Quem paga o pato?
O governo
está num beco sem saída: quer fazer a inflação voltar à meta de 4,5% e
vê isso se afastar, indo para 2017, e seu único instrumento é a Selic em
nível elevado. Ao querer mantê-la assim por período prolongado, eleva a
relação dívida/PIB para romper o teto de 70%. Nessa situação, será
certamente rebaixado pelas agências Fitch e Moody’s e perderá o grau de
investimento. A equipe econômica foi escolhida para evitar isso e está
acelerando esse desenlace.
[certamente houve um erro do governo na comunicação do que quer. O governo quer estabelecer a meta de 4,5% para a inflação mensal - se equivocou e a notícia passou a circular como meta anual.]
Essa presidente vem fazendo, e de
forma até mais acentuada, a política que foi defendida pelo seu oponente
que teria, caso ganhasse a eleição, como ministro da Fazenda, alguém
mais relacionado ainda com o mercado financeiro, sempre sequioso de
taxas de juros elevadas. Vale lembrar que o seu padrinho Lula havia
indicado para ministro da Fazenda o presidente do Bradesco, que,
convidado ao cargo, recusou e indicou seu subordinado. Depois dessa, não
pode reclamar. É mestre em indicações que não dão certo.
1.
Proposta. No entanto há uma saída à mão do governo, que não passa pelo
caminho tortuoso do toma lá dá cá do Congresso, escolha infeliz deste
governo. Vejamos.
No front externo, que também é observado pelas
agências de risco, os indicadores do País são bons. A balança comercial
vem surpreendendo positivamente, fazendo o déficit em conta corrente
ser reduzido pela metade entre o ano passado e as previsões para este
ano. Temos US$ 370 bilhões nas reservas internacionais, cerca de US$ 200
bilhões (!) acima do nível de máxima exposição externa, segundo
critérios do Fundo Monetário Internacional (FMI). Ao vender parte desse
excedente, atinge-se simultaneamente dois objetivos: a) redução na
dívida bruta de mesmo valor da venda e; b) contenção não onerosa do
câmbio, o que auxilia na queda da inflação.
Mas, se é assim tão
fácil, porque o governo não vende parte das reservas? Porque prevalece
ainda a posição de maximizar essas reservas como se isso de fato
importasse diante dessa conjuntura. Assim, caminha-se a passos rápidos
ao impasse fiscal e, aí, não adianta colocar a culpa em fatores externos
nem no Congresso, pois o que predomina na questão fiscal é o déficit
com juros, como é apresentado a seguir.
2. Questão fiscal. Numa
coisa tem-se de tirar o chapéu para o governo: conseguiu até agora
manter o foco fiscal no resultado primário, para esconder o déficit com
juros. Vejamos.
Nos nove primeiros meses deste ano, o setor
público acumulou um déficit de R$ 416,7 bilhões, dos quais R$ 408,3
bilhões é o déficit com juros, ou seja, 95,2% (!) do déficit público, e
apenas R$ 8,4 bilhões é déficit primário. Considerando os
últimos doze meses encerrados em setembro, tem-se desastre semelhante,
pois o déficit atingiu R$ 536,2 bilhões, dos quais R$ 510,6 bilhões foi
déficit com juros, ou seja, os mesmos 95,2% do déficit público, e só R$
25,6 bilhões foi primário.
Vale apontar, também, para outro
desvio de foco fiscal: o excesso de despesas sociais do governo federal.
É o argumento usado pelo mercado financeiro e pelo governo. Em razão
deste enfoque equivocado, o Ministério da Fazenda quer nova reforma da
Previdência Social, estabelecendo idade mínima para aposentadoria e
desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo. [a idade mínima que o governo pretende fixar será calculada de forma a que os brasileiros após alcançarem a aposentadoria, vivam mais 2, 3 ou 5 anos; já a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo, resulta que em alguns anos todos os brasileiros terão - independentemente do tempo de contribuição, do valor sobre o qual contribuíram - uma aposentadoria no valor de UM SALÁRIO MÍNIMO.
Estará estabelecida a verdadeira igualdade social - nivelando por baixo.
Simples de entender o acima. Todo ano o piso previdenciário terá um aumento que o mantenha igual ao salário mínimo - continua em vigor a norma que ninguém pode ganhar menos que um salário mínimo.
Dessa forma os brasileiros que recebam aposentadoria no valor do piso previdenciário, terão a garantia de que continuarão a ganhar um salário mínimo.
Já os brasileiros que se aposentarem com um valor superior ao piso previdenciário - ex: três salários mínimos - terão um reajuste anual livremente fixado pelo governo, mas, sempre inferior ao do piso previdenciário.
Só projetar alguns anos e constatarão que o valor que recebem a título de aposentadoria - sofrendo redução a cada ano - será igual ao piso previdenciário = um salário mínimo.]A esperteza deste desvio é tirar o foco do problema fiscal presente, deslocando o problema para o futuro.
3.
Inflação. Outro fato que chama a atenção é o fantasma da inflação.
Neste ano, pode alcançar 10%! Alto em relação à média dos últimos cinco
anos, de 6,11%. Só que há uma particularidade neste ano: a inflação dos
preços monitorados atingiu nos últimos 12 meses encerrados em setembro
16,35%, contra a média de 3,97% ocorrida nos últimos cinco anos.
Considerando
o peso dos preços monitorados na composição do IPCA, de 24%, vê-se que
estão sendo neste ano responsáveis por 41% da inflação contra 15% na
média dos últimos 5 anos.
O governo procurou segurar a inflação
desde 2010 pela contenção dos preços monitorados. Isso ocorreu não
apenas nos preços dos combustíveis e da energia elétrica, que entupiram
de dívidas a Petrobrás e Eletrobrás, mas também nas tarifas de água e
esgoto feitas pelos governos estaduais e nos preços das passagens do
transporte coletivo feitas pelos governos municipais. Parte deste legado
é relacionado ao medo de novas manifestações de massa como as ocorridas
em junho de 2013.
Essa descarga inflacionária dos preços
monitorados neste ano não deve prosseguir no próximo ano, como preveem a
maioria das análises.
4. Previdência Social. Vale aqui esclarecer alguns aspectos relativos à Previdência Social.
A
partir de 2001, tem-se dados separados para a previdência urbana e
rural. A urbana tem caráter contributivo típico de regime
previdenciário, no qual se prevê que a aposentadoria se sustente com as
contribuições efetuadas. A rural tem o caráter assistencial, pois a
contribuição é quase inexistente (2,1% do faturamento rural, onde mais
da metade é sonegada) e o valor da aposentadoria é de um salário mínimo.
Assim, a rural é deficitária, se não for alocada a ela uma fonte de
receita que banque o pagamento de seus aposentados.
Desde 2009, a
urbana passou a ser superavitária, ou seja, as contribuições superaram
os benefícios. Neste ano, deve dar resultado positivo de R$ 15 bilhões. A
rural deve apresentar déficit de R$ 90 bilhões. O conjunto deve,
portanto, ter déficit de R$ 75 bilhões (1,25% do PIB).
Em 2001, a
previdência teve um déficit de 0,98% do PIB causado pela rural. Neste
ano, deve ocorrer déficit de 1,25% do PIB causado por 1,48% do PIB na
rural e superávit de 0,23% do PIB na urbana. Assim, em 15 anos ocorreu
um aumento de 0,27% do PIB no déficit previdenciário (1,25 menos 0,98).
Nestes
15 anos, o déficit com juros passou de 3,59% do PIB em 2001 para 8,89%
do PIB nos últimos doze meses encerrados em setembro, crescendo,
portanto, 5,30% do PIB nestes 15 anos. Comparando com o déficit
previdenciário, o de juros cresceu 19 (!) vezes mais. A questão
central da Previdência não é o longo prazo, como alardeiam. Como visto,
em 15 anos pouco evoluiu esse déficit, que foi causado pela rural, cuja
população vem sendo continuamente reduzida. Colocar o foco fiscal aí é
desviar a atenção do déficit com juros.
Vale considerar que a
gestão das receitas e despesas da previdência pode propiciar mudanças
significativas: a) nas contribuições com redução da inadimplência
elevada e diminuição das desonerações causadas pelo governo Dilma na
quota patronal que prejudicaram as contribuições a partir de 2013 e; b)
no adequado controle da concessão dos vários benefícios, sujeitos a
desvios de várias naturezas e, em especial, nas pensões sem
justificativa.
É fato que tudo na área pública tem largo espaço
de melhorias de gestão, mas é comum mudar regras ao invés de usar
adequadamente as regras existentes.
De forma geral, os
governantes, para se elegerem, prometem mundos e fundos e, como não
cumprem, procuram colocar a culpa na falta de recursos, mas pouco fazem
para usar adequadamente os recursos de que dispõem. Este governo federal
vai pelo mesmo caminho: não melhora sua gestão e fica querendo mais
recursos e mais leis, como a que o ministro da Fazenda diz ser
necessária, a CPMF.
Com tanta enganação e incompetência, somem e se dilapidam recursos, reduzem direitos, e depois a população que pague o pato.
Fonte: O Estado de São Paulo - Amir Khair