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segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Não dá para eleger outro povo

A aprovação de Bolsonaro diz menos sobre as qualidades de seu governo do que falta de alternativas apresentadas pela oposição

O resultado da pesquisa Datafolha na qual o governo de Jair Bolsonaro segue sendo considerado ótimo ou bom por 37% dos brasileiros foi um balde de água fria nos que consideravam os resultados das eleições municipais a abertura da cova do bolsonarismo. Nem Bolsonaro deixou de ser favorito para sua sucessão em 2022 (como escrevi aqui), nem agora virou imbatível.

[inimigos do presidente Bolsonaro = inimigos do Brasil. Como vencedores que somos, a generosidade com os mais fracos, nos impele a não usar da ironia e aconselhar:
1º - aceitem a hegemonia do presidente Bolsonaro e dos brasileiros que o seguem e vai doer bem menos.
2º - Por generosidade, virtude inerente aos vencedores, repetimos o conselho do dramaturgo Bert Brecht = "Dissolver o povo e eleger outro".

Há poucas novidades na pesquisa. Ela confirmou que (a) a popularidade de Bolsonaro está calcada nos resultados econômicos do auxílio emergencial. A sua aprovação chega a 46% entre os empregados sem registros e 41% entre os autônomos, alvos do programa social. Bolsonaro tem ainda um apoio expressivo nas cidades do interior (41%), onde o peso do auxílio emergencial é maior. A segunda conclusão é que (b) a desaprovação do governo está vinculada ao desastre no combate da Covid-19. Entre aqueles que acham que a pandemia está se agravando, 43% nunca confiam em Bolsonaro. A saúde é considerada a maior preocupação do país por 27% dos brasileiros (com Temer era 22%, com Dilma, 17%).

Há um ponto que a pesquisa não coleta, mas explica muito do êxito de Bolsonaro apesar dos resultados ruins. Para milhões de brasileiros, Bolsonaro fala a língua que eles entendem. Ele personifica um brasileiro conservador nos costumes, que considera todo imposto um roubo e tem preconceitos arraigados a tudo que não é ocidental. Bolsonaro, assim como Lula antes dele, representa um brasileiro típico no poder. Essa identificação segue forte.

2021 será um ano difícil para o Brasil. Em janeiro, acaba o auxílio emergencial e 30 milhões de brasileiros voltam a viver por conta própria. Haverá um baque na tênue retomada econômica baseada justamente no dinheiro gasto pelos beneficiários do auxílio. Com mais gente procurando emprego, as taxas de desemprego vão aumentar. A pandemia de Covid-19 tende a agravar com as seguidas demonstrações de incompetência do Ministério da Saúde, mais preocupado em agradar o presidente e atazanar o governador João Doria do que em conseguir vacina para todos. Sem vacinação em massa, não haverá retomada firme da economia. [Leia em VEJA: Instituto Butantan adia entrega de resultados do imunizante à agência - O presidente Bolsonaro nada tem a ver com o adiamento.]

A oposição tem duas opções. A primeira é construir um projeto alternativo a Bolsonaro com parâmetros mínimos para que todos se juntem num segundo turno. Foi a saída que Joe Biden formou para defenestrar Donald Trump da Casa Branca.

A segunda é sentar, reclamar e ficar brigando entre si, que é o que tem sido feito há dois anos. Bolsonaro não vai cair de maduro. Ele tem apoio real de parte da população e o poder da caneta presidencial. A postura desses opositores lembra um poema irônico do dramaturgo Bert Brecht, falando sobre a reação dos intelectuais às queixas populares contra a vida na Alemanha comunista. O poema vai assim:

Após a insurreição de 17 de Junho
O secretário da União dos Escritores
Fez distribuir panfletos na Alameda Stalin
Em que se lia que, por sua culpa,
O povo havia perdido a confiança do governo
E só à custa de esforços redobrados
Poderá recuperá-la. Mas não seria
Mais simples para o governo

Dissolver o povo
E eleger outro?

Como não dá para eleger outro povo. A oposição só volta ao poder se trabalhar mais.

Blog Thomas Traumann - VEJA - Thomas Traumann, jornalista  

 

segunda-feira, 3 de junho de 2019

A decadência do ensino começa pela falta de leitura

Nas aulas seguintes, depois de copiado o poema Navio Negreiro, o que facilitou memorizá-lo, os versos passaram a ser recitados por todos

Deonísio da Silva
Não era só questão de conhecer o significado das palavras. Os alunos precisavam também entender o que e de quem se falava, quando, onde e por que daquele modo.  Havia um exemplar do livro na biblioteca e não podia ser retirado. Aconteceu assim conosco, como acontecera no século anterior a João da Cruz e Souza, o maior poeta de Santa Catarina e um dos maiores do Brasil.

Ele quisera levar para casa o livro de um autor francês, escrito em francês, e lhe foi dito que ele deveria ler no recinto onde estava o volume, isto é, na biblioteca da escola, pois o livro era de todos e para todos.  De passagem ficássemos sabendo que um menino, filho de escravos alforriados, lia em francês, não apenas em português. Mas nós, que estávamos sendo preparados para o sacerdócio, deveríamos ler também em latim, em grego, em italiano .
“Homens que Fídias talhara/ Vão cantando em noite clara/ Versos que Homero gemeu”.

Foi este o trecho que o padre professor pegou ao acaso para explicar o método, que, aliás, era muito simples. Deveríamos copiar o poema de Castro Alves e decorá-lo para recitar nas próximas aulas.
“Porém, não sejam papagaios. Não basta saber de cor o poema, temos que entendê-lo e para isso primeiramente façamos um vocabulário”.
“Mas entender as palavras é só o começo. Quem foi Fídias? Por que o famoso escultor da Grécia Antiga, que viveu no Século V a.C. e fez as estátuas da deusa Atena e do deus Zeus, apareceu no Brasil, justamente durante a Guerra do Paraguai, invocado por um poeta para falar dos negros escravizados no Brasil?”;

“Outra coisa. Podem ver que o verbo talhar, que, como o outro professor poderá explicar, veio do Latim taliare, cortar, é posto no mais-que-perfeito para rimar com clara, de noite clara, constituindo-se, pois, em rima rica, uma vez que combina duas classes gramaticais diferentes, um verbo (talhara) com um adjetivo (clara)”.  Nas aulas seguintes, depois de copiado o poema Navio Negreiro, o que facilitou memorizá-lo, os versos passaram a ser recitados por todos, primeiramente de olhos postos nas próprias cópias que cada um fizera, depois recitados em uníssono e por fim declamados aluno por aluno.

Mas havia entre nós os de memória prodigiosa e destacou-se como o melhor de todos um neto de imigrante italiano que casara com uma neta de imigrante alemã. Ele não apenas recitava, como dava àqueles versos uma aura que nos deixava boquiabertos de admiração, no que era ajudado pelo timbre claro da voz, as sílabas bem escandidas e a teatralidade dos gestos.  Findo o estudo atordoante daquela obra magistral, éramos orientados a ler do mesmo autor A Cruz da Estrada, que começava com uma frase de Lutero em latim, proferida diante dos túmulos que contemplava: Invideo quia quiescunt (eu tenho inveja porque eles descansam).
A poesia ensinava a quem passava pelo sertão e visse uma cruz abandonada que soubesse estar ali enterrado um escravo: “É de um escravo humilde sepultura/ Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz/ Deixa-o dormir no leito de verdura/ Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs”.

A Guerra do Paraguai terminou em 1870. O Brasil tinha naquele tempo estudantes de Direito que ao redor dos vinte anos faziam poemas como aqueles que líamos. Hoje, a maioria deles, depois de formados, tropeçam numa simples petição, a ponto de ter sido necessário introduzir a disciplina de Português no curso de Direito para que os juízes possam entender o que os advogados peticionam. Pobres clientes! Nem seus advogados sabem dizer o que eles querem.

No Brasil de um século depois daquele famoso conflito vamos encontrar meninos, quase crianças, lendo e entendendo o que aquela rapaziada, saudada por Ruy Barbosa em sua célebre Oração aos Moços, escrevia e pensava.  Mas, hoje, passados 150 anos anos de Navio Negreiro, escrito por um estudante de Direito de apenas 22 anos, lido e estudado minuciosamente, além de recitado por milhares de brasileiros, senão milhões, que estão vivos e atuantes, lemos muito pouco em nossas escolas, sejam de ensino médio, sejam de curso superior, e esta é a principal razão de o Brasil desabar nas classificações internacionais que medem a qualidade de nosso ensino.
 


*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra








 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Porque os homens vibram mais com armas do que as mulheres O problema é mais profundo e ancestral

Porque os homens vibram mais com armas do que as mulheres

O problema é mais profundo e ancestral



Ninguém nega que a mulher tem o mesmo direito que o homem de usar armas para se defender. É verdade, no entanto, que desde os ancestrais até hoje os homens têm sido os donos da violência. Eles caçavam e faziam as guerras. As mulheres cultivavam a terra e estavam sempre mais perto do que cria a vida que do que das coisas que a destroem.

As mulheres sabem que tudo o que está relacionado à violência, começando por aquela levada a cabo contra a mulher, tem o selo da masculinidade. E é mais fácil encontrar um homem acariciando um revólver do que uma mulher. A indústria de armas, entretanto, não se contenta com o pouco apego da mulher aos instrumentos de morte. Na Índia, por exemplo, onde os estupros se multiplicaram nos últimos anos, uma dessas empresas teve a ideia de criar “a primeira arma para a mulher”, um revólver de apenas 500 gramas, “agradável e em um estojo de joalheria vermelho”, diz o anúncio. Recebeu o nome de uma jovem de 23 anos que em 2014 foi estuprada e torturada com uma barra de ferro e jogada de um ônibus em movimento.
“Estou horrorizada e indignada. Batizar uma pistola com o nome de uma vítima é um insulto à sua memória. O Estado está confessando seu fracasso na defesa das pessoas”, escreveu a hindu Binalakshmi Nepram, fundadora da Rede de Mulheres Sobreviventes de Armas. Segundo ela, “uma mulher armada tem 12 vezes mais chances de morrer a tiros”.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro, católico e evangélico [ou se é católico ou evangélico - não se pode servir a dois senhores; 
a pecha atribuída a Bolsonaro o torna servidor do diabo e pretenso servidor de de Deus - pretenso, visto que DEUS é único.
Bolsonaro enquanto presidente da República pode usar o gesto que lhe parecer mais conveniente àquela função profana, já como católico o Sinal da Cruz deve ser realizado com respeito.
Não tenho conhecimentos teológicos suficientes, mas, ouso assegurar que se a opção for fazer de forma inadequada, é melhor a omissão.] que usa mais o gesto de disparar uma arma com os dedos que o sinal da cruz, aprovou como primeira medida de seu mandato a ampliação da posse de armas aos cidadãos. Nada mais simbólico para um Governo que se manifesta sob o signo da agressividade e no qual as mulheres se sentem marginalizadas.  De nada serve afirmar que as mulheres, vítimas principalmente das aras de fogo aqui e em toda a América Latina, também se sentirão mais seguras com um revólver na mão. O problema é mais profundo e ancestral, enraizado nas filosofias e rituais mais antigos, onde o pênis, o poder e as armas são uma trilogia símbolo da agressividade contra a mulher. Ninguém pode negar os rastros do machismo fálico que sempre perseguiram a mulher.


Em A Interpretação dos Sonhos, Freud, o pai da psicanálise, apresenta como símbolos masculinos de armas até todos os objetos penetrantes. Desde os tempos da barbárie, o pênis sempre foi um símbolo de poder porque nas culturas que valorizam a força física o membro masculino perfura, penetra e domina o órgão feminino. Para explicar o complexo de Édipo na teoria psicanalítica recorre-se à lenda grega em que Édipo fere e mata seu pai, Laio, com um bastão, símbolo fálico, para depois se casar com a própria mãe.

As religiões mais primitivas também refletem o poder agressivo do homem diante da mulher com acentos fálicos. Até as religiões monoteístas perpetuam o mito da agressividade e da superioridade masculina contra a mulher, considerada inferior e objeto de pecado, o que reforçaria o machismo religioso moderno. Os deuses monoteístas são masculinos. Apenas em algumas religiões africanas a mulher é valorizada por sua função primordial de engendrar a vida. Na mitologia nagô, Oxum, a deusa da fertilidade, prefere oferendas como gema de ovo e mel de abelha, símbolos da procriação.

A sexualidade masculina é associada ainda hoje com as armas e a agressividade, com a violência. A psicologia já indicou que os estupros e os feminicídios são explicados porque a sexualidade é vista e ensinada como um poder absoluto do homem sobre a mulher. Hoje sabemos, no entanto, que a sexualidade vivida como agressão e dominação é apenas o produto de uma psique enlouquecida com o poder.

Ainda não existem estatísticas do desejo das mulheres brasileiras de possuir também elas uma arma, o que poderia lhes dar a sensação de se igualar ao homem no poder destruidor. Elas existem, como a deputada federal do PSL de Bolsonaro, Joice Hasselmann, que se declaram “poderosas com uma arma na mão. Imagino, porém, que se refira às mulheres com poder econômico, pois as trabalhadoras pobres não podem comprar um simples revólver.

Por isso prefiro pensar que a maioria das mulheres que entendem a sexualidade não como uma arma, mas como uma dádiva para a felicidade, o diálogo e a vida, estarão mais dispostas a gritar seu direito de viver e que o Estado proteja suas vidas do que se armarem para a guerra. Para elas, as que sabem que nem uma arma as defenderia contra a violência machista, para as que continuarão desarmadas e pobres, transcrevo alguns versos do poema O Grito dos Inocentes, publicado em Ilícito, o recente livro de Eliane Reis:

Logo ali, onde o sol nasce cinza,
moram joanas, marias, meninas…

Logo ali, onde o sol quase não brilha,
choram anas, helenas, mulheres.

Logo ali, onde não há mais cor,
morrem as descendentes de Eva.

Há de se dar a elas o direito ao grito,
o direito ao surto, o direito à vida.

Elas que trazem no sexo o peso,
o ardor do descaso, o caso da flor.

Logo ali, onde a vida não vale muito,
Enterram-se Marias.

Transcrito do jornal El País

Bolsonaro tal como ele é

Davos jamais viu nada parecido


Onde em qualquer parte do mundo, ontem, se ouviu o presidente Jair Bolsonaro dizer no Fórum Econômico de Davos que, em sintonia com os demais países, o Brasil, sob o seu governo, contribuirá para “a diminuição de CO2”, também conhecido como dióxido de carbono, ouça-se: na verdade, ele quis dizer que o Brasil contribuirá para “a diminuição de CO”, popularmente chamado de monóxido de carbono.

A diferença entre um gás e outro não se limita a um 2 a mais ou a menos em sua fórmula química. O dióxido de carbono ou o gás carbônico é um elemento básico na composição dos organismos, o que o torna indispensável para a vida no planeta. O monóxido de carbono, um gás altamente toxico, é justamente o contrário. Os nazistas, por exemplo, o utilizaram para matar judeus durante a Segunda Guerra.
“Hoje, 30% do Brasil são florestas”, disse também Bolsonaro num elogio indireto, e talvez sem querer, aos governos que antecederam ao seu. Não é bem assim. Em 2016, segundo a Organização das Nações Unidas, a área florestal do Brasil ocupava 58,9% do território. No ano seguinte, a NASA registrou via satélite que o Brasil preservava a vegetação nativa em 66% de seu território.

Em um surto patriótico, disparou Bolsonaro diante de uma das plateias mais bem informadas do planeta: “Somos o país que mais preserva o meio ambiente”. Exagerou. Numa lista de 180 países analisados a partir de sua performance meio ambiental, o Brasil ficou na 69ª posição, segundo anotou a Agência Lupa com base em estudo feito em 2018 pelas universidades americanas de Yale e Columbia.
Quanto ao mais, a primeira aparição de Bolsonaro no cenário internacional foi perfeita, ou quase. Quer dizer: correspondeu plenamente ao que muitos esperavam dele por conhecê-lo, e outros tantos por ouvir falar à distância. O discurso de 6 ou 8 minutos foi tão rápido e raso quanto um pires. Ou, se preferirem: superficial. Ou objetivo, como o definiram observadores com excessiva boa vontade.

A abertura do discurso será lembrada para sempre. Bolsonaro se disse emocionado por poder falar a uma plateia tão distinta. Modéstia do orador. A plateia era quem deveria agradecer a ele a oportunidade de conhecê-lo ao vivo, a cores e em estado original, despido completamente das maquiagens que uma assessoria competente poderia ter providenciado, mas não o fez – não se sabe bem por quê.

Veja