sede do Supremo, dando um destaque inusitado à suprema decisão.]

Por mais que ataque o governador João Doria (PSDB-SP) dizendo que ele não é homem, veste calça apertada e quis destruir a economia com medidas de isolamento social, não apagará a realidade de que Doria tem [tem? se tem, o que impede que comece a vacinação?]  a vacina e ele, não. Quando Manaus parou de respirar devido à falta de oxigênio, Bolsonaro tentou distrair a atenção do seu público cativo com a promessa de que a vacinação em massa teria início na próxima terça-feira – o tal do Dia D do general Eduardo Pazuello.

Não havia vacina garantida. O avião com destino à Índia para buscar 2 milhões de doses ficou retido no Recife. O jeito foi Bolsonaro se render à vacina da China, do Butantã e de Doria. Quer confiscar todo o estoque guardado em São Paulo. [todo o quantitativo de vacinas que for solicitado pelo Ministério da Saúde, será entregue pelo Butantan - o Programa Nacional de Vacinação é administrado pelo Governo Federal e tem prioridade sobre qualquer programação estadual.] Essa é uma fragorosa derrota capaz de marcar para sempre um desgoverno. Maior do que essa, talvez o impeachment que para Bolsonaro não seria tão mal assim. Diria que foi vítima de um golpe, desfrutando até morrer dos privilégios de um ex-presidente. [até morrer? será que sugestão de suicídio, menção a morte do presidente Bolsonaro, expressa algum desejo? 
(Bolsonaro e  todos os seres humanos morrerão, cabendo unicamente a DEUS decidir a data, quando, onde e como.]

De todo modo, o Brasil sairia no lucro se isso de fato acontecesse.

Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA