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sexta-feira, 4 de agosto de 2023

STF e STJ sinalizam guinada brasileira rumo à descriminalização da maconha

As duas principais instâncias judiciárias indicam que o país pode se aproximar de uma tendência mundial que reúne nações como Canadá, Holanda e Portugal

Na quarta-feira 2, o Supremo Tribunal Federal voltou a julgar um processo que pode mudar o entendimento sobre a maconha no Brasil.  
De caráter de repercussão geral, a ação foi apresentada pela Defensoria Pública de São Paulo contra a condenação de um homem flagrado com 3 gramas da droga em 2009. 
O caso começou a tramitar na Corte em 2011 e parou de andar em 2015, quando Teori Zavascki pediu vista. 
Após a sua morte, em 2017, o processo ficou com seu substituto, Alexandre de Moraes, que o devolveu ao plenário no fim de 2018. 
Desde então, nada aconteceu, até que a presidente Rosa Weber trouxe a discussão novamente à pauta. Moraes deu, então, o quarto voto pela descriminalização — antes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso haviam se manifestado no mesmo sentido. 
O julgamento foi suspenso por sugestão de Gilmar, o único a estender a medida a todas as drogas, para que os magistrados pudessem buscar uma posição alinhada. Mas já é possível dizer que, em razão do perfil dos ministros, o desfecho tende a ser em favor da flexibilização da posse de Cannabis para uso recreativo, o que seria a maior mudança da Lei Antidrogas desde que ela entrou em vigor, em 2006.
[IMPERIOSO considerar que:
Se liberar a posse de drogas para uso próprio, o usuário vai ter q comprar de alguém, q vai vender = portanto estará liberado, inevitavelmente, a COMPRA e VENDA de DROGAS = TRÁFICO. Assim, o STF além de INVADIR a competência do LEGISLATIVO estará LIBERANDO GERAL o TRÁFICO.
É o que pensamos.]

Enquanto isso, a utilização medicinal da planta avança um pouco mais rápido em outra alta Corte judicial. Só neste ano, vinte cidadãos bateram à porta do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e saíram de lá com um salvo-conduto para plantar Cannabis com essa finalidade sem serem incomodados pelas autoridades. 
As decisões vieram de sete ministros, o que mostra o espraiamento desse entendimento no tribunal. 
Ele havia estabelecido um marco em 2022, quando concedeu, pela primeira vez e por unanimidade, autorização para três pessoas cultivarem a erva em casa. Esses pacientes já usavam medicamentos à base de Cannabis para câncer, insônia e ansiedade generalizada e alegaram dificuldades para importar os produtos devido ao alto custo. 
O avanço da Cannabis medicinal nos tribunais não ocorre apenas no STJ. Segundo estimativa da Rede Reforma, um coletivo de juristas que atua pela mudança da política de drogas, há mais de 3 000 decisões amparando o cultivo doméstico por pessoas físicas desde 2016 no país. Além disso, dez associações, de seis estados, obtiveram via judicial a permissão para plantar Cannabis para uso medicinal.

arte cannabis

A abertura dessa trincheira jurídica nasceu com a luta de um casal por sua filha. Com pouco mais de 1 mês de vida, Sofia teve as primeiras crises epilépticas de um longo histórico de convulsões. Aos 2 anos e meio, foi diagnosticada portadora de uma deficiência do gene CDKL5, uma síndrome rara que compromete gravemente o desenvolvimento intelectual, da fala e dos movimentos. Depois de lançar mão de todas as possibilidades farmacológicas, e até de uma cirurgia, os pais, Margarete Brito e Marcos Langen­bach, descobriram que uma criança com uma condição parecida se tratava com Cannabis nos Estados Unidos e tinha ótimos resultados. Eles se arriscaram importando ilegalmente o óleo de maconha, correndo o risco de serem presos por tráfico internacional de drogas, mas a ameaça perdeu importância quando testemunharam a diminuição no número de crises epilépticas da filha. O apetite, o sono e o quadro geral da menina também melhoraram. Outros pais e mães procuraram a ajuda do casal. “Havia casos de sessenta, oitenta convulsões por semana que com a Cannabis zeraram essas crises.” Em 2014, criaram a Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi) e, em 2016, conquistaram na Justiça o primeiro habeas corpus de plantio para fins medicinais. Em cinco anos, o cultivo no apartamento de 70 metros quadrados migrou para uma área de 37 hectares em Paty do Alferes, no Rio de Janeiro, onde se encontra hoje a maior fazenda de Cannabis do país, com 4 000 plantas, que produzem medicamentos para 7 500 associados.
 
(...)
 

PLANTIO LEGAL - Fazenda da Apepi (RJ) e o casal Margarete Brito e Marcos Langenbach: 7 500 pacientes 

 PLANTIO LEGAL - Fazenda da Apepi (RJ) e o casal Margarete Brito e Marcos Langenbach: 7 500 pacientes (Leo Lemos; Aline Massuca/.)

A procura pelo Judiciário para acesso à Cannabis se dá também por causa da omissão do Legislativo. Há pelo menos vinte projetos de lei na Câmara e no Senado engavetados pela resistência política, em especial da bancada evangélica. Um dos mais avançados, o PL 399, que permite o cultivo para fins medicinais, foi apresentado em 2015 por Fábio Mitidieri (PSD), hoje governador de Sergipe. A proposta passou por uma comissão especial, mas sua aprovação mostra o tamanho da encrenca: a votação terminou com 17 votos a favor e 17 contra e foi desempatada pelo relator, Luciano Ducci (PSB-­PR). O projeto deveria ser conclusivo, ou seja, ir dali direto para o Senado, mas houve recurso para que fosse votado em plenário, o que não tem data para ocorrer. A oposição à proposta foi basicamente de cunho ideológico. “Vivemos um período de crescimento do conservadorismo no país e de muitas fake news, falta trato político para que o projeto avance”, diz Mitidieri. O grau de dificuldade para o tema tramitar no Congresso também foi dado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, em discurso feito logo após a retomada do julgamento. Ele considerou a discussão no STF uma “invasão de competência do Legislativo” e disse que a descriminalização deveria vir acompanhada de uma política pública mais ampla sobre entorpecentes. “De quem se irá comprar a droga? De um traficante de drogas, que pratica um crime gravíssimo equiparado a hediondo”, afirmou.[apesar da nosso nosso repúdio  à conduta omissa sobre andamento de providências de competência exclusiva do Senado, temos que concordar que sua pergunta foi inteligente, inevitável, e repetimos o que  postamos acima e também no Twitter:

"[IMPERIOSO considerar que:
Se liberar a posse de drogas para uso próprio, o usuário vai ter q comprar de alguém, q vai vender = portanto estará liberado, inevitavelmente, a COMPRA e VENDA de DROGAS = TRÁFICO. Assim, o STF além de INVADIR a competência do LEGISLATIVO estará LIBERANDO GERAL o TRÁFICO.
É o que pensamos.]"
 Enquanto o tema segue travado no Legislativo, a troca de guarda no Executivo trouxe esperança de uma nova abordagem sobre o assunto. “Engraçado: maconha pode, cloroquina não pode”, afirmou o então presidente Jair Bolsonaro ao anunciar que vetaria iniciativa aprovada pelo Congresso para liberar a produção industrial de medicamentos à base de Cannabis. Já o governo Lula vem dando sinais de que é simpático à causa, apesar de alguns tropeços, como a recente decisão da Anvisa que proíbe a importação de flores de Cannabis para a produção de remédios cannábicos. A disposição progressista nessa área também será colocada à prova diante das necessidades do governo em não jogar fumaça em meio ao esforço para consolidar base de apoio num Congresso majoritariamente conservador.
PODER - Viviane Sedola: empresária da Cannabis integra o “conselhão” de Lula
PODER – Viviane Sedola: empresária da Cannabis integra o “conselhão” de Lula (./Arquivo pessoal)
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arte cannabis


EM ALTA - Ato pelo uso medicinal da maconha: em 2023, a Anvisa deu 66 000 autorizações para importar canabidiol
EM ALTA - Ato pelo uso medicinal da maconha: em 2023, a Anvisa deu 66 000 autorizações para importar canabidiol (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

A história da maconha no Brasil é antiga, mas nem sempre foi ilegal. Estudiosos afirmam que a erva foi trazida ao país pelos escravos africanos. Em 1938, Getúlio Vargas publicou decreto-­lei que classificou a Cannabis como entorpecente e proibiu o plantio, o cultivo, a colheita e a exploração. Durante a ditadura, um decreto-lei modificou o Código Penal para equiparar o usuário ao traficante. A Lei Antidrogas sancionada em 2006 por Lula, por sua vez, estabeleceu de vez a confusão ao não especificar os critérios para diferenciar usuário e traficante, o que deixa a decisão para cada autoridade. “Antes se prendia o usuário, ele tinha uma sanção privativa de liberdade, mas que permitia a substituição por penas alternativas. A partir da nova lei, com a mesma quantidade, esse passou a ser, inúmeras vezes, classificado como pequeno traficante”, lembrou Moraes em seu voto — ele defende um parâmetro de até 60 gramas para classificar uso pessoal. Segundo o Ministério da Justiça, 28% da população carcerária está presa por crimes previstos nessa lei. Um estudo do Ipea revelou que 59% dos réus por tráfico portavam até 150 gramas. “Essa lei criou o encarceramento em massa”, afirma Gabriella Arima, diretora da Rede Reforma.

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LOTAÇÃO - Penitenciária em Natal: 28% dos presos do país cumprem pena por crimes ligados às drogas
LOTAÇÃO - Penitenciária em Natal: 28% dos presos do país cumprem pena por crimes ligados às drogas (Fellipe Sampaio/SCO/STF)

Evidentemente, o caminho da legalização não implica ignorar problemas de saúde provocados pelo consumo recreativo da droga e tampouco abrir espaço para prescrições terapêuticas sem amparo em pesquisas científicas. Mas é alvissareiro, após anos de debate ofuscado por questões ideológicas, religiosas ou morais, o fato de o Brasil caminhar na direção certa, com suas instituições, em ritmos variados, debruçando-se sobre o tema como deve ser: com viés técnico, levando em conta o que é interesse do cidadão, da sociedade e do país, sem os tabus e equívocos do passado.

MATÉRIA COMPLETA em VEJA

Publicado em VEJA, edição nº 2853 de 9 de agosto de 2023


sábado, 15 de maio de 2021

O mal travestido de bondade - Revista Oeste

LEGALIZAR A MACONHA = MAIS UM CRIME HEDIONDO = aborto = pedofilia e outros do tipo 

Estudos e estatísticas comprovam: a legalização do cultivo da maconha para uso medicinal é apenas o primeiro passo para o caos que está logo ali adiante

O Projeto de Lei nº 399/2015, de autoria do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), viabiliza o plantio regulamentado da Cannabis sativa — a maconha e a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta em sua formulação. O texto do projeto, que já tramita há mais de seis anos na Câmara, propõe que o plantio da maconha seja feito por empresas farmacêuticas e de pesquisa. Há quase dois anos, em dezembro de 2019, a Anvisa regulamentou o uso medicinal da planta, mas vetou seu cultivo no país.

O CBD, ou canabidiol, é um dos princípios ativos da Cannabis sativa e compõe até 40% dos extratos da planta, podendo ser usado como medicamento para diversas doenças que variam de fibromialgia a epilepsia severa. Em 2015, a Anvisa retirou o CBD da lista de substâncias ilegais, passando-o para a de substâncias controladas, exigindo laudo médico e receita para a importação e o uso. Sob o manto da “bondade” da necessidade de produção de CBD para pessoas doentes, o projeto lei está também de olho nas oportunidades para o agronegócio. Liberar a plantação de maconha poderia gerar bilhões de reais. E milhões de problemas.

Envolvido no debate sobre o assunto, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) recentemente declarou que é “lamentável que o lobby da maconha que atua nos bastidores do Congresso Nacional venha a usar crianças com o mito de maconha medicinal” para aprovar o PL 399/2015. Segundo Girão, as crianças que têm problemas como epilepsia refratária e tratam a doença com o CBD não são o principal foco do projeto. Cerca de 4 mil crianças são beneficiadas com o canabidiol, e a demanda do óleo para esses pacientes é perfeitamente suportada pela importação da medicação e pela distribuição via SUS. Outros parlamentares, como a deputada Bia Kicis, advertem que o verdadeiro interesse da proposta usa a blindagem da imagem das crianças para comercializar a droga para uso recreativo.

Aqui nos Estados Unidos, esse é “um trem que já partiu da estação”, como dizem os mineiros. Devido ao federalismo norte-americano e à autonomia e independência dos Estados para passarem suas legislações, experiências sobre o tema já podem ser analisadas por números. Em alguns Estados, o plantio e o uso destinam-se exclusivamente a propósitos medicinais; em outros, é permitido também o uso recreativo. E são exatamente esses “laboratórios de democracia” que podem nos mostrar — em números e estatísticas, e não em discursos ideológicos glamorizados — as portas que podem se abrir no Brasil. Para analisar o que está em jogo, vamos atrás de quem entende do assunto.

O norte-americano Kevin Sabet foi três vezes conselheiro do Gabinete de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Brancae o único especialista indicado para o cargo tanto por administração republicana (George W. Bush) quanto por gestões democratas (Bill Clinton e Barack Obama). Sabet, professor na Escola de Medicina da Universidade de Yale e autor do livro Smoke Screen — O Que a Indústria da Maconha Não Quer Que Você Saiba, alerta para os vários perigos de um projeto de lei como o apresentado na Câmara brasileira. Kevin, com quem conversei há algumas semanas, chama a atenção para o fato de que foi exatamente assim — sob o manto da “maconha medicinal” — que alguns Estados norte-americanos abriram a porta para a droga e hoje veem seu uso legalizado para recreação. “Creio que nossa experiência com produtos farmacêuticos que são, obviamente, legais, assim como álcool e tabaco, foi um desastre total do ponto de vista dos custos e das políticas públicas. Nunca regulamentamos essas drogas de forma responsável. Lobistas e empresas com interesses especiais são os donos das regras quando se trata dessas drogas. Queremos mesmo repetir a história? Agora é com a maconha, mas realmente poderia ser qualquer substância. E estaremos falando sobre a legalização de outras drogas se a maconha for nacionalmente aprovada. Em termos dos objetivos das políticas de muitas dessas organizações, isso não vai parar na maconha”, diz Kevin, assinalando sempre que a “normalização do uso medicinal da Cannabis é apenas o primeiro passo.)

Há dados impressionantes nas pesquisas do ex-conselheiro de democratas e republicanos quando o assunto é drogas. Kevin Sabet é hoje presidente e CEO do instituto Smart Approaches to Marijuana (SAM), organização que desenvolve estudos e promove alianças e palestras nos EUA e no mundo para difundir as reais consequências da liberação da maconha.

Uma das muitas pesquisas de Sabet apresenta dados alarmantes de lugares em que a droga em poucos anos passou de uso medicinal — adquirida apenas com receita médica — para recreacional. Eis alguns dos resultados em Estados como Colorado e Washington:

  • taxas crescentes de uso de maconha por menores;
  • aumento das taxas de prisão de menores, especialmente crianças negras e hispânicas;
  • taxas mais altas de mortes no trânsito por direção sob efeito da substância;
  • mais intoxicações relacionadas à maconha e mais hospitalizações;
  • crescimento do mercado negro, que agora, no Colorado, chega até a envolver um cartel mexicano.

Desde que o Colorado e o Estado de Washington legalizaram a maconha, o uso regular da droga entre crianças de 12 a 17 anos está acima da média nacional e avança mais rápido do que a média nacional. Além disso, o Colorado agora lidera o país entre os jovens de 12 a 17 anos em:

  • uso de maconha no ano passado;
  • uso de maconha no último mês;
  • porcentagem de indivíduos que experimentam maconha pela primeira vez.

O Colorado, o primeiro Estado a legalizar a droga para uso recreacional, em 2012 — antes era permitido apenas o emprego medicinal —, hoje é o campeão no uso de maconha por menores. Outro problema envolvendo menores está na taxa de suicídio entre adolescentes. A maconha, junto com opioides, está agora diretamente relacionada a essa trágica estatística. Os crimes relacionados a drogas e narcóticos em Denver, a capital do Estado, aumentaram cerca de 11% ao ano desde a legalização da droga. Enquanto ainda não está claro se a legalização causou esse aumento, os números contradizem as promessas de quem defende que a medida seria capaz de reduzir as taxas de criminalidade.

Entre os jovens, as tendências sugerem que a legalização da maconha esteja associada a maior incidência de infrações escolares no ensino médio. Mais do que nunca jovens em liberdade condicional apresentam testagem positiva para maconha. Em apenas três anos, a taxa do uso da droga aumentou de 28% para 39% entre — pasmem! — crianças de 10 a 14 anos.

Impacto nas comunidades negras e latinas
Uma investigação de 2016 feita pelo jornal Denver Post, e adicionada à pesquisa do instituto de Sabet, revelou que uma parcela desproporcional do mercado da maconha no Colorado está localizada em comunidades de baixa renda. Um dos bairros periféricos de Denver tem, por exemplo, um negócio da droga para cada 47 residentes. Em Baltimore, no Estado de Maryland, um estudo da Universidade Johns Hopkins constatou que negros que vivem em enclaves raciais são oito vezes mais propensos a ter lojas de bebidas alcoólicas do que aqueles que moram em bairros racialmente integrados. No Colorado, ironicamente, mais hispânicos e negros menores de idade estão sendo presos por crimes relacionados à maconha. Em 2012, após a legalização do uso recreativo, o aumento foi de 29%. Não ficou nisso. Em 2014, já tinha chegado aos 58%. Ao mesmo tempo, o número de brancos abaixo de 18 anos presos pelos mesmos crimes caiu para 8%.

Outro ponto da vasta pesquisa trata da condução de veículos sob efeito de maconha. Esse tem sido um problema sério e crescente nos Estados onde a droga é legalizada. Muitos defensores da legalização sugeriram que o uso de maconha poderia reduzir o consumo de álcool. Aconteceu o contrário. No Colorado, o consumo de álcool per capita aumentou. Desde 2012, estudos indicam que a maconha frequentemente estimula o uso de álcool. Além disso, estão em desenvolvimento cervejas e vinhos com maconha.


A atividade no mercado negro desde a legalização
A utopia dos militantes da legalização de drogas sobre um suposto aumento de receita tributária e redução do crime não se materializou. De acordo com o estudo do instituto SAM, a receita gerada com o imposto sobre o consumo da droga compreende uma minúscula fração do orçamento do Colorado, menos de 1%. Distritos escolares do Estado nunca viram um único dólar dos impostos estaduais sobre a maconha. No Estado de Washington, metade do dinheiro prometido para políticas de prevenção e melhoria de escolas foi desviada para o fundo geral estadual.

Nas florestas do norte da Califórnia, as operações policiais continuam a descobrir fazendas de plantações ilegais. Aqui no sul do Estado, centenas de serviços de entrega ilegal de maconha, alguns deles registrados até como igrejas, atendem a um fluxo constante de clientes. A Califórnia legalizou a maconha para uso recreacional em 2016, quando, por meio da Proposição 64 (Marijuana Act), estabeleceu impostos e autorizou o cultivo, a venda, a posse e o consumo de Cannabis para adultos acima de 21 anos para fins não médicos.

Os policiais dizem que o mercado ilegal e sem licença ainda está prosperando e em algumas áreas até se expandiu. Thomas Allman, xerife do condado de Mendocino, é categórico: “Há muito dinheiro a ser ganho no mercado negro”. Ele informa também que recentes operações apreenderam mais de US$ 5 milhões em óleo de Cannabissim, o CBD, cultivado ilegalmente para venda no mercado negro. “A legalização certamente não tirou os policiais do trabalho”, disse Allman.

Até o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, já declarou que os cultivos ilegais são um problema, e que tropas da Guarda Nacional estão em constantes operações na fronteira com o México para desativar fazendas ilegais. O Estado tem um mercado ilegal em crescimento que canibaliza a receita de empresas licenciadas. Algumas delas são forçadas a fechar as portas. Empresários do setor, que passaram décadas evitando a lei, agora estão recorrendo a ela para exigir a instauração de processos contra empresas de maconha não licenciadas. Ah, a ironia.

O fato é que a indústria da Cannabis explodiu com supervisão mínima. Agora, muitas empresas que vendem a droga estão relutantes em passar pelo processo complicado e caro para obter as licenças que se tornaram obrigatórias. A licença até vem, mas junto com uma das maiores mordidas fiscais dos Estados Unidos. O comércio ilícito foi fortalecido também pela crescente popularidade do vaping, balas com infusão de maconha, chocolates, bolos e outros produtos derivados. Os cartuchos para vaping são muito mais fáceis de carregar e esconder do que sacos de maconha crua. Os incentivos monetários do tráfico também permanecem poderosos: o preço dos produtos de maconha em lugares como Illinois, Nova York ou Connecticut é normalmente muitas vezes mais alto do que na Califórnia, o que faz com que aumentem exponencialmente as vendas ilícitas a partir do Estado.

De volta ao Colorado, a legalização da maconha parece ter mesmo aberto a porta para as operações dos cartéis mexicanos. A Procuradoria-Geral do Estado observou que a legalização ajudou a alimentar o negócio dos cartéis, que agora trocam drogas como heroína por maconha. Houve também aumento do tráfico de pessoas — imigrantes ilegais que vêm do México para atuar nas operações criminosas. Imagino que se você for um libertário, mesmo depois de todos os estudos e estatísticas dos malefícios da droga e do perigo do manto “medicinal”, aqui é o ponto em que você diz: “Mas onde estão a liberdade e a responsabilidade individual que vocês conservadores e liberais pregam?”. Bem, as estatísticas não param.

Outra consequência séria da legalização da maconha é o aumento da combinação “intoxicação/chamadas de emergência/pronto-socorro/uso hospitalar”. As chamadas para o controle de intoxicação e emergência no Estado de Washington cresceram 68% a partir de 2012 (pré-legalização) em apenas três anos. No Colorado, durante o mesmo período, o número foi de 109%. Ainda mais preocupante, as ligações no Colorado relacionadas a crianças até 8 anos de idade elevaram-se nada menos que 200%. Da mesma forma, no Colorado, hospitalizações relacionadas à maconha cresceram mais de 70% desde a legalização.

Agora imagine um país como o nosso Brasil, onde a saúde nunca saiu da UTI, nem mesmo antes da pandemia, poderia suportar — com dinheiro público — um cenário desses? Peço desculpas por tantos números e estatísticas, poderíamos estar falando de algo mais profundo e filosófico, discutindo algum livro ou filme com mensagens relevantes. No entanto, me assusta a velocidade empregada na normalização e na banalização de assuntos que merecem o mínimo de discernimento e honestidade.

Não estou disposta a colocar nossas famílias em mais projetos com imensa capacidade de destruição, principalmente, da capacidade intelectual e do futuro de nossos filhos. Não estou disposta à “socialização de tudo”, como pregam hoje em dia, em que o pensamento de manada e os balaios coletivistas demandam que entreguemos nossos filhos aos cuidados de professores, “especialistas”, ativistas e militantes ideológicos sem o menor questionamento. Ou os jacobinos aparecem para cobrar a conta. O caminho mais fácil, da espiral do silêncio ou mesmo do comodismo de não “ir contra a maré”, não pode ser mais uma opção. Fatos são coisas teimosas. E é com eles, como armas pesadas, que precisamos ir para essa guerra.

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste