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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Na barra da toga do STF - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham da legalização da maconha, quiçá legislar em nosso nome

 

 Área de Skid Row, na Califórnia, maior cracolândia dos Estados Unidos, em 24 de novembro de 2022 | Foto: Shutterstock

Na mesma semana em que um policial militar foi morto por um sniper do crime organizado, o Supremo Tribunal Federal deu indicações de que formará maioria para descriminalizar o porte de maconha.  
Na quinta-feira, 27 de julho, os policiais da Rota, tropa de elite da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Patrick Bastos Reis e Fabiano Oliveira Marin Alfaya foram baleados durante patrulhamento em uma comunidade no Guarujá, litoral de São Paulo. 
Socorridos, Alfaya permanece em observação, mas Patrick não resistiu aos ferimentos e faleceu, deixando a mulher e um filhinho de 3 anos. De acordo com a PM, os policiais faziam parte de reforço enviado para o litoral para combater a criminalidade na região, com foco no tráfico de drogas e roubo de cargas.

 

O soldado Patrick Bastos Reis, que foi assassinado por criminosos no Guarujá | Foto: Divulgação/PMSP

Perdoem-me a repetição, mas ela é necessária: um policial da tropa de elite do estado de São Paulo foi morto por um sniper do tráfico que, com armamento especial de longo alcance, usado por militares e forças especiais no mundo, mirou e assassinou um homem da ordem e segurança pública — um herói que, como milhares e milhares espalhados pelo Brasil, sai todos os dias de casa para fazer nossa proteção sem saber se volta para o seio familiar.publicidade

A guerra travada contra as drogas e toda a criminalidade que envolve o tráfico perde um importante aliado esta semana. 
A corte mais alta do país, que deveria zelar pela ordem social, pelo império das leis e pela exaltação de nossos policiais, demonstra de maneira trágica uma leniência perigosíssima com o mundo e o submundo dos entorpecentes, e que vai contra tudo o que democracias sólidas pelo mundo jamais toleram: a falta da aplicação das leis a quem comete ilicitudes. 
 
Morando nos Estados Unidos há 15 anos, e na Califórnia, estado com legislações não apenas lenientes e absolutamente irresponsáveis para o porte e venda de drogas, chega a ser estarrecedor assistir ao Supremo Tribunal Federal retomar o julgamento sobre o porte de maconha no Brasil. Diante da já absurda violência — quase fora de controle — perpetrada pelo tráfico no Brasil, é aterrorizante testemunhar a corte mais importante do país legislar em prol de bandidos. Sim, legislar. [na prática equivale a liberar o tráfico de drogas.] 
Vivo em um estado norte-americano em que esse tipo de caminho — sem volta — já está sendo trilhado há alguns anos e sou testemunha ocular das portas que são abertas para o inferno em muitos níveis. 
Há muitos fatos e dados que já podem ser importados para esse debate. Mas onde está o Congresso na matéria, lugar correto para essa conversa?
Onde estão nossos legisladores que deveriam estar trazendo o assunto ao ambiente propício para qualquer demanda pública?

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham desse debate, quiçá legislar em nosso nome.

O voto mais recente nessa matéria, empurrada há anos por partidos de esquerda no Brasil para a barra da toga do STF, foi do ministro, vítima, investigador, policial, defensor público, advogado de acusação e defesa, juiz, e agora deputado e senador Alexandre de Moraes, que votou a favor da descriminalização do porte de maconha e pela fixação de critérios objetivos para “diferenciar o usuário do traficante”. 
Isso seria aplicado pela quantidade de droga encontrada em posse da pessoa. 
Em tese, a posse de uma quantidade entre 25 e 60 gramas caracterizaria um usuário; mais que isso, poderia ser considerado tráfico.

A repetição de um filme ruim
Para quem mora em estados americanos que descriminalizaram o porte de maconha, como a Califórnia, isso parece a repetição de um filme ruim. Já conhecemos o desfecho, e ele não tem um final feliz. 

Aqui, a falsa bandeira da separação entre “usuário e traficante” abriu portas inimagináveis e terríveis, e que jamais serão facilmente fechadas. Há hoje uma corrosão irreversível no tecido social em partes do estado que já mudaram para sempre a paisagem física e mental em um dos estados mais bonitos da América.

Devido ao federalismo norte-americano e à autonomia e independência dos estados para passarem suas legislações, experiências sobre o tema já podem ser analisadas por números. 
Alguns estados têm legislações em que o plantio e uso são apenas medicinais, enquanto em outros o consumo da maconha para uso recreativo é permitido. E são exatamente esses “laboratórios de democracia” que podem nos mostrar — em números e estatísticas, e não discursos ideológicos glamourizados por ativistas até no Poder Judiciário — as portas que podem se abrir no Brasil. 
E, para isso, vamos atrás de quem entende do assunto.
 
O norte-americano Kevin Sabet foi três vezes conselheiro do Gabinete de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca, tendo sido a única pessoa indicada para esse cargo tanto por um republicano (administração de George W. Bush) quanto por democratas (governos Bill Clinton e Barack Obama)
Sabet, professor na Escola de Medicina da Universidade de Yale e autor do livro Smoke Screen – O Que a Indústria da Maconha Não Quer Que Você Saiba, alerta para os vários perigos da matéria que pode ser empurrada goela abaixo da sociedade brasileira pelo STF.

Kevin, com quem já tive o privilégio de conversar algumas vezes e trocar algumas pesquisas, alerta-nos de que foi exatamente assim — sob o manto da “maconha medicinal” ou “descriminalização de pequenas quantidades para pequenos usuários” — que alguns estados americanos abriram a porta para a droga, e que hoje veem seu uso legalizado para recreação, trazendo um efeito dominó de danos.

Uma das muitas pesquisas de Sabet mostra dados alarmantes onde a droga passou de uso medicinal, adquirida apenas com receita médica, para descriminalização e uso recreacional ao longo de poucos anos. Nesse estudo, o instituto mostra importantes alertas que vêm dos estados que saíram na frente na legalização do uso da cannabis sativa, como Colorado e Washington.
Taxas crescentes de uso de maconha por menores.
Aumento das taxas de prisão de menores, especialmente crianças negras e hispânicas.
Taxas mais altas de mortes no trânsito por dirigir enquanto sob efeito da substância.
Mais intoxicações relacionadas à maconha e mais hospitalizações.
Um mercado negro persistente que pode envolver agora o aumento da atividade do cartel mexicano no Colorado.

Desde que o Colorado e o estado de Washington legalizaram a maconha, o uso regular da droga entre crianças de 12 a 17 anos tem estado acima da média nacional e vem crescendo mais rápido do que a média nacional. Além disso, o Colorado agora lidera o país entre os jovens de 12 a 17 anos em:

Uso de maconha no ano passado.
Uso de maconha no último mês.
Porcentagem de pessoas que experimentam maconha pela primeira vez.

O Colorado, primeiro estado a descriminalizar e legalizar a droga para uso recreacional em 2012 (primeiramente era legalizada apenas para uso medicinal), hoje é o campeão no uso da maconha por menores. Outro problema envolvendo menores está na taxa de suicídio entre adolescentes no estado. A maconha, junto com opioides, está diretamente relacionada com essa trágica estatística.Foto: Shutterstock

Há também nesse caminho, reaberto pelo STF, a utopia e a falácia dos militantes da legalização de drogas em relação a um suposto aumento de receita tributária e redução do crime

Entre os jovens, as tendências sugerem que a legalização da maconha esteja associada a maior incidência de infrações escolares no ensino médio. 
Jovens em liberdade condicional apresentam mais testagens positivas para maconha do que nunca. 
Em apenas três anos, a taxa do uso da droga aumentou de 28% para 39% entre — pasmem! — crianças de 10 a 14 anos.
 
Impacto nas comunidades negras e latinas
Uma investigação de 2016 feita pelo jornal Denver Post, e adicionada à pesquisa do instituto de Sabet, revelou que uma parcela desproporcional do mercado da maconha agora está localizada em comunidades de baixa renda e minorias, comunidades que costumam sofrer impactos díspares do uso de drogas
Um dos bairros de baixa renda de Denver tem, por exemplo, um negócio de maconha para cada 47 residentes. 
Isso é semelhante a um estudo da Universidade Johns Hopkins que mostra que, predominantemente negros de baixa renda em bairros em Baltimore foram oito vezes mais propensos a ter lojas de bebidas alcoólicas do que os bairros brancos ou racialmente integrados.

A atividade no mercado paralelo desde a legalização
 De acordo com o estudo do Instituto SAM com as autoridades americanas, a receita gerada do imposto sobre o consumo da droga compreende uma minúscula fração do orçamento do estado do Colorado, menos de 1%. Os distritos escolares do Colorado nunca viram um único dólar dos impostos estaduais sobre a maconha. No estado de Washington, metade da receita dos impostos da maconha prometidos para políticas de prevenção e melhoria de escolas foi desviada para o fundo geral estadual.

Os policiais dizem que o mercado ilegal e sem licença ainda está prosperando e em algumas áreas até se expandiu. Thomas Allman, xerife do condado de Mendocino, é categórico: “Há muito dinheiro a ser ganho no mercado paralelo. A descriminalização e a legalização certamente não tiraram os policiais do trabalho. O mercado paralelo nunca esteve tão forte. Os traficantes jamais pagarão impostos”, disse Allman. Até o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, já declarou que os cultivos ilegais no norte da Califórnia estão piorando, e que tropas da Guarda Nacional estão em constantes operações na fronteira com o México para desativar fazendas ilegais de cannabis.

Desde que a maconha medicinal foi legalizada na Califórnia há mais de duas décadas, a indústria da cannabis explodiu com supervisão mínima. Logo veio a descriminalização e legalização. Agora, muitas empresas que vendem a droga estão relutantes em passar pelo processo complicado e caro para obter as licenças que se tornaram obrigatórias. A licença até vem, assim como uma das maiores mordidas fiscais dos Estados Unidos.

Esse comércio ilícito foi fortalecido também pela crescente popularidade do vaping, balas com infusão de maconha, chocolates, bolos e outros produtos derivados
Os cartuchos para vaping são muito mais fáceis de carregar e esconder do que sacos de maconha crua. 
Os incentivos monetários do tráfico também permanecem poderosos: o preço dos produtos de maconha em lugares como Illinois, Nova York e Connecticut é normalmente muitas vezes mais alto do que na Califórnia, o que faz com que as exportações ilícitas de cannabis do estado só aumentem.

De volta ao Colorado, a legalização da maconha parece ter aberto a mesma porta para as operações do cartel mexicano. O Gabinete do Procurador-Geral do estado observou que a legalização inadvertidamente ajudou a alimentar o negócio dos cartéis, que agora trocam drogas como heroína por maconha, além do tráfico de pessoas.

Imagino que, se você for um libertário, mesmo depois de todos os estudos e estatísticas dos malefícios da droga e do perigo do manto “medicinal e pequenas quantidades para usuários, não tráfico”, aqui é o ponto onde você diz: “Mas onde está a liberdade e responsabilidade individual que vocês, conservadores e liberais, pregam?”. Bem, as estatísticas não param.

Outra consequência séria da descriminalização e legalização da maconha é o aumento da combinação “intoxicação/chamadas de emergência/pronto-socorro/uso hospitalar” relacionada à droga. 
As chamadas para o controle de intoxicação e emergência no estado de Washington aumentaram, a partir de 2012 (pré-legalização), em 68% em apenas três anos. 
No Colorado, durante o mesmo período, o número subiu para 109%. 
Ainda mais preocupante, as ligações no Colorado relacionadas a crianças de 0 a 8 anos de idade aumentaram nada mais que 200%. 
 Da mesma forma, no Colorado, hospitalizações relacionadas à maconha aumentaram mais de 70% desde a legalização.


Agora imagine um país como o nosso Brasil, onde a saúde nunca saiu da UTI, nem mesmo antes da pandemia, suportar — com dinheiro público um cenário desses? A velocidade empregada na normalização e banalização de assuntos que merecem o mínimo de discernimento e honestidade é assustadora.

Já tiraram as armas da população honesta. Durante a pandemia, as forças policiais não puderam fazer operações nas comunidades [muitos não gostam, mas comunidades é o sinônimo do maldito 'politicamente correto' para favelas.]cariocas.  
Durante as eleições presidenciais de 2022, fomos censurados, e foi proibido reproduzir as gravações da Justiça que mostravam os “diálogos cabulosos” entre o PT e o PCC
Fomos também proibidos de dizer que Lula era amigo de ditadores como Daniel Ortega e Nicolás Maduro, ditador da Venezuela acusado e indiciado por narcotráfico pelo governo dos Estados Unidos.

Em uma entrevista espetacular para o Oeste Sem Filtro nesta quinta-feira, 3 de agosto, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, oficial da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e quem comandou o Pelotão da Rota de 2010 a 2013 e o Pelotão de Força Tática no 49° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano em 2013, sintetizou em uma frase o que cenários de leniência com o mundo das drogas significam para cidadãos e policiais: “A mãe de todos os crimes é o tráfico de drogas”.


Leia também “A culpa é da Barbie?”

Coluna -  Ana Paula Henkel, Revista Oeste

 

 

sábado, 4 de junho de 2022

Produção caseira - Juízes liberam plantação de maconha sem levar em conta riscos de intoxicação e dependência

Yasmin Alencar, Vida e Cidadania


A maconha contém mais de 1.700 substâncias químicas.
A maconha contém mais de 1.700 substâncias químicas.| Foto: Pixabay

O número de decisões judiciais favoráveis à plantação doméstica de maconha
(cannabis sativa) tem crescido no Brasil, apesar dos riscos de dependência e intoxicação da planta consumida ou fumada. Influenciados pela campanha de desinformação de empresas interessadas na liberação da droga no Brasil, juízes têm liberado a prática sem considerar que é praticamente impossível extrair em casa o canabidiol e o THC (tetra-hidrocarbinol) – duas das mais de 1.700 substâncias químicas da cannabis – com a pureza e na quantidade segura para uso medicinal.

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“Liberar o plantio em um país que nem controla a venda de bebida alcoólica para menor de idade e nem consegue impedir a venda de vapers proibidos no país é algo temerário”, afirma o médico ​​João Paulo Becker Lotufo, atual coordenador do projeto antitabágico no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP).

Quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou a importação dos extratos de canabidiol e THC para a fabricação de produtos, em dezembro de 2019, ela definiu que esses compostos seriam marcados com “tarja preta”, pelo risco de dependência, aumento de tolerância (a necessidade de ingerir quantidades cada vez maiores para ter o mínimo efeito desejado) e intoxicação. Os 14 produtos a base de maconha aprovados pela agência (não são considerados medicamentos por falta de evidência científicas consolidadas de eficácia) precisam ser prescritos com receita amarela (índice de THC menor de 0,2%) ou azul (índice de THC maior de 0,2%, maior risco).

Veja Também:  Uma erva natural pode te prejudicar: novos estudos apontam mais riscos da maconha
Secretário de Segurança Pública do governo do PT da Bahia defende uso de maconha 

Mesmo com os cuidados tomados pela Anvisa, a aprovação da plantação de maconha doméstica nos tribunais tem contribuído para a circulação de extratos clandestinos de canabidiol caseiro que não funcionam e podem oferecer efeitos colaterais e nocivos para quem os consome. A decisão dos juízes também facilita que a plantação doméstica de cannabis seja desvirtuada do seu objetivo original, sendo utilizada para uso recreativo, consequentemente ocasionando dependência química.

O psiquiatra Thiago Barbosa, responsável pela ala de psiquiatria do Centro de Atenção Psicossocial em Pombal, na Paraíba, ratificou que decisões judiciais dessa natureza podem ser porta aberta para a dependência química, pois pessoas que não possuem indicação de tratamento terão mais acesso à cannabis, já que a plantação não estará sob jurisdição de um órgão regulador. “Obviamente, a partir do momento em que a plantação doméstica da maconha é permitida, mesmo que para famílias que tenham parentes próximos com problemas de saúde e que necessitam desse tratamento, isso abrirá possibilidades para que outras pessoas do grupo familiar tenham acesso ao seu uso”, destacou.
Ativismo judicial

Para o procurador da República Lucas de Morais Gualtieri, a concessão de salvo-conduto para o plantio de maconha, a pretexto de assegurar tratamento para uma infinidade de doenças é preocupante tanto sob o aspecto jurídico, quanto sob aspectos de saúde pública.
“Sob o aspecto estritamente jurídico, há um completo desvirtuamento da importante ação de habeas corpus, que vem sendo banalizada e utilizada com finalidade diversa da prevista pela Constituição. Além disso, as próprias limitações processuais do habeas corpus impedem que haja a necessária produção de provas sobre a situação daqueles que pleiteiam a decisão judicial, o que seria necessário para uma decisão judicial minimamente segura. Na maioria das vezes, as ações não trazem informações adequadas sobre o real estado de saúde dos supostos pacientes; a real eficácia do uso de produto a base de maconha para a enfermidade que se pretende tratar; a qualidade do ‘medicamento’ produzido artesanalmente; e a qualidade da matéria prima utilizada na atividade artesanal, declarou.

O procurador destacou que é preciso que pessoas que fabricam medicamentos tenham a devida formação. “Toda a análise técnica das substâncias da planta envolve avaliação de grupamentos químicos, potencial de abuso, ação farmacológica, risco de utilização, controle internacional, dentre outros parâmetros, os quais são ignorados por essas decisões judiciais, já que não se impõe qualquer tipo de controle sanitário”, afirma. “É preciso deixar clara a compreensão segundo a qual o juiz, inclusive criminal, não possui competência para autorizar o plantio de cannabis ou a produção artesanal de qualquer outro medicamento, juízo este a cargo da autoridade administrativa, a exemplo da Anvisa. O Judiciário parece estar substituindo o órgão técnico e concedendo autorizações que, a pretexto de garantirem o direito à saúde, podem estar colocando em risco os próprios beneficiários e a população em geral.”


Yasmin Alencar, colunista - Gazeta do Povo - Vida e Cidadania

quarta-feira, 26 de maio de 2021

TODOS CONTRA O MAL, MAS QUEM PELO BEM? - Percival Puggina

Cuidado, pessoal. As bandeiras do falso progressismo, como a liberação de certas drogas, acabam elegendo os Joe Bidens da vida.

A frase acima é uma provocação ao leitor. O que estou querendo afirmar neste artigo é que esse “progressismo” entre aspas que assola o Ocidente defende a liberação da maconha e outras drogas como se elas fossem um problema apenas individual e não um gravíssimo problema social, na raiz de muitos dos males que a todos atingem e em quase uníssono condenamos.

Nessa linha, desconsiderando o fato de tantos de seus atores e artistas terem sido vitimados por esses vícios que a empresa quer ver descriminalizados e liberados, o jornal O Globo afirmou em editorial de 14 de novembro do ano passado:

 “(...) Ao mesmo tempo que  a maioria dos eleitores americanos tratava de tirar Donald Trump da Casa Branca, muitos também votavam em plebiscitos estaduais para ampliar a liberação do uso recreativo e da aplicação medicinal das drogas. Tais consultas mostram quanto o Brasil está atrasado nesse campo, apesar dos esforços de legisladores, juízes e pesquisadores.

Estou plenamente advertido sobre o fato de que o uso medicinal da  maconha não se confunde com o recreativo. Aquele pressupõe o emprego da cannabis sativa processada em laboratórios para pacientes com enfermidades e não para gerar dependências e sequelas em pessoas sadias. Sei, também, que o hábito de encher a cara é anterior ao Antigo Testamento; que os ameríndios mascavam folha de coca, fumavam cachimbo e destilavam a própria aguardente; que no início do século XIX houve uma guerra entre a Inglaterra e a China pelo transporte dos derivados da papoula, e que a dependência do ópio já era um flagelo na Antiguidade. Sei, por fim, que nos filmes da Netflixuma das referências do “progressismo fuma-se mais maconha do que cigarros de tabaco porque é “muito mais divertido”.

Ouvir em meios culturais e de comunicação um discurso de tolerância em relação à maconha e outras drogas, ou, o que talvez seja ainda pior, perceber que se difunde por repetição a ideia de que maconha não faz mal algum (“porque é até medicinal”), resulta inquietante para quem tem informação verdadeira e objetiva sobre o assunto. Pergunte, leitor, a profissionais da área de saúde que lidam com dependência química. Ouça peritos a respeito dos efeitos neurológicos, psicológicos e comportamentais da maconha e suas consequentes companheiras. Indague a pais e professores sobre o impacto que o uso dessa droga determina na capacidade intelectiva, na concentração, na disciplina e na vida escolar de milhões de jovens.

Nunca esqueça ter sido ela que abriu a caixa de maldades e perversidades desencadeadas em nosso país nas últimas décadas. Primeiro gerando o hábito social, em seguida o vício, e, depois, puxando a longa corrente das drogas cada vez mais pesadas que invadiram o mercado com seu poder de destruição, violência e corrupção.

Triste a nação que renuncia à tarefa de transmitir valores às suas gerações! Se as famílias cuidam apenas da subsistência material, se as escolas se encarregam, quando muito, de transmitir conteúdos didáticos, se as Igrejas só se ocupam de questões sociais e políticas, se os meios de comunicação deixam de lado sua responsabilidade social, quem, afinal de contas, vai orientar a sociedade para o bem?

Observe o trabalho dessas meritórias instituições que assumem a missão de recuperar os destroços humanos deixados pelas drogas. 
O que oferecem? Qual sua receita? 
Saudável orientação moral, abstinência do vício, espiritualidade, disciplina e trabalho. Mas, onde o trabalho das grandes instituições? 
Elas, que durante séculos responderam social e responsavelmente por tais tarefas, foram tragadas por um alinhamento automático ao “progressismo” que as queria derrotar. Deus abençoe a resistência conservadora!

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

sábado, 15 de maio de 2021

O mal travestido de bondade - Revista Oeste

LEGALIZAR A MACONHA = MAIS UM CRIME HEDIONDO = aborto = pedofilia e outros do tipo 

Estudos e estatísticas comprovam: a legalização do cultivo da maconha para uso medicinal é apenas o primeiro passo para o caos que está logo ali adiante

O Projeto de Lei nº 399/2015, de autoria do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), viabiliza o plantio regulamentado da Cannabis sativa — a maconha e a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta em sua formulação. O texto do projeto, que já tramita há mais de seis anos na Câmara, propõe que o plantio da maconha seja feito por empresas farmacêuticas e de pesquisa. Há quase dois anos, em dezembro de 2019, a Anvisa regulamentou o uso medicinal da planta, mas vetou seu cultivo no país.

O CBD, ou canabidiol, é um dos princípios ativos da Cannabis sativa e compõe até 40% dos extratos da planta, podendo ser usado como medicamento para diversas doenças que variam de fibromialgia a epilepsia severa. Em 2015, a Anvisa retirou o CBD da lista de substâncias ilegais, passando-o para a de substâncias controladas, exigindo laudo médico e receita para a importação e o uso. Sob o manto da “bondade” da necessidade de produção de CBD para pessoas doentes, o projeto lei está também de olho nas oportunidades para o agronegócio. Liberar a plantação de maconha poderia gerar bilhões de reais. E milhões de problemas.

Envolvido no debate sobre o assunto, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) recentemente declarou que é “lamentável que o lobby da maconha que atua nos bastidores do Congresso Nacional venha a usar crianças com o mito de maconha medicinal” para aprovar o PL 399/2015. Segundo Girão, as crianças que têm problemas como epilepsia refratária e tratam a doença com o CBD não são o principal foco do projeto. Cerca de 4 mil crianças são beneficiadas com o canabidiol, e a demanda do óleo para esses pacientes é perfeitamente suportada pela importação da medicação e pela distribuição via SUS. Outros parlamentares, como a deputada Bia Kicis, advertem que o verdadeiro interesse da proposta usa a blindagem da imagem das crianças para comercializar a droga para uso recreativo.

Aqui nos Estados Unidos, esse é “um trem que já partiu da estação”, como dizem os mineiros. Devido ao federalismo norte-americano e à autonomia e independência dos Estados para passarem suas legislações, experiências sobre o tema já podem ser analisadas por números. Em alguns Estados, o plantio e o uso destinam-se exclusivamente a propósitos medicinais; em outros, é permitido também o uso recreativo. E são exatamente esses “laboratórios de democracia” que podem nos mostrar — em números e estatísticas, e não em discursos ideológicos glamorizados — as portas que podem se abrir no Brasil. Para analisar o que está em jogo, vamos atrás de quem entende do assunto.

O norte-americano Kevin Sabet foi três vezes conselheiro do Gabinete de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Brancae o único especialista indicado para o cargo tanto por administração republicana (George W. Bush) quanto por gestões democratas (Bill Clinton e Barack Obama). Sabet, professor na Escola de Medicina da Universidade de Yale e autor do livro Smoke Screen — O Que a Indústria da Maconha Não Quer Que Você Saiba, alerta para os vários perigos de um projeto de lei como o apresentado na Câmara brasileira. Kevin, com quem conversei há algumas semanas, chama a atenção para o fato de que foi exatamente assim — sob o manto da “maconha medicinal” — que alguns Estados norte-americanos abriram a porta para a droga e hoje veem seu uso legalizado para recreação. “Creio que nossa experiência com produtos farmacêuticos que são, obviamente, legais, assim como álcool e tabaco, foi um desastre total do ponto de vista dos custos e das políticas públicas. Nunca regulamentamos essas drogas de forma responsável. Lobistas e empresas com interesses especiais são os donos das regras quando se trata dessas drogas. Queremos mesmo repetir a história? Agora é com a maconha, mas realmente poderia ser qualquer substância. E estaremos falando sobre a legalização de outras drogas se a maconha for nacionalmente aprovada. Em termos dos objetivos das políticas de muitas dessas organizações, isso não vai parar na maconha”, diz Kevin, assinalando sempre que a “normalização do uso medicinal da Cannabis é apenas o primeiro passo.)

Há dados impressionantes nas pesquisas do ex-conselheiro de democratas e republicanos quando o assunto é drogas. Kevin Sabet é hoje presidente e CEO do instituto Smart Approaches to Marijuana (SAM), organização que desenvolve estudos e promove alianças e palestras nos EUA e no mundo para difundir as reais consequências da liberação da maconha.

Uma das muitas pesquisas de Sabet apresenta dados alarmantes de lugares em que a droga em poucos anos passou de uso medicinal — adquirida apenas com receita médica — para recreacional. Eis alguns dos resultados em Estados como Colorado e Washington:

  • taxas crescentes de uso de maconha por menores;
  • aumento das taxas de prisão de menores, especialmente crianças negras e hispânicas;
  • taxas mais altas de mortes no trânsito por direção sob efeito da substância;
  • mais intoxicações relacionadas à maconha e mais hospitalizações;
  • crescimento do mercado negro, que agora, no Colorado, chega até a envolver um cartel mexicano.

Desde que o Colorado e o Estado de Washington legalizaram a maconha, o uso regular da droga entre crianças de 12 a 17 anos está acima da média nacional e avança mais rápido do que a média nacional. Além disso, o Colorado agora lidera o país entre os jovens de 12 a 17 anos em:

  • uso de maconha no ano passado;
  • uso de maconha no último mês;
  • porcentagem de indivíduos que experimentam maconha pela primeira vez.

O Colorado, o primeiro Estado a legalizar a droga para uso recreacional, em 2012 — antes era permitido apenas o emprego medicinal —, hoje é o campeão no uso de maconha por menores. Outro problema envolvendo menores está na taxa de suicídio entre adolescentes. A maconha, junto com opioides, está agora diretamente relacionada a essa trágica estatística. Os crimes relacionados a drogas e narcóticos em Denver, a capital do Estado, aumentaram cerca de 11% ao ano desde a legalização da droga. Enquanto ainda não está claro se a legalização causou esse aumento, os números contradizem as promessas de quem defende que a medida seria capaz de reduzir as taxas de criminalidade.

Entre os jovens, as tendências sugerem que a legalização da maconha esteja associada a maior incidência de infrações escolares no ensino médio. Mais do que nunca jovens em liberdade condicional apresentam testagem positiva para maconha. Em apenas três anos, a taxa do uso da droga aumentou de 28% para 39% entre — pasmem! — crianças de 10 a 14 anos.

Impacto nas comunidades negras e latinas
Uma investigação de 2016 feita pelo jornal Denver Post, e adicionada à pesquisa do instituto de Sabet, revelou que uma parcela desproporcional do mercado da maconha no Colorado está localizada em comunidades de baixa renda. Um dos bairros periféricos de Denver tem, por exemplo, um negócio da droga para cada 47 residentes. Em Baltimore, no Estado de Maryland, um estudo da Universidade Johns Hopkins constatou que negros que vivem em enclaves raciais são oito vezes mais propensos a ter lojas de bebidas alcoólicas do que aqueles que moram em bairros racialmente integrados. No Colorado, ironicamente, mais hispânicos e negros menores de idade estão sendo presos por crimes relacionados à maconha. Em 2012, após a legalização do uso recreativo, o aumento foi de 29%. Não ficou nisso. Em 2014, já tinha chegado aos 58%. Ao mesmo tempo, o número de brancos abaixo de 18 anos presos pelos mesmos crimes caiu para 8%.

Outro ponto da vasta pesquisa trata da condução de veículos sob efeito de maconha. Esse tem sido um problema sério e crescente nos Estados onde a droga é legalizada. Muitos defensores da legalização sugeriram que o uso de maconha poderia reduzir o consumo de álcool. Aconteceu o contrário. No Colorado, o consumo de álcool per capita aumentou. Desde 2012, estudos indicam que a maconha frequentemente estimula o uso de álcool. Além disso, estão em desenvolvimento cervejas e vinhos com maconha.


A atividade no mercado negro desde a legalização
A utopia dos militantes da legalização de drogas sobre um suposto aumento de receita tributária e redução do crime não se materializou. De acordo com o estudo do instituto SAM, a receita gerada com o imposto sobre o consumo da droga compreende uma minúscula fração do orçamento do Colorado, menos de 1%. Distritos escolares do Estado nunca viram um único dólar dos impostos estaduais sobre a maconha. No Estado de Washington, metade do dinheiro prometido para políticas de prevenção e melhoria de escolas foi desviada para o fundo geral estadual.

Nas florestas do norte da Califórnia, as operações policiais continuam a descobrir fazendas de plantações ilegais. Aqui no sul do Estado, centenas de serviços de entrega ilegal de maconha, alguns deles registrados até como igrejas, atendem a um fluxo constante de clientes. A Califórnia legalizou a maconha para uso recreacional em 2016, quando, por meio da Proposição 64 (Marijuana Act), estabeleceu impostos e autorizou o cultivo, a venda, a posse e o consumo de Cannabis para adultos acima de 21 anos para fins não médicos.

Os policiais dizem que o mercado ilegal e sem licença ainda está prosperando e em algumas áreas até se expandiu. Thomas Allman, xerife do condado de Mendocino, é categórico: “Há muito dinheiro a ser ganho no mercado negro”. Ele informa também que recentes operações apreenderam mais de US$ 5 milhões em óleo de Cannabissim, o CBD, cultivado ilegalmente para venda no mercado negro. “A legalização certamente não tirou os policiais do trabalho”, disse Allman.

Até o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, já declarou que os cultivos ilegais são um problema, e que tropas da Guarda Nacional estão em constantes operações na fronteira com o México para desativar fazendas ilegais. O Estado tem um mercado ilegal em crescimento que canibaliza a receita de empresas licenciadas. Algumas delas são forçadas a fechar as portas. Empresários do setor, que passaram décadas evitando a lei, agora estão recorrendo a ela para exigir a instauração de processos contra empresas de maconha não licenciadas. Ah, a ironia.

O fato é que a indústria da Cannabis explodiu com supervisão mínima. Agora, muitas empresas que vendem a droga estão relutantes em passar pelo processo complicado e caro para obter as licenças que se tornaram obrigatórias. A licença até vem, mas junto com uma das maiores mordidas fiscais dos Estados Unidos. O comércio ilícito foi fortalecido também pela crescente popularidade do vaping, balas com infusão de maconha, chocolates, bolos e outros produtos derivados. Os cartuchos para vaping são muito mais fáceis de carregar e esconder do que sacos de maconha crua. Os incentivos monetários do tráfico também permanecem poderosos: o preço dos produtos de maconha em lugares como Illinois, Nova York ou Connecticut é normalmente muitas vezes mais alto do que na Califórnia, o que faz com que aumentem exponencialmente as vendas ilícitas a partir do Estado.

De volta ao Colorado, a legalização da maconha parece ter mesmo aberto a porta para as operações dos cartéis mexicanos. A Procuradoria-Geral do Estado observou que a legalização ajudou a alimentar o negócio dos cartéis, que agora trocam drogas como heroína por maconha. Houve também aumento do tráfico de pessoas — imigrantes ilegais que vêm do México para atuar nas operações criminosas. Imagino que se você for um libertário, mesmo depois de todos os estudos e estatísticas dos malefícios da droga e do perigo do manto “medicinal”, aqui é o ponto em que você diz: “Mas onde estão a liberdade e a responsabilidade individual que vocês conservadores e liberais pregam?”. Bem, as estatísticas não param.

Outra consequência séria da legalização da maconha é o aumento da combinação “intoxicação/chamadas de emergência/pronto-socorro/uso hospitalar”. As chamadas para o controle de intoxicação e emergência no Estado de Washington cresceram 68% a partir de 2012 (pré-legalização) em apenas três anos. No Colorado, durante o mesmo período, o número foi de 109%. Ainda mais preocupante, as ligações no Colorado relacionadas a crianças até 8 anos de idade elevaram-se nada menos que 200%. Da mesma forma, no Colorado, hospitalizações relacionadas à maconha cresceram mais de 70% desde a legalização.

Agora imagine um país como o nosso Brasil, onde a saúde nunca saiu da UTI, nem mesmo antes da pandemia, poderia suportar — com dinheiro público — um cenário desses? Peço desculpas por tantos números e estatísticas, poderíamos estar falando de algo mais profundo e filosófico, discutindo algum livro ou filme com mensagens relevantes. No entanto, me assusta a velocidade empregada na normalização e na banalização de assuntos que merecem o mínimo de discernimento e honestidade.

Não estou disposta a colocar nossas famílias em mais projetos com imensa capacidade de destruição, principalmente, da capacidade intelectual e do futuro de nossos filhos. Não estou disposta à “socialização de tudo”, como pregam hoje em dia, em que o pensamento de manada e os balaios coletivistas demandam que entreguemos nossos filhos aos cuidados de professores, “especialistas”, ativistas e militantes ideológicos sem o menor questionamento. Ou os jacobinos aparecem para cobrar a conta. O caminho mais fácil, da espiral do silêncio ou mesmo do comodismo de não “ir contra a maré”, não pode ser mais uma opção. Fatos são coisas teimosas. E é com eles, como armas pesadas, que precisamos ir para essa guerra.

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste