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terça-feira, 24 de novembro de 2020

Truque da negação mantém o racismo - Míriam Leitão

O Globo

A estratégia mais velha do racismo brasileiro sempre foi negar a própria existência. Fica mais difícil combater um inimigo que se camufla. Por isso, as atitudes do presidente e do vice-presidente do Brasil na morte de João Alberto são tão lesivas, porque elas fortalecem a maneira como o racismo sempre prevaleceu no país. O caso revela também um defeito do mundo corporativo que é a inclusão em seus índices de qualidade, de sustentabilidade e diversidade, de empresas sem qualquer compromisso com os valores que aqueles indicadores representam. Engana-se assim o distinto público.

[o mais absurdo é que a presente matéria tenta criar uma situação que não existiu. A morte ocorrida na quinta-feira (19) no estacionamento do Carrefour de Porto Alegre, não apresentou, nem apresenta,  o mais remoto, o mais ínfimo indicio que sustente uma hipotética situação de racismo ou mesmo injúria racial.

Mas apesar do fracasso dessa classificação absurda, inexistente, insustentável, muitos tentam ser os Dom Quixote combatendo o Brasil, sob o pretexto de ser racista.  Houve uma morte violenta, tudo indica resultado de desentendimento anterior entre a vítima (de homicídio qualificado, não existe o tipo penal homicídio racista = a tipificação efetuada pela Justiça quando do julgamento, exige ser o tipo penal aplicado,  previsto em Lei = elaborar as leis, legislar, é competência exclusiva do Congresso Nacional) e os seguranças da Vector, quadro que se sustenta com o depoimento das testemunhas - no tocante ao comportamento estranho do Beto, estilo provocativo, agressivo e que se soma aos seus antecedentes criminais.]

O Carrefour só agora foi expulso da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial e, apesar de não fazer parte do índice de sustentabilidade da B3, estava em outro indicador internacional, em parceria com a bolsa americana S&P, o Brazil ESG Index. Agora, terá a participação revista. A pergunta é o que a rede de supermercados, que já tem tantos antecedentes, fazia nesses indicadores. A B3 tirou a Vale do índice de sustentabilidade apenas depois do desastre de Brumadinho. Esses selos de qualidade acabam servindo para enganar.

Os indicadores corporativos atraem investidores e consumidores. O problema é a mistura entre empresas realmente comprometidas com o enfrentamento das desigualdades sociais, raciais, e com a defesa do meio ambiente, com empresas que usam esses índices e iniciativas apenas como maquiagem. A desculpa do Carrefour de que o crime foi praticado por uma terceirizada não a exime. Toda empresa faz exigências na contratação de seus fornecedores e é responsável por eles já que a atuação se dá no ambiente de trabalho. Até por uma preocupação reputacional as empresas teriam que impor código de conduta às empresas fornecedoras. [o proposto neste parágrafo pela ilustre articulista, ultrapassa as fronteiras do absurdo = as empresas terceirizam determinados serviços  para reduzir a burocracia, custos e   dar maior agilidade na substituição de pessoal e o proposto deixa claro que o Carrefour deveria terceirizar seus serviços e ao mesmo tempo contratar um serviço para prevenir eventuais conflitos entre o pessoal terceirizado e clientes com atitudes imprevistas.

O cliente é importante, mas o terceirizado também tem importância = é um ser humano tanto quanto o cliente.] O que se viu naquela cena revoltante foi um conluio entre o supermercado e a firma terceirizada para o uso da violência contra um cliente. Nada há que diminua a culpa do Carrefour e tudo isso coloca em dúvida os critérios dos indicadores de responsabilidade corporativa. Existem para informar ou para enganar?

Quanto à dupla Bolsonaro e Mourão, ninguém ficou surpreso com essa reação, porque essa é a estratégia mais usada para a perpetuação do racismo.  No governo militar chegou-se ao absurdo da eliminação da pergunta cor e raça no questionário do Censo de 1970, deixando uma cicatriz nas estatísticas. [agora a pergunta passou a ser substituída por uma autodeclaração - que por inúmeras vezes tem criado situação que seriam cômicas, caso não fossem criminosas, especialmente nas fraudáveis cotas raciais = que pisoteiam o mérito.] A invisibilidade do problema que atravessa a sociedade brasileira é a forma de dar sobrevida a ele.

As declarações de Bolsonaro e Mourão, mesmo previsíveis, não deixam de ser revoltantes. Elas agridem os negros e ofendem a realidade. ['espancam' o presidente e o vice-presidente da República Federativa do Brasil por não verem racismo onde não existe e ao mesmo tempo se omitem de apontar um único detalhe (real, concreto) que sustente ocorrência de racismo.] Os pretos e pardos brasileiros têm os piores indicadores sociais, enfrentam as barreiras do preconceito onde quer que tentam entrar, são atacados por injúrias raciais que vão minando a autoconfiança e são os alvos mais frequentes da violência policial. Segundo os dados do último Atlas da Violência, um jovem negro tem 2,7 vezes mais risco de morrer vítima da violência do que um jovem branco. [detalhe: grande parte dos jovens negros e também jovens brancos são mortos por jovens negros e também por pardos, brancos, galegos, etc.] Antes de ser eleito, Bolsonaro referiu-se a moradores de quilombo usando uma medida de peso que se usa com animais e afirmou que nem para “reprodutor” eles serviam. Já Mourão disse que o brasileiro tem a indolência do indígena e a malandragem do negro. Mais racistas não poderiam ter sido.

São tantos, tão diários, tão frequentes e visíveis os atos de discriminação a que pretos e pardos estão expostos no Brasil que o presidente e o vice-presidente só conseguiram demonstrar que o governo vive divorciado do país. Governam de costas e agarrados a velhas desculpas esfarrapadas. O racismo tem uma coleção de sofismas para continuar existindo no Brasil e fazendo seu trabalho de dividir os brasileiros pela cor da pele dando mais oportunidades aos brancos e mais riscos aos pretos. Um desses é que o Brasil é miscigenado e por isso não tem discriminação. É mesmo, o que torna ainda mais absurdo o preconceito. Outro é de que nos Estados Unidos houve segregação e aqui não. O Brasil criou um conjunto tão grande de barreiras que segregou os negros mesmo sem ter uma lei.

Não entender o racismo brasileiro é não entender o Brasil, é aliar-se ao que houve de pior na nossa história para que as desigualdades permaneçam. Há muito tempo tenho exposto neste espaço a minha profunda convicção de que lutar contra o racismo é tarefa de cada um de nós, brancos e negros. É uma luta em favor do Brasil e que tornará o país economicamente mais próspero, e com uma democracia mais sólida.

Míriam Leitão, jornalista, com Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo


terça-feira, 11 de setembro de 2018

Primeira Turma do STF rejeita denúncia por racismo contra Bolsonaro

[Existe discriminação racial, maior do que a política de cotas raciais?Tem algo que discrimine mais que a tal política?]

Voto decisivo foi do ministro Alexandre de Moraes

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta terça-feira a denúncia por racismo contra o deputado Jair Bolsonaro, candidato a presidente da República do PSL. Por três votos a dois, os ministros entenderam que o presidenciável não cometeu o crime, porque estava protegido pela liberdade de expressão e pela imunidade parlamentar, duas garantias constitucionais. O caso foi arquivado.
A denúncia começou a ser julgada no dia 28. Houve empate de dois votos a dois. O ministro Alexandre de Moraes, último a votar, pediu vista. Nesta terça-feira, ele desempatou o julgamento a favor de Bolsonaro. Para ele, apesar de grosseiras, as declarações foram ditas num contexto de crítica a políticas governamentais, e não em incitação ao ódio.  — Eu não tenho nenhuma dúvida em relação à grosseria e total desconhecimento da realidade, especial quando aos quilombolas, nas declarações do denunciado. São declarações absolutamente desconectadas da realidade. No entanto, no contexto da imunidade, apesar da grosseria, do erro, da vulgaridade e do desconhecimento, não me parece que a conduta do denunciado tenha extrapolado a liberdade de expressão para o discurso de ódio, racismo ou xenofobia — declarou Moraes.

Bolsonaro foi denunciado a partir de uma palestra dada no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, em abril do ano passado. Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no mesmo evento ele destilou preconceito contra quilombolas, refugiados, gays e mulheres.  — Eu fui em um quilombo em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais — disse o parlamentar no evento.

Em relação aos estrangeiros, Bolsonaro disse que o Brasil não pode virar “casa da mãe Joana”:
— Não pode a decisão de um governo acolher todo mundo de forma indiscriminada. [sem xenofobia nem demagogia: um país com mais de 13.000.000 de desempregados, economia em frangalhos, pode receber mais desempregados?]

Na mesma ocasião, o deputado afirmou que, se visse dois homens se beijando na rua, bateria em ambos. E que preferiria ver o filho morto do que assumindo eventual homossexualidade. Bolsonaro também disse que tem quatro filhos homens e, na quinta, deu uma “fraquejada”, porque nasceu uma mulher. [qual o pai ou a mãe que não fica constrangido quando está passeando em alguma local público, especialmente quando acompanhado de filhos crianças, que não fica constrangido quando ver duas mulheres se beijando na boca, ou dois homens também se beijando ou andando de mãos dadas?
Tudo bem, vamos criar leis para combater preconceito (o que não é considerado preconceito por lei, preconceito não é), mas, vamos também exigir que as pessoas com comportamento anormal evitem praticar anormalidades na via pública.]
 
Em seu voto, Alexandre de Moraes ponderou que, no discurso, Bolsonaro não teve o objetivo de negar o sofrimento causado aos negros e descendentes em relação à escravidão. Também não teria incitado tratamento cruel aos negros. O ministro acrescentou que a opinião dos políticos deve ser manifestada para que o eleitor saiba como pensam seus representantes.

No primeiro dia de julgamento, os ministros Marco Aurélio Mello e Luiz Fux votaram pela rejeição da denúncia. Para eles, o discurso foi uma crítica contundente a políticas públicas brasileiras. Ambos ressaltaram que a Constituição Federal proíbe a censura e garante a liberdade de expressão de todos. Marco Aurélio acrescentou, ainda, que Bolsonaro está protegido pela imunidade parlamentar – e, portanto, tem a garantia de manifestar suas ideias livremente, mesmo fora da Câmara dos Deputados.

Os ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber votaram pelo recebimento da denúncia por racismo na forma como mencionou quilombolas e gays. [os gays passaram, por supremo decreto de dois supremos ministros, a constituírem uma raça?] Eles acrescentaram também as práticas de apologia e incitação ao crime, que não haviam sido incluídos na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em relação aos estrangeiros e às mulheres, os ministros concordaram em não enquadrar as falas em prática criminosa.

No processo, os advogados de Bolsonaro alegaram que as afirmações não foram preconceituosas ou discriminatórias e, mesmo que sejam consideradas dessa forma, seriam protegidas pela imunidade parlamentar. Pelas mesmas declarações, Bolsonaro já foi condenado, pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, a pagar R$ 50 mil por danos morais coletivos para comunidades quilombolas e à população negra em geral, em uma ação movida pelo Ministério Público Federal no estado.

Apesar de ter se livrado da denúncia por racismo, Bolsonaro já tem uma ação penal aberta no STF por injúria e apologia ao crime. O caso chegou à Corte depois que o deputado disse à colega Maria do Rosário (PT-RS) que ela não merecia ser estuprada, por ser “muito feia”. O processo, no entanto, não tem impacto direto na candidatura. Pela Lei da Ficha Limpa, condenados não podem concorrer às eleições. No caso de Bolsonaro, ele ainda não foi julgado, está apenas sendo investigado.

O Globo