A movimentação do Palácio do Planalto tem dois objetivos: a curto prazo, impedir qualquer possibilidade de instalação de um processo de impeachment e afastamento do presidente Jair Bolsonaro por crime de responsabilidade; a médio, eleger ao comando da Câmara um aliado que possa ser pautado por Bolsonaro, o que não acontece hoje. A longo prazo, ninguém sabe. Entretanto, olhando ao redor, uma maioria fisiológica no Congresso é a via mais segura para a ampliação dos poderes de um presidente da República. Essa receita foi adotada com êxito em países como o Peru de Fujimori e a Venezuela de Chávez, a Rússia de Putin e a Hungria de Viktor Orban.
Uma parte da oposição considera o governo Bolsonaro protofascista.
Discordo do conceito por dois motivos: primeiro, porque vivemos numa
ordem democrática; segundo, porque a fascistização do governo não é
inexorável. Toda vez que o presidente da República faz um gesto
autoritário, tipo mandar um jornalista calar a boca, ou prestigia uma
manifestação a favor de uma intervenção militar, porém, a narrativa do
protofascista ganha novos argumentos: “E agora, você ainda acha que não
estamos caminhando para o fascismo?”, questiona um velho amigo
jornalista. Diante das circunstâncias, no entanto, vejo que é melhor
explicar minha avaliação.
Estou entre os que veem no governo Bolsonaro um viés bonapartista, porque se coloca acima da sociedade e busca se apoiar nas Forças Armadas, com respaldo político-ideológico de pequenos proprietários, empreendedores e corporações ligadas aos setores de transportes e segurança pública, além dos truculentos e embrutecidos de um modo geral. Mais ou menos como Luís Bonaparte, o sobrinho de Napoleão I. A diferença é que, no bonapartismo, o parlamento foi completamente subjugado pelo estamento burocrático-militar, o que não é o nosso caso, embora tenhamos um governo no qual generais da reserva e da ativa estão dando as cartas. A lógica desse processo é o aparelho burocrático-militar avançar em relação aos demais poderes, em aparente neutralidade arbitral. Na França de 1851, o golpe de estado de 2 de dezembro pôs fim ao regime parlamentar.
Aqui no Brasil, diante da maior crise sanitária que o país enfrenta, desde a epidemia de febre amarela de 1918, e de uma recessão que cavalga a pandemia, nossas instituições estão funcionando. O Congresso realiza sessões por videoconferências, em marcha batida para aprovar o chamado “Orçamento de Guerra”, que busca socorrer estados e municípios. O vai e vem da emenda constitucional sobre o assunto, entre a Câmara e o Senado, decorre da divisão do próprio governo, como ficou demonstrado ontem. Assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes, atuavam nos bastidores para garantir a aprovação da proposta do Senado sem emendas; já o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), atuou para que houvesse modificações. Questionado, disse que agiu de mando, ou seja, recebeu orientação do Palácio do Planalto.
Ontem, Rodrigo Maia (DEM-RJ) recebeu a visita dos ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) na Presidência da Câmara. Os dois generais são os mandachuvas na Esplanada e comandam as articulações para formação de uma base parlamentar com os partidos do Centrão, na base do velho toma lá dá cá, ou seja, em troca de ocupação de cargos no governo. A operação atraiu o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson; o Partido Progressista, do senador Ciro Nogueira; o PL, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, e o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, figuras carimbadas da chamada “velha política”. As conversas têm uma explicação: os presidentes do DEM, prefeito ACM Neto, de Salvador (BA); do MDB, deputado Baleia Rossi (SP); e do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), não embarcaram nas articulações para transformar Maia num pato manco. O jeito foi retomar as conversas com o presidente da Câmara.
Arapongas
Neste momento, onde mora o perigo? Nas manobras de Bolsonaro para ter à sua disposição pessoal os órgãos de coerção do Estado. Por ora, a tentativa de utilizar a Polícia Federal como instrumento de poder fracassou. Essa intenção foi denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Isso resultou na suspensão da posse do delegado Alexandre Ramagem no cargo de diretor-geral da PF, por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e no inquérito aberto para investigar o caso, pelo ministro do STF Celso de Mello, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Entretanto, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, delegou boa parte de suas atribuições a Alexandre Ramagem, que voltou à diretoria-geral da Agência Brasileira de Inteligência com superpoderes, depois de indicar seu braço direito, delegado Rolando de Souza, para o comando da PF. A agência tem por missão obter informações para o presidente da República, mas agora ganhou autonomia para contratar serviços sem licitação e financiar missões de servidores, militares, empregados públicos ou colaboradores eventuais da agência, obviamente, em segredo. Ou seja, Bolsonaro está organizando um exército de “arapongas”. É um péssimo sinal.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense
Estou entre os que veem no governo Bolsonaro um viés bonapartista, porque se coloca acima da sociedade e busca se apoiar nas Forças Armadas, com respaldo político-ideológico de pequenos proprietários, empreendedores e corporações ligadas aos setores de transportes e segurança pública, além dos truculentos e embrutecidos de um modo geral. Mais ou menos como Luís Bonaparte, o sobrinho de Napoleão I. A diferença é que, no bonapartismo, o parlamento foi completamente subjugado pelo estamento burocrático-militar, o que não é o nosso caso, embora tenhamos um governo no qual generais da reserva e da ativa estão dando as cartas. A lógica desse processo é o aparelho burocrático-militar avançar em relação aos demais poderes, em aparente neutralidade arbitral. Na França de 1851, o golpe de estado de 2 de dezembro pôs fim ao regime parlamentar.
Aqui no Brasil, diante da maior crise sanitária que o país enfrenta, desde a epidemia de febre amarela de 1918, e de uma recessão que cavalga a pandemia, nossas instituições estão funcionando. O Congresso realiza sessões por videoconferências, em marcha batida para aprovar o chamado “Orçamento de Guerra”, que busca socorrer estados e municípios. O vai e vem da emenda constitucional sobre o assunto, entre a Câmara e o Senado, decorre da divisão do próprio governo, como ficou demonstrado ontem. Assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes, atuavam nos bastidores para garantir a aprovação da proposta do Senado sem emendas; já o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), atuou para que houvesse modificações. Questionado, disse que agiu de mando, ou seja, recebeu orientação do Palácio do Planalto.
Ontem, Rodrigo Maia (DEM-RJ) recebeu a visita dos ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) na Presidência da Câmara. Os dois generais são os mandachuvas na Esplanada e comandam as articulações para formação de uma base parlamentar com os partidos do Centrão, na base do velho toma lá dá cá, ou seja, em troca de ocupação de cargos no governo. A operação atraiu o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson; o Partido Progressista, do senador Ciro Nogueira; o PL, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, e o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, figuras carimbadas da chamada “velha política”. As conversas têm uma explicação: os presidentes do DEM, prefeito ACM Neto, de Salvador (BA); do MDB, deputado Baleia Rossi (SP); e do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), não embarcaram nas articulações para transformar Maia num pato manco. O jeito foi retomar as conversas com o presidente da Câmara.
Arapongas
Neste momento, onde mora o perigo? Nas manobras de Bolsonaro para ter à sua disposição pessoal os órgãos de coerção do Estado. Por ora, a tentativa de utilizar a Polícia Federal como instrumento de poder fracassou. Essa intenção foi denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Isso resultou na suspensão da posse do delegado Alexandre Ramagem no cargo de diretor-geral da PF, por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e no inquérito aberto para investigar o caso, pelo ministro do STF Celso de Mello, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Entretanto, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, delegou boa parte de suas atribuições a Alexandre Ramagem, que voltou à diretoria-geral da Agência Brasileira de Inteligência com superpoderes, depois de indicar seu braço direito, delegado Rolando de Souza, para o comando da PF. A agência tem por missão obter informações para o presidente da República, mas agora ganhou autonomia para contratar serviços sem licitação e financiar missões de servidores, militares, empregados públicos ou colaboradores eventuais da agência, obviamente, em segredo. Ou seja, Bolsonaro está organizando um exército de “arapongas”. É um péssimo sinal.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense