Já havia razões de sobra para que todos os brasileiros pudessem se
orgulhar do Sistema Único de Saúde (SUS), seguramente uma das maiores
conquistas civilizatórias da sociedade no século passado. A pandemia de
covid-19, a mais grave emergência sanitária que se abateu sobre o País
desde a gripe espanhola de 1918-1920, só realçou a essencialidade de um
sistema de saúde público e universal, sobretudo em um país com
desigualdades sociais e econômicas tão profundas como o Brasil. Mas a
grandeza do SUS vai além do papel central do sistema no socorro à
esmagadora maioria dos infectados pelo novo coronavírus.
Se a covid-19 ainda é uma doença por ser totalmente decifrada pela
ciência, é consensual entre leigos e especialistas a certeza de que a
trajetória da pandemia no Brasil seria outra não fosse a existência do
SUS. Mesmo havendo um sistema público de saúde que cobre todo o
território nacional e está à disposição de qualquer cidadão, mais de 90
mil vidas já foram perdidas em pouco mais de quatro meses, uma
catástrofe que levará tempo até ser totalmente assimilada pela Nação.
Sem o SUS, só é possível imaginar o quadro tétrico: pilhas de corpos nas
ruas e nas portas dos hospitais de brasileiros que sucumbiriam à falta
de atendimento médico por não terem condições de arcar com seus custos.
Há mais de 30 anos, o SUS é o único refúgio para 7 em cada 10
brasileiros que precisam de cuidados médicos, um número que deve
aumentar em decorrência dos efeitos econômicos da pandemia. Trata-se do
maior sistema de saúde universal e gratuito do mundo, assim reconhecido
pela Organização das Nações Unidas (ONU). O SUS é corolário do processo
de redemocratização do País e está inscrito na Constituição de 1988, que
em seu artigo 196 dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do
Estado”, e determina que “as ações e serviços públicos de saúde integram
uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único”,
como se lê no artigo 198 da Lei Maior.
As duas singelas disposições constitucionais, inteligíveis por qualquer
cidadão alfabetizado, representaram uma verdadeira revolução na visão
que se tem do sistema de saúde do País ao retirá-lo da lógica de mercado
até então prevalente, vale dizer, o acesso aos cuidados com a saúde
como um produto comercializável, e alçá-lo à categoria de direito
fundamental. O sistema privado de saúde jamais seria capaz de dar conta de um
atendimento médico da magnitude do que tem sido exigido desde a eclosão
da pandemia de covid-19, e tampouco das necessidades da imensa maioria
de brasileiros que todos os dias acorrem aos hospitais, muitas vezes
para tratar de problemas complexos.
É do SUS, por exemplo, o maior programa público de transplantes de
órgãos do mundo. Cerca de 96% destas cirurgias no País são realizadas
gratuitamente pelo SUS, de acordo com o Ministério da Saúde. Desde a
organização da fila de espera por um órgão - gerida com seriedade - até o
fornecimento de medicações imunossupressoras, essenciais para a vida
dos transplantados, todo o processo é gerido pelo SUS, sem qualquer
custo para os pacientes. Imprescindível também é a presença do SUS na produção e distribuição das
drogas que compõem o “coquetel” antiviral que dá suporte à vida dos
cerca de 900 mil brasileiros portadores do HIV. Sem falar nas campanhas
de prevenção.
Não menos importante, é do SUS o maior programa de imunização de que se
tem notícia. São cerca de 300 milhões de doses incluídas no Calendário
Nacional de Vacinação, protegendo os brasileiros contra mais de 20
doenças. Laboratórios vinculados ao SUS estão participando ativamente de
pesquisas para desenvolvimento e produção da tão esperada vacina contra
o Sars-Cov-2. Não resta a menor dúvida de que o SUS é um bem público a ser valorizado e
protegido. Mas é hora de o SUS receber das autoridades uma atenção
proporcional à sua importância para a vida de milhões de brasileiros, o
que não vem acontecendo.